quinta-feira, 31 de maio de 2012

Trás-os-Montes

O mundo infantil é, por vezes, cruel e competitivo. A violência sobre ele mesmo, sobre os outros e sobre os animais faz parte do mundo rural, também violento, em que os pais batem nos filhos e nas mulheres. As crianças vivem num espaço concentracionário onde a sexualidade é bruta e animal e são precisos rituais, liturgia e mitos. Em todo o mito há sempre uma componente sacrificial. Aqui  o imolado é o Miúdo, jovem pastor surdo e desajeitado que acaba  exposto, durante a noite,  num jazigo do velho cemitério da aldeia. Em Trás-os-Montes , não encontramos o Reino Maravilhoso de Torga, mas o isolamento como um espaço entre a violência e a resignação. Só os cães são dóceis e obedientes, enquanto têm dono. Todos querem partir. As crianças estão confinadas a uma geografia diminuta e a um tempo repetitivo. Por vezes, a crueldade sem sentido que percorre as páginas do romance, a necessidade de se sustentarem em forças ocultas, sejam objectos, sejam sonhos lembra o Deus das Moscas de William Golding.    
Vem este arrazoado a propósito do romance de Tiago Patrício que ganhou o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís, cuja apresentação por José Mário Silva e a prof. Anabela Mendes, decorreu no passado dia 26 na FNAC do Chiado, com uma presença representativa de originários de Carviçais onde o autor viveu até aos 19 anos. Esta aldeia de Moncorvo é pródiga em talentos. Basta recordar Vitor Rocha (Postigo Cerrado, Na Andadura do Tempo) , escritor tão injustamente esquecido, e António Sagué.
O livro de Tiago Patrício, editado pela Gradiva, um cosmopolita assumido, um traga-mundos, farmacêutico como  Fialho de Almeida, com 32 anos, mas a frequentar Literatura e Filosofia na Universidade Nova de Lisboa, é, para mim, uma das mais agradáveis surpresas, em termos de ficção, deste inquietante 2012.

Rogério Rodrigues
Foto de Rui de Carvalho

2 comentários:

  1. Para quando a apresentação deste livro na nossa Biblioteca?Pelo Rogério Rodrigues,pois claro.
    Com a banda de Carviçais a fazer uma arruada(é assim que se diz?)pela vila ,orgulhosa do seu Patricío(Tiago).
    M.C.

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  2. Tenho de ler o livro do Tiago Patrício. Sem falta. Vai ser já o próximo.
    Entretanto, parabéns ao autor.

    Um abraço
    Júlia Ribeiro

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