domingo, 11 de dezembro de 2016

A oliveira mais antiga* de Vilar Chão, Alfândega da Fé

Sobre a oliveira e o azeite já muito foi dito não apenas no presente mas ao longo da história. É árvore que resiste. Matriz da cultura mediterrânica, abraça o sul da Europa e o Norte de África.
Não são eles – azeite e oliveira – que separam. Ainda que intrinsecamente haja um fosso abismal, suavizado hoje pela máquina que oculta e resolve, parafraseando António Corrêa d’Oliveira e Guerra Junqueiro**, aquele incidindo no caminho que ia da azeitona até à luz que o azeite proporciona e este colocando em evidência padecimentos semelhantes para, a partir do grão de cereal, se chegar ao pão.
Houve muito autores que se debruçaram sobre fenómenos de transformação agarrando as coisas mais ínfimas. Também a tradição popular mexeu muito nisso. Por certo que, num caso e no outro, se trata de melhor compreender e assim viver.
Há hoje literatura técnica, muito interessante e alguma com grafismo notável, sobre estas temáticas.
O que se passa com a azeitona e com o grão para se chegar ao céu do azeite e do pão é lá com os lagares e fábricas em que, ao trazermos o produto para casa, deixamos a maquia.
De mais a mais ao vegetal terá sido amortecida a propensão para sentir dor, logo à nascença, haja razão. Ainda ontem e anteontem, aqui, à noite, se agradeceu a fogueira. Basta olhar e ver o que acontece ali.
Em todo o caso não me esqueço da lengalenga da meninice que só perdura em quem corta cebola espanhola à pressa: “ Eu no campo me criei/ Metida entre verdes laços/ O que mais chora por mim/ É o que me faz em pedaços”.

* Os mamões desta oliveira são de zambulho / zambujo. O que é bravio resiste mais?

** Há um certo contra-ponto em Afonso Lopes Viera (poema abaixo, retirado da Internet). Era uma época, já recuada, de trabalho braçal generalizado e com muito pouco recurso a maquinaria que desse o já então indispensável alento, assente em vantagem mecânica aplicada ao quotidiano rural. As aflições e as alegrias – que no essencial são as mesmas - revestem-se hoje de outras feições.

 

Em casa do cavador


Vinho é pranto, pão é a dor.
Só há um regalo à mesa
Depois do cansado dia
Tempera a ceia à pobreza
O azeite da almotolia -

Foi feita da mesma terra
Que eles cavaram
E oleiros pobres vidraram
O vaso que a mesa alegra.
Que, em casa do cavador
Vinho é pranto, pão é a dor.

A fotografias é de Gabriel Ferreira e de um seu tio (o dono da árvore) que vive na França e tem descendentes que habitam a uma noite de viagem dele, na ilha para onde foi desterrado Napoleão Bonaparte.

O texto é de Carlos Sambade

4 comentários:

  1. Oliveiras, Heróis,Paz, Progresso ou falta dele.

    Olhando raízes, irmãs centenárias de copas vetustas e, admirador da
    amiga e dupla rachada do "herói" Rachado,faz-me recordar as Olimpíadas
    da Antiga Grécia,onde em honra dos Deuses,habitantes do Olimpo
    Sagrado,os helenos desavindos se esforçavam em competição honrada por
    estabelecer tréguas e assim construir a paz.
    Fossem as guerras do Peloponeso,ou entre Esparta e Atenas, muito
    anteriores ao nascimento de Cristo o que Tucídedes nos conta é que
    milhares de homens abriam o seu coração à racionalidade e aos Jogos
    como forma de estabelecer pontos de diálogo e de concórdia entre eles.
    Ramos de loureiro ou de coroas de oliveira subiam aos pódios e depois
    aos altares para premiarem os heróis como símbolo de justiça, de festa,
    de alegria e de coragem.
    Também aquando da prisão de Cristo,a caminho do Calvário em tempo de
    Páscoa que se aproxima aparece e fala do Monte das Oliveiras..
    Através do mediterrâneo e na companhia dos romanos,por águas ou no
    dorso de cavalos,burros ou camelos dos desertos do Norte de Àfrica, a
    oliveira vem beijar , alimentar e alimentando-se dos torrões que são
    hoje terras de Portugal.
    Diz-se que a mais antiga oliveira viva se encontra lá na algarvia Tavira ou localidade sua vizinha.
    Dúvidas não há que as Olgas do Sabor ou as encostas dos Lombinhos até à
    altaneira Pendura há já centenas de anos que tiveram por companhia
    solidárias e valentes oliveiras.
    Basta olhar para a bela companheira do Rachado e admirar a sua forte personalidade e serena presença.
    Através das suas raízes,feitos nervos,imaginemos quantas
    alegrias,canseiras e também milhentas alegrias não terão as suas folhas
    sussurrado aos ouvidos de seus donos a riqueza produzida..
    Folhas perenes,que por mais que teimem em cair, mantêm-se presentes e renovadas através da lonjura dos dias.
    Imaginem,ainda, oe rolos alimentados com amor de bico matrernal nos ninhos simples e de difícil equilíbrio.
    E quantas vezes os seus ramos não terão servido de altar a muitas pombas de paz?
    Que dizer dos lagartos,ratos,cobras,lagartixas,coelhos que lhe pediam
    para dormir a sua soneca em toca sossegada? E a preocupação do homem
    seu amigo,por vezes explorador dono,a levantar com muito cuidado a
    relha para que suas veias não sangrassem!
    E quantas lamparinas de azeite não terá alimentado a centenária oliveira que também foi menina a precisar de muitos cuidados..
    Seja da Cevadeira ou nos Lombinhos a sua casa foi também terra nossa e dos outros que nos ajudou a sermos" homens-meninos".
    Esteja onde estiver a bendita oliveira,verdade se diga que já lavou
    muitas vezes sua cara debaixo de grandes invernadas e ventos
    desassossegados e frios.
    Também já "torceu muito suas orelhas" para com tão abrasivo Estio de canìculas mil.
    Os gregos na sua Mitologia davam muita importância à agua e ao fogo na tentativa de explicar as origens do Mundo.
    Por ora a companheira do Rachado,tal como milhares de outras suas
    primas ou irmas "borreiras";"verdiais","negrinhas","bicais" ou
    "maçanicas" a muitas águas tem resistido. E também ao fogo!
    Oxalá que a centenária árvore do Felgar se salve,ou alguém a ajude a
    salvar,do afogamento que se prevê que venha com o dilúvio do Baixo
    Sabor que se aproxima quando 2013 chegar.
    Se o belo exemplar não se safar, por não saber nadar,ou se a cota
    324(ou será 234?) a vier chatear,então que o seu dono ou outro por si a
    possa amparar até zona nobre da entrada do Felgar e aí possa continuar
    a viver e a beber da água do Vale para que olhos nossos e de
    forasteiros a possam cumprimentar..
    E se eu fosse como Guerra Junqueiro(1850-1925), se a memória falhar
    façam o G.Abílio Junqueiro 2 anos mais novo-,ao terminar seus " Os
    simples" seria minha obrigação agradecer à pimpona oliveira e com
    cuidado lhe pediria licença para apagar a candeia de azeite que com a
    sua luz nos iluminou o rego para lavrar,porventura,escorreito rego da
    escrita.
    Boa Noite e poupem na luz...E ue o Bom Azeite não falte no prato.

    Artur Salgado

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  2. Texto bem escrito que nos ajuda a entender melhor a natureza e a nossa terra.A Universidade de Vila Real podia e devia ajudar nestes estudos,foi para o Alentejo e Algarve a datar as árvores e Trás-os-Montes nada.
    Sobreiro

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  3. Excelente o texto de Carlos Sambade.
    Comoveu-me profundamente o texto de Artur Salgado.
    Obrigada a ambos e obrigada ao Lelo por tê-los postado nos Farrapos, cuja leitura já ultrapassa em muito o milhão de leitores.

    Abraço
    Júlia

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  4. Na verdade, Belíssimos textos, pelo que agradeço o terem-nos partilhado.
    Fraterno abraço
    J. Carlos

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