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uma voz incómoda entre montes |
O
Horácio Espalha foi importante no despertar de muita gente da minha geração para a revolta. Porque o
Horácio Espalha nunca foi um revolucionário, antes um revoltado, nem sequer esteve ligado a uma estrutura orgânica da oposição, em relevo, o
PCP. Fez da indisciplina a sua disciplina. Juntava no seu ideário as vozes entre si tão dissonantes, com pouca profundidade, de Marx, Bakunine e Kropotkine ( o príncipe), numa mistura explosiva como se fosse possível conciliar o azeite com o vinagre. E sabia de cor poemas de Junqueiro, o seu poeta ( sobretudo da Morte de Dom João). E refulgia na sua memória a poesia e Os Miseráveis de Vítor Hugo. Horácio Espalha era, sobretudo, um libertário, mais próximo do anarquismo do que do marxismo. Defendia a acção directa, condenada, como se sabe, pelo PCP, condenação exposta no Rumo à Vitória de Cunhal ( informe apresentado no VI Congresso) que preferia e defendia a insurreição de massas.
Fui amigo do Horácio Espalha. Conheci a sua casa e alguns dos seus escritos de violenta adjectivação e de muita retórica romântica, escritos guardados em sacas de bacalhau. Conheci o seu filho, também Horácio, que emigrou para França, e a sua filha que fora criada no então Asilo Francisco Meireles. Ambos eram parecidos com o pai, ainda que com um olho azul mais mortiço.
Depois do 25 de Abril, já eu saído de Moncorvo, foi ao encontro da esquerda mais radical, imediatista e voluntarista, vulgo, em prosápia revolucionária, o MRPP.
Escreveu-me, já doente, uma carta muito amarga e muito sofrida, que guardo algures, mas não consegui ainda encontrar.
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Álvaro Inês,o taxista que
conheceu as prisões da PIDE |
Já outra personagem de Moncorvo, com quem muito convivi, tem sido esquecida: o
Álvaro Inês, proprietário de um carro de praça, com ligações ao Peredo dos Castelhanos e Viana do Castelo, fumador inveterado de boquilha, rosto crivado de bexigas, que fora residente nas masmorras da PIDE no Porto e que convivia diariamente com uma excelente pessoa como o
Cabeças e outro colega de ofício de que não vale a pena dizer o nome, informador da PIDE.
Há muitos anos que ele e o Horácio Espalha não se falavam. Nunca descobri porquê.
Para que conste: um grupo de moncorvenses em Moçambique colectava-se para enviar algum dinheiro ao Horácio Espalha.
Fui muito amigo do Horácio Espalha, ainda que o meu poema, porventura instigado por jovens do MRPP cujo acne revolucionário adolescente me incomodava um pouco, não lhe tenha agradado.
O poema é o que é. Mas, para mim, continua a ser uma homenagem ao homem que eu conheci e que, pelo menos, me ensinou o caminho da indignação.
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Árvores frágeis para uma forca |
E já que estamos a falar de indignação não quero deixar de recordar o dr.
Falcão, bom homem mas fascista que no 11 de Setembro de 1973, sabendo do assasssinato de Salvador Allende, clamou apoplético: “Todos os comunistas deviam ser enforcados nas árvores da Praça”. Para o dr.
Falcão todos os oposicionistas eram comunistas. Nessa noite ainda eu fui até à Praça. Vi os ramos das árvores. Não aguentavam o meu peso. Vá lá. Fui mais descansado para casa.
Rogério Rodrigues.
Publicado a 16/02/11
Reedição de posts desde o início do blogue.
Não é impune que se tem o nome de Falcão...
ResponderEliminarMas a ligação de Horácio Espalha ao MRPP trás para a praça a vida politica de Moncorvo no periodo chamado PREC (entre o 25 abril de 74 a 25 novembro de 75).Há estórias delirantes dessa altura. Passado tanto tempo ,creio que vale apena contar o que se passou,como foi,autores,...
Eu não estive em Moncorvo nesse tempo, aliás não estive em Moncorvo de '61 a '81. Mas também penso que esses acontecimentos devem ser relatados por quem os viveu , os observou ou deles tenha conhecimento, ainda que indirecto, mas vindo de fonte idónea.
ResponderEliminarBom tema para as noites do BOM AMIGO.Conto,não conto.Conta lá aquela do Migas a ocupar um solar...essa conta o ...
ResponderEliminarTexto a Texto ,Rogério Rodrigues vai desvendando, com rigor e qualidade,o passado recente.O nosso!
ResponderEliminarEspero o dia,depois da incursão pelo Basílio,ler a sua "leitura" do Moreira.
M.C.
O Horácio Espalha, está de costas para a praça e a olhar para o fundo da rua que vai dar ao parque de estacionamento.O Álvaro Inês,está de costas para a praça e a olhar para o fundo da rua dos Sapateiros.Ambos de costas para a PRAÇA, mas cada um para seu lado.
ResponderEliminar"Há muitos anos que ele e o Horácio Espalha não se falavam."
Naquelas árvores nem um pardal sem rabo se aguentava.
ResponderEliminarEm 74 ,o dotore Falcão deve ter pensado que pela boca morre o peixe.Quem era este senhor ,o que fazia,era de Moncorvo?Foi democrata depois de Abril?
" . . . e que convivia diariamente com uma excelente pessoa como o Cabeças . . . "
ResponderEliminarUm ano após a morte do meu pai é com emoção que leio estas palavras escritas pelo Rogério.
Obrigado, Rogério !
F.Garcia
SUB , Macedo de Cavaleiros - 17.02.2011
Doutor Fernando Garcia,não é só Rogério Rodrigues que o diz, mas sim todos aqueles que o conhecerem.Nem todos podemos sentir o orgulho que tem por ter um pai que todos respeitavam.
ResponderEliminarA última foto já tem o banco nacional ultrmarino .No primeiro banco estão sentados 4 homens ,todos de chapéu e ninguém a passear.Em destaque o anúncio da Mobil.Quando foi tirada?
ResponderEliminarTalvez fosse depois do 25 de abril de 74, pois não há dótores no volteio.
"Doutor Fernando Garcia,não é só Rogério Rodrigues que o diz, mas sim todos aqueles que o conhecerem.Nem todos podemos sentir o orgulho que tem por ter um pai que todos respeitavam."
ResponderEliminarRetire o Doutor . . .
Sou Fernando Garcia desde o dia de Santa Marta de 1952.
Quanto ao meu pai faz hoje um ano que faleceu e acabei de enviar para os interessados uma curiosidade para publicação neste encontro de pessoas, ideias, recordações e emoções.
Não sei quem escreveu, certamente quem conheceu bem o meu pai.Por isso,de novo,obrigado e um abraço.
F. Garcia
17.02.2011
Nos meus tempos de raparigo, quando o meu pai ainda não tinha carro próprio e precisava de se deslocar para fora da vila em negócio, mandava-me à praça chamar o Cabeças. Não estando ele ,que fosse o Álvaro Bexigas.Muitas vezes,quem se encontrava para fazer serviço,eram o Mário Mesquita e o Santos .Não percebia a razão por que o meu pai preferia os dois primeiros.
ResponderEliminarAgora já entendo porquê.
De quem conhece um pedaço da geografia, pouco das paisagens humanas antigas, já perecidas, gosto sobremaneira da qualidade do "retratista" e do historiador, que é o meu amigo Rogério Rodrigues.
ResponderEliminarAlém disto, que já não é pouco, parece-me que este blog se transformou num caso muito sério de "revista" de história, de histórias, com muita gente dentro. Que é coisa que aprecio, particularmente.
Parabéns, pois, aos responsáveis (na pessoa do Lelo...)e aos colaboradores, gente de mor qualidade, competência e arte de bem contar e narrar.
JA
nao calculais o meu sentmento ao acabar de ler a maneira como relatais a biografia deste camarada que DEUS guarda hà tantos anos.Era criança mas lembro-me muito bem da pessoa que ele foi.sou alguns anos mais novo do que tu (Rogério Rodrigues),tenho a idade que teria teu irmao Victor,mas tambem convivi certas paripécias com esse grande Revoltado,que descansa em paz.
ResponderEliminarPerdi-me por aqui,quando procurava algo sobre Horácio Espalha, não sou da Torre de Moncorvo e não conheço ninguem da terra que eu saiba,o que me suscitou esta curiosidade tem a ver com uns episódios que me foram relatados por um antigo camarada do Espalha e é assim:Espalha era um militante do pcp aqui por lisboa,mas a sua visão politica e organizativa colidiam com o instituido,então a solução encontrada pelo comité central do pcp foi enviá-lo para controlar a organização na Torre de Moncorvo,chegado aqui este revolucionário,envia ao comité central do pcp a sua ideia de sabotar as linhas fereas com o objectivo de evitar que as chamadas sobras de Portugal fossem alimentar as tropas fascistas de franco,e ainda aproveitar para alimentar as populações locais com essas mesmas "sobras" foi completamente desautorizado pelo comité central do pcp. E estas são as minhas memórias de um Homem que não conheci,e que me habituei a respeitar.
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