A propósito da notícia postada pela Carina em 26 de Janeiro : “ Moncorvo – Fornecimento de Luz Eléctrica (1929) “, recordo uma teatrada, tipo revista, pelos idos de 1944/45 (ainda a 2ª Grande guerra não tinha acabado e eu ainda não andava na escola primária).
Abria o pano e no palco estavam três homens à volta de uma mesa: um lia o jornal e os outros dois comentavam as notícias :
1º homem - Desta vez é que é, vamos ter luz eléctrica.
2º homem - Já ouço dizer isso há mais de 20 anos...
3º homem – Ah, então os buracos pelas ruas são p’ra isso.
2º homem – A Ti Ana Balouca já caiu num e partiu uma perna ...
1º homem – Coitada da Ti Ana... Mas bai ser p’ro bem da bila.
Etc , etc. Entrava então um grupo de raparigas, todas bonitas, vestidas com uns vestidos aos folhos, já bem curtinhos (que era tempo de guerra e o tecido era caro) e chapelinhos de grinaldas na cabeça, todas de igual, que cantavam e dançavam aquela toada que a Beatriz Costa cantava na “Aldeia da Roupa Branca”, mas a letra era sobre a luz eléctrica em Moncorvo.
Eu tinha uns 6 anitos e não me lembro da letra, mas o refrão ficou cá gravado:
“De novo só tem os canos,
De resto já tem 100 anos,
Vai haver LUMINAÇÃO .
E, saracotendo-se, as puxavam duas fitinhas atrás das orelhas e acendiam umas luzinhas que estavam presas nas grinaldas dos chapelinhos. Baixavam a cabeça todas ao mesmo tempo para o público ver bem as luzes, voltavam a saracotear-se , repetiam o refrão e os passos de dança.
Toda a gente ria às gargalhadas, batíamos palmas e , de pé, cantávamos com as dançarinas.
Lembro-me de tudo isto nitidamente, talvez melhor que do que fiz ontem.
Júlia Ribeiro
Reedição de posts desde o início do blogue
Memória prodigiosa a da Julinha!E a maneira graciosa e aparentemente simples que utiliza para nos contar episódios como este ,cativa-nos e abre-nos o "apetite" para a leitura de outras estorinhas.Faça o favor de continuar a dar-nos esse prazer!
ResponderEliminarAbraço de
Uma moncorvense
Aqui está uma bele recordação. Pois não fica sem resposta, tal revista eu não vi, porque só tinha uns 2 ou 3 anos, mas ouvi a minha avó e as minhas tias cantarem essa que ´de novo só tem os canos´ , mas ninguém me explicou a origem da cantiga.
ResponderEliminarJoão da Torre
Quem se lembra da canção?Onde foi o show?O ALMA DE FERRO TEM QUE FAZER UMA ANTOLOGIA AO VIVO DE TODO O NOSSO TEATRO.Doutora Julia,nunca escreveu para o teatro?
ResponderEliminarMemória de elefante (salvo seja) e jeito para contar.Onde foi o espectáculo?No antigo teatro que ardeu e onde hoje são os correios?Se se lembra da revista com pormenores, a Júlia deve saber informar-nos.
ResponderEliminarManeldabila
Quase iria afirmar - mas jurar não posso - que essa teatrada teve lugar onde hoje é o cinema. Recordo que tinha chovido muito e havia lamaçal por todo o lado . Para eu não sujar os sapatos, o "Nosso Senhor" levou-me ao colo. E a ideia que me ficou é que subimos a Rua das Teixeiras... ( "Nosso Senhor" é alcunha: muitos nomes passam, mas as alcunhas ficam).
ResponderEliminarQuanto à revista da "Luminação", duas das meninas bonitas de que me lembro bem eram a Irma (que foi criada pela Santana Zirra e pela Aurora Zirra, que viviam no r/c da casa dos Flavianos, quase à esquina do adro, e a filha do Álvaro Chalaça e de uma senhora gorda que morava onde hoje é a loja da Júlia Nunes, de frente para a Praça das Regateiras).
Lamento não vos poder dar mais dados. A memória regista o que mais a marca. A minha memória registou a lindeza daquelas duas cachopas.
Quem me dera ter escrito uma "Caderneta de Lembranças"...
No mesmo teatro passaram-se coisas muito curiosas: uma vez foi levado à cena o "Amor de Perdição" . E quando, de um varandim ao fundo do palco, que representava o convés de um navio, Simão é lançado ao mar, ouviu-se um grito de dor e a voz do Simão vinda lá de baixo: "Ai, cabrões , que me matastes". Um dos dois actores que tinham de atirar o Simão ao mar depois de o balouçarem duas vezes, largou-o não ao terceiro balouçar, mas ao segundo. No dia seguinte andava o Todu de muletas.
Também me lembro da Ceia dos Cardeais. Esta teve muita piada. Fica para a próxima.
Caro Anónimo das 14:23 :
Não, nunca escrevi teatro; mas gostava de tentar.
Um abraço
Júlia
Rezam as crónicas que Constâncio Arnaldo de Carvalho era o celebrado autor de peças de teatro que se representavam em Moncorvo no velho teatro do Castelo... E também um consagrado actor. O sr. Adriano Fernandes tinha alguns desses textos manuscritos que estavam no escritório que ele "herdou" do sr. Marcolino Ferreira e eu cheguei a ler...O texo a que se refere a amiga Júlia talvez não fosse a Ceia dos Cardeais mas sim A CEIA DOS QUINTANISTAS, exactamente da autoria deste nosso conterrâneo. J. Andrade
ResponderEliminarOlá, António Júlio:
ResponderEliminarTalvez fosse como o meu amigo diz. E então seria uma paródia à Ceia dos Cardeais .
Eu era muito pequenita, mas lembro-me da mesa muito bem posta, com uma toalha de renda, e sobre ela pratos e copos e um belo galo (a sério) assado no forno, bem tostadinho, que até fazia crescer água na boca. E, claro, vinho, pão e um grande açafate com uvas. Um dos cardeais(?)/ quintanistas(?) era muito comilão. Tirava uma coxa do galo à mão e desatava a comer sem faca nem garfo. Acompanhava com copos de vinho e depois com um cacho de uvas e ia debitando o seu papel.
Nessa peça entrava o Sr. Adriano Fernandes, ou talvez fosse ele o ensaiador, não sei. Mas fartou-se daquela cena de comezaina e na noite seguinte lá estava o galo assado (outro galo). Só que o Sr. Adriano Fernandes tinha-o besuntado com as malaguetas mais queimosas que encontrou.
Eu não estava lá nessa noite. Quem conta agora é o meu pai:
'Após a enorme dentada que costumava dar, o dito comilão ficou a arfar, de boca escancarada, quase deitava fumo pelas orelhas, bebeu o vinho pela garrafa, não conseguia falar ( toda a gente de olhos fixos, em suspense) e, quando conseguiu articular umas palavras disse :
" Quem foi o carvalho, filho da puta que me fez isto?"
O pano fechou à pressa e nessa noite não houve mais teatro. Na noite seguinte a sala estava cheia que nem um ovo. O maralhal todo a dizer que estava lá na noite anterior mas tinham perdido o bilhete... Ele eram pessoas sentadas nas coxias, encostadas às paredes...'
Calculai: um enorme sucesso !!
Abraços,
Júlia
Esqueci-me de dizer que a D. Idalina Martins, mãe do Quim Morais, lembra-se do tal refrão que eu referi. Mais palavra aqui menos palavra ali, cantou-o de imediato ao telefone.
ResponderEliminarA senhora está no Lar Francisco Meireles. Talvez outras pessoas que lá estão também se lembrem de algumas destas coisas...
Júlia
Já não me ria assim desde há muito tempo atrás. Foi melhor do que ir ver o Charlô.
ResponderEliminarO culpado foi o Todu,sempre voluntário, pois estava programado que o actor era o Adelino Menezes ,o perna d'aço.Como o nome indica nunca coxeava!
ResponderEliminarComo estamos em maré de teatrada, palmas para a nossa contadora-mor,a Julinha Biló.Os episódios que relata,recheados de comicidade e picardia (tão característica do humor moncorvense)proporcionaram-me momentos de bom riso.Espero que todas as estórias que a sua espantosa memória retém venham até aqui,que, em tempo de crise como o que atravessamos, o riso é a melhor arma para afastar preocupações.Vale?
ResponderEliminarUma moncorvense
Eu também já não me ria assim desde que o outro caiu da cadeira. Ah! Ah! Ah!
ResponderEliminarJoão da Torre
Andava eu pelos meus sete aninhos, decidiu a minha irmã mais velha levar-me pela primeira vez ao cinema. O filme, do António Lopes Ribeiro, contava a história dos amores de D. Pedro e Inês e a trágica morte daquela que depois de morta foi rainha. Completamente rendido e fascinado pelo desenrolar da história ,a comoção é tão intensa ao ver a cena do assassinato, que desato a chorar como uma madalena. Busco nos bolsos das calças um lenço para limpar as lágrimas e esfrego com ele os olhos e o rosto. Acabada a sessão ,as luzes acesas, dou com a minha irmã a rir a bandeiras despregadas .a minha cara estava coberta de pedaços de marmelada. O que eu tinha tirado do bolso era o guardanapo com o resto da sandes que a minha mãe me tinha preparado para o lanche desse dia na escola.
ResponderEliminarDiasporano
Olá, Amigos Blogueiros:
ResponderEliminarVenho agradecer-vos as duas boas gargalhadas que dei ao ler estes últimos comentários.
Abraços
Júlia
A fotografia que acompanha o texto da Júlia,com alguns dos utensílios de iluminação anteriores à luz eléctrica,fez-me lembrar um episódio que em tempos ocorreu e que, no seguimento do espírito de leveza e divertimento dos comentários anteriores,resolvi contar:
ResponderEliminarAndava um dia uma das carrinhas da biblioteca itinerante da Gulbenkian pelas nossas aldeias com a nobre intenção de fomentar a leitura entre quem a ela não tinha acesso,quer por falta de meios económicos,quer pelo distanciamento dos grandes centros .
Um dos muitos curiosos que se juntaram à volta da improvisada biblioteca,perguntou ao funcionário da Fundação como é que“aquilo”funcionava.
-O senhor requisita até três livros,leva-os para casa,e tem umprazo para os entregar,foi a resposta.
-E quanto se paga?,quis saber o homem.
-Nada,isto é oferta da Gulbenkian.
-E o que é isso?
-Calouste Gulbenkian foi um estrangeiro que deixou a sua fortuna a Portugal,para o desenvolvimento das artes e das letras,tentou,em breves palavras, explicar o funcionário.
-E o que é que ele fazia para ser tão rico?
-Fez fortuna no comércio e na indústria do petróleo.
-Ah!O cabrão quer é que a gente leia à luz do candeeiro,porque sabe que não temos electricidade…
Diasporano
Ah, grande Diasporano, que já me fez rir outra vez. Como diz "Uma Moncorvense" : " nestes tempos de crise, uma boa gargalhada dará para afastar preocupações " .
ResponderEliminarPelo menos, enquanto se solta a gargalhada ...
Júlia
Quem conta mais estórias dos seus tempos de raparigo em Moncorvo ou nas aldeias do conselho?Podia-se fazer um livro de lembranças. A ideia é nuito má? Se não é vamos a isso, porque as pessoas não duram pra sempre.
ResponderEliminarAntócio C.
A ideia é excelente.Vamos todos contar as histórias do nosso tempo de raparigos até bloquear (atafulhar)o blog.Força António C..Aguardamos as suas!Como diz o Rui Carvalho:botai lá!
ResponderEliminarum blogueirodependente
Atão botem lá mais...Bem ou mal escritas,não interessa.O Justiniano não ligava ao acordo ortográfico da época e deixou-nos lembranças preciosas.
ResponderEliminarManeldabila
Lembro-me bem de todos estes objectos de iluminação! Na aldeia dos meus avós, onde a electricidade só chegou teria eu uns 6 ou 7 anos, havia de todos os tipos. O candeeiro alto de bronze e com 3 tochas, julgo que de origem judia, usava-se para "alumiar aos mortos".
ResponderEliminarAinda referente à "teatrada / revista" de 1944/45, a minha mãe ainda se lembra de mais umas palavrinhas do dito refrão, que seria asssim:
ResponderEliminar"Ai Moncorvo,
Terra das mulheres gaiteiras,
Todas são alcoviteiras,
Já lhe vem de geração...
Ai,ai,ai,
De novo só tem os canos
O resto é de há cem anos,
Vai haver iluminação!"
Lembro-me bem de todos estes objectos de iluminação! Na aldeia dos meus avós, onde a electricidade só chegou teria eu uns 6 ou 7 anos, havia de todos os tipos. O candeeiro alto de bronze e com 3 tochas, julgo que de origem judia, usava-se para "alumiar aos mortos".
ResponderEliminarAmândio Rebanda
Candieiros e candeias, todos tiveram a mesma função, alumiaram muitas ideias a homens e mulheres da nossa geração.
ResponderEliminarManuel Pires Velas,