Duarte Areosa e Ferreira Pontes
Da “rapaziada alegre” transmontana da universidade de Coimbra “in illo
tempore”, um dos mais castiços era o António Joaquim Ferreira Pontes, natural
de Urros, concelho de Torre de Moncorvo, e que ali foi baptizado com o nome de
“cara estanhada”.
Urros 1947 -Foto F.P.S.J. |
Ficou célebre uma aventura que, em tempo de aulas, o levou a passear de
Coimbra para o Porto. Na cidade invicta, passeando com os amigos, saiu-lhe pela
frente, em plena rua, próprio pai, que ali fora comerciar. Apanhado em
flagrante, quando o pai vinha direito a ele, não se desmanchou e, virando-se
para os amigos, comentou:
- Querem ver que
aquele homenzinho me está a confundir com o filho dele!
O pai avançava para o filho e este, sem pestanejar, desarmou-o logo e tão
lindamente que deixou embatucado, atirando-lhe:
- Oh! Bom homem!
Está-me a confundir com alguém, algum filho seu, é?! Ele é parecido comigo?!
De volta a Coimbra, no dia seguinte, escrevia ao pai, para Urros, uma linda
carta em que lhe dizia que, no dia anterior, estivera a fazer exames, que lhe
correram muito bem, e que lhe mandasse o dinheirinho da mesada, que estava
necessitado.
Do seu perfil como político liberal, falou-se já em crónica anterior. Hoje
vou relatar um episódio da administração de uma câmara municipal de Torre de
Moncorvo presidida por Ferreira Pontes. O outro protagonista é o dr. Duarte
Augusto Areosa, igualmente um “alegre rapaz” da coimbrã república de
transmontanos.
Estava-se em 1878. Ferreira Pontes era presidente da câmara que integrava
ainda os vereadores António Augusto Sampaio e Melo, António Augusto Carvalho e
Castro, Bernardino Cândido Gomes e Manuel António Pires de Gouveia.
Duarte Areosa era então professor da Escola Municipal de Latim e Francês e
um dos vultos do partido regenerador de Moncorvo, chefiado pelo dr. Ferreira
Margarido e por Caetano de Oliveira.
Fixemo-nos então em Dezembro de 1869, altura em que o jovem advogado
Augusto Areosa foi nomeado pela câmara professor daquela escola. Como a câmara
não dispunha de uma casa própria para as aulas, deliberou que a escola funcionasse
na casa alugada pelo professor para residência sua e de sua família, pagando o
município metade da renda.
Assim funcionaria a escola quando, em Janeiro de 1878, Ferreira Pontes
tomou posse do cargo de presidente da câmara, sucedendo a António Caetano de
Oliveira. E logo na primeira ou segunda reunião do executivo, foi deliberado:
- Pôr à disposição do
professor uma sala no edifício dos Paços do Concelho, para funcionar como
escola.
O professor não gostou, continuou a dar as aulas em sua casa, queixou-se ao
Comissário dos Estudos e recorreu para o Conselho de Distrito, argumentando que
a sala não servia porque no edifício da câmara se amontoavam já muitos serviços
e a entrada e saída de munícipes fazia os alunos distraírem-se. Ouvida a câmara
sobre o assunto, esta respondeu:
- Exactamente para que
os alunos não sejam distraídos é que se transfere a aula para os Paços do
Concelho, uma vez que, na casa do dr. Areosa, os alunos são perturbados não
apenas pelas pessoas da casa, mas também pelos clientes do advogado Areosa,
pois que, a sala de aulas é também escritório de advogado.
O Conselho de Distrito acabou por julgar o caso e dar razão ao professor
Areosa e, no seu acórdão, proferido em Fevereiro de 1879, obrigava a câmara ao
pagamento das rendas da casa que a câmara tinha, entretanto, deixado de pagar,
ou seja, 8$240 réis.
Ferreira Pontes e câmara a que presidia não se deixaram convencer e
recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo, acrescentando um novo
argumento:
- Em cada um dos 8
anos de câmaras amigas do professor Areosa, o município pagou 17$240 réis (a
casa estava arrendada por 18$000 réis) e ele $760 réis! Não era a câmara que
lhe devia 8$240 réis, mas ele é que devia à câmara qualquer coisa como 65$920
réis, ou seja a metade da renda da casa durante aqueles 8 anos.
O resultado de tudo isto foi que, em 1880, o governo mandou encerrar a
Escola.
Na mesma reunião de 20 de Fevereiro de 1879, em que recorreu para o
Supremo, o executivo de Ferreira Pontes aproveitou para fazer o lançamento das
contribuições municipais para o ano económico de Julho de 1878 a Julho de 1879.
Nos termos de uma lei promulgada em Dezembro de 1878 aconteceu que as contribuições
dos funcionários públicos e das “partes de fora” (ou seja as pessoas que
residiam fora do concelho mas nele tinham propriedades) subia para o dobro,
enquanto as dos proprietários e industriais baixavam muito.
Augusto Areosa e 10 outros funcionários públicos municipais logo reclamaram
contra este abuso, apresentando duas ordens de argumentos. Por um lado, havia
ilegalidade, porque, começando o ano económico em Julho de 78, não podia a
contribuição correspondente ser regulada por uma lei promulgada em Dezembro
seguinte, a meio do ano económico. Em segundo lugar, tratava-se de uma
injustiça porque as contribuições eram lançadas aos proprietários e industriais
com base nas matrizes que estavam subavaliadas, enquanto aos funcionários eram
lançadas com base nos salários auferidos e que não podiam ser escondidos.
Mais uma vez o recurso não foi atendido pela Câmara de ferreira Pontes.
Mais uma vez o Duarte Areosa e outros 10 empregados recorreram para o Conselho
de Distrito, que lhes deu razão. Mais uma vez Ferreira Pontes recorreu para o
Supremo…
Entretanto… aproximava-se o fim do mandato daquela câmara e nova luta
política ia estalar antes dessas eleições, em Dezembro de 1879, a propósito das
mesas eleitorais.
Ferreira Pontes e a câmara fixaram 4 mesas de voto, assim distribuídas:
Moncorvo, Carviçais, Urros e Horta da Vilariça. O administrador do concelho e o
partido do dr. Areosa, Margarido e Oliveira não concordavam com esta
distribuição e queriam apenas duas mesas de voto: uma em Moncorvo e outra em
Felgueiras. Argumentaram que assim se fizera nas últimas eleições para
deputados. Recorreram naturalmente para o Conselho de Distrito e Ferreira
Pontes contestou, dizendo que os eleitores aumentaram de 1600 para 3000 e que o
único interesse dos adversários na mesa de Felgueiras era “contarem ali com
todos os seus arruaceiros e homens de mão”. E dava o exemplo:
- Na penúltima eleição
camarária, não contentes com chapelada que deram na sua aldeia, os de
Felgueiras, à uma hora da madrugada, ainda se dirigiram à Horta da Vilariça a
fim de roubarem a urna eleitoral!
Mas… esta é uma história para outra crónica. Por hoje, diga-se que Ferreira
Pontes permaneceu mais dois anos à frente da câmara e Duarte Areosa seria
eleito para o quadriénio seguinte, de 1882 1 1885, Presidente da Câmara
Municipal de Torre de Moncorvo.
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