apresentação a cargo do Dr. António Guilhermino Pires, com a presença do autor Francisco Galope
dia 23 de Maio de 2015 (sábado), pelas 21h00
na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro, em Vila Real
“O Herói Português – da I Guerra Mundial” de Francisco Galope
De anónimo nas trincheiras a herói nacional, a história de Aníbal Milhais, o soldado Milhões.
Na Batalha de La Lys, o soldado Milhões ficou para trás e cobriu a retirada dos camaradas. Durante vários dias vagueou por trincheiras e descampados, sobrevivendo graças à sua metralhadora e a um pacote de amêndoas da Páscoa. Ao regressar ao acampamento, depois de salvar civis e matar militares alemães, foi recebido como um herói. Porém, no regresso a casa, cai no esquecimento, apesar de ter recebido a mais alta condecoração. Só anos mais tarde, o regime decide fazer dele um símbolo do amor à pátria…
«A história do Milhões tem qualquer coisa de conto de fadas. Quando o seu filhito tiver idade de ouvir histórias, se alguém o tomar sobre os joelhos e lhe contar a de seu pai, o pequeno tem de abrir uns grandes olhos, como se lhe relatassem o caso do Grão de Milho ou da Gata Borralheira.» André Brun in “Diário de Lisboa” (1924)
«Aníbal Augusto Milhais, o conhecido “Milhões”, nasceu em 9 de Julho de 1895 e faleceu em 3 de Junho de 1970. Ainda não tinha 22 anos na data em que embarcou para a Flandres, incorporando o Corpo Expedicionário Português (CEP), no final de Maio de 1917, como militar do Regimento de Infantaria 19.
Vindo de Valongo (a que mais tarde se juntou “de Milhais” em sua honra), no concelho de Murça, Aníbal Augusto fazia parte do grande grupo de incorporados que nunca saíra do seu torrão. Muito saberia da vida, mas não conseguia adivinhar que, com o passar dos tempos, o seu nome viraria lenda, o seu rosto de herói desafiaria a memória numa praça da sua sede de concelho e a sua vida seria resguardada numa biografia publicada no primeiro ano do centenário da Grande Guerra, aquela em que ele se expôs diariamente à fortuna e de onde conseguiu regressar, contrariamente ao que foi o fado de camaradas de armas e de amigos e vizinhos.
Francisco Galope, jornalista, encontrou-se com a narrativa do soldado “Milhões” em 2008, quando preparava uma reportagem com informação de carácter histórico para a revista “Visão – História”, para um número que assinalaria os 90 anos do fim da Grande Guerra e da assinatura do Tratado de Versalhes. Mas a descoberta pedia mais do que uma reportagem e, cinco anos depois dessa publicação, Francisco Galope apresenta a biografia de Aníbal Augusto Milhais, o “Milhões” da lenda, sob o título “O herói português da I Guerra Mundial”.
Curiosamente, a forma de Aníbal Augusto ter ascendido ao lugar de herói ficou a dever-se a um jornal, o “Diário de Lisboa”, quando corria o mês de Abril de 1924, que desencantou o combatente transmontano e o fez andar num périplo que teve vários pontos altos de reconhecimento e de vivência, como foi, por exemplo, o da presença na Batalha, quando no dia 9 desse mês ali se procedeu à inauguração do lampadário junto do túmulo do “soldado desconhecido” (criado em 1921), homenagem aos caídos na Grande Guerra, em data cara para Milhais: fora na sequência da sua acção, em 9 de Abril de 1918, ao defender-se e ao defender muitos dos seus camaradas perante o inimigo alemão, que ele se tornou numa imagem do heroísmo no campo de batalha. Posteriormente, o desabafo de um dos seus comandantes, João Maria Ferreira do Amaral, ao dizer-lhe, num jogo de palavras, que ele ”era Milhais, mas valia Milhões”, abria-lhe a porta para a memória, de tal maneira que, no pedestal de Murça, a frase do comandante surge lavrada em lápide.
Se, em 1921, Menezes Ferreira contou a história heróica dos soldados portugueses, construindo uma personagem que seria resultado das vivências de todos eles, na obra “João Ninguém – Soldado da Grande Guerra” (contendo tanto de épico como de humorístico como de crítico), se designações como “serrano”, “gambúzio” ou “folgadinho” assentavam na tipificação do soldado herói português que combateu na Grande Guerra, o conhecimento de “Milhões” deu um rosto, um corpo e um sentir a esse herói, várias vezes aclamado, em diversas oportunidades alcandorado a representante da valentia dos homens do CEP.
Francisco Galope marcou encontros vários com a memória de “Milhões”, fosse através da leitura do que disseram os jornais, da consulta ao arquivo da RTP (onde surge registo de entrevista com o herói de Valongo de Milhais) e nos arquivos militares, fosse por via de fontes orais de familiares do “Milhões”, fosse ainda pelo recurso à literatura memorialística portuguesa deste período (cujos títulos vão sendo referidos ao longo da obra). Todo este viajar pela pesquisa no sentido de ser reconstituída uma biografia permitiu ao autor a elaboração de uma tela completa do que pode ter sido a vida de Aníbal Milhais, sobretudo na experiência na trincheira da Flandres. Afinal, aquilo por que Milhais passou não terá sido diferente do que foi vivido pelos outros companheiros conforme registado pelo memorialismo. Assim, Francisco Galope preenche lacunas, dando a imagem possível do herói e do seu feito.
O desenvolvimento da narrativa vai sendo sujeito a reflexão do próprio narrador, que, frequentemente, se cola ao seu protagonista no sentido de o entender ou de justificar as suas atitudes, sempre com o objectivo de tornar a narrativa mais viva, quase como se uma memória se reproduzisse, não esquecendo pormenores como o da maneira de falar ou o da linguagem utilizada, sobretudo no que diz respeito a gíria militar, ou mesmo o que advém da possibilidade de adivinhar o que correria no pensamento do soldado e na sua maneira de ver o mundo.
Aníbal Milhais não sai endeusado, antes nos é apresentado um cidadão, que, perante uma experiência rara e intensa, em que havia a vida para defender, hesita, ganha, perde e luta, não visando ser herói, mas procurando a sobrevivência, agindo com a naturalidade que a vida lhe ensinou. Francisco Galope, apesar do título dado ao livro, é cauteloso no apuramento da verdade em torno do gesto que fez Milhais subir ao estatuto de “herói” (o que se terá passado em Huit Maisons em 9 de Abril e nos dias subsequentes), apresentando, no final, documentos de Ferreira do Amaral e de David Magno, um justificando o reconhecimento e a atribuição de galardão a Milhais e o outro assumindo que o feito do soldado transmontano não foi mais glorioso que o de muitos outros dos seus homens, ainda que reconhecendo Magno que a imagem do “Milhões” se transformou em “símbolo dos nossos humildes soldados”.
Uma biografia a ler. Porque dá uma imagem do que foi a vida dos portugueses nas trincheiras, porque recria com base em fontes importantes um aspecto da participação portuguesa na Flandres, porque, ainda que falando de um “herói”, o humaniza. E porque, tal como nas histórias que conhecemos, não ficamos a saber tudo sobre os heróis, apenas o essencial.» João Reis Ribeiro, blogue Nesta Hora
Francisco Galope é jornalista. Passou pelo Correio da Manhã e pela Agência Lusa, entre outros órgãos de comunicação. Actualmente é redactor principal da revista “Visão”, onde trabalha desde 1999.
Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... | Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial...
[também disponíveis os títulos: “Aníbal Milhais – Um Herói Chamado Milhões” texto José Jorge Letria ilustrações Nuno Saraiva, “A Saga de Um Combatente na I Guerra Mundial – de Chaves a Copenhaga” de Gil Manuel Morgado dos Santos e Gil Filipe Calvão Santos]
António Alberto Alves
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro
Rua Miguel Bombarda, 24 – 26 – 28 em Vila Real
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.