O autor desta obra “conseguiu
reunir uma imensa quantidade de material etnográfico e identificar o seu
significado antropológico. Tem também o grande mérito de analisar a atitude dos
alunos dos vários graus de ensino para com a cultura popular. O seu interesse
como base de uma estratégia para a preservação da cultura popular é enorme”.
«António
Pinelo Tiza, nesta brilhante tese de doutoramento – escrita numa linguagem
perfeitamente acessível ao não-especialista – transmite-nos conhecimentos,
reflexões e factos de grande interesse identitário para as regiões de Bragança
e Zamora, território que partilha raízes milenares ainda hoje vivas nas
tradições das mascaradas e das danças dos pauliteiros, ou paloteo, que, como
festividades cíclicas, têm lugar no período do solstício de Inverno ao
equinócio da Primavera.
Por outro
lado, o intenso trabalho de campo do autor revela que os jovens destas duas
regiões da Raia mantêm uma forte ligação afectiva a este rico património
intangível.»
Paulo Alexandre Loução
Prefácio
Pinelo Tiza,
Um investigador sobre a
raia
No ano de
1911, Miguel de Unamuno, esse “filósofo da existência” que pensava e sentia e
escrevia a partir de Salamanca, a partir das nossas terras, publicou um livro
que fez questão de intitular Por tierras
de Portugal y España. Naquela altura, há quase exactamente cem anos, o
título parecia estranho a toda a gente porque essas terras não se afiguravam
comparáveis. Mais ainda: não pareciam compreensíveis como um todo. Basta pensar
que, por exemplo, a zona que separava (ou que ligava?) essas terras se chamava
e ainda se chama “a raia”. Os espanhóis e os portugueses entendiam e talvez
ainda entendam hoje o termo “raia” com uma conotação negativa. Era a fronteira
por onde passavam contrabandistas escondidos nas sombras da noite e era o
limite que se transpunha “para fazer compras” de um dia. Mas, as gentes dessa
chamada fronteira não o sentiam desta forma, como nos daremos conta pela
leitura do livro, caro leitor, que agora tem em suas mãos. Para elas, a raia
não era uma fronteira.
E, o que é
uma “raia”? A Real Academia da Língua Espanhola tem quatro acepções
fundamentais para o termo “raia”. Por um lado, ponerraya quer dizer que se põe termo ou final a alguma coisa e
quer dizer também limite ou fronteira de separação. Mas, por outro lado, quer
dizer, e esta é a primeira acepção do Dicionário da nossa R. A. E.:,sinal longo e estrito que, por prega ou
fenda pouco profunda, se produz natural ou artificialmente num corpo.
Vejamos: não é um limite mas um “sinal”; é “longa”, mas também é “estreita” e é
“pouco “profunda”, somente uma “prega”; e faz-se, declaradamente, no que
constitui “um corpo”. Nas longínquas terras de um lado e do outro da raia, para
a grande maioria dos espanhóis e dos portugueses essa raia é um limite, uma
separação e uma fronteira. Mas, para os que vivem nas terras próximas da raia é
apenas uma prega, estreita e pouco profunda, que se faz sobre um corpo, que se
traça sobre o mesmo corpo.
Por isso,
António Pinelo Tiza, que vive literalmente em cima da raia, e eu próprio, que
vivo nas terras à volta dessa raia, colaboramos juntos, há já alguns anos
(1995) num mesmo livro intitulado: Portugal
y España, vidas paralelas. Quando esse livro foi publicado, António e eu
tínhamos acabado de nos conhecer no Departamento de Didáctica de las
CienciasSociales da Universidade de Valladolid. Ele tinha-se deslocado de Bragança
para dar início à elaboração da tese de doutoramento porque se sentia
participante das vivências de uma mesma terra. Por isso, este prefácio podia
ter o mesmo título daquele livro, ou outro parecido: Vidas paralelas, las de España y Portugal, sobre la raya. Mas, o
que é importante neste prefácio é falar da pessoa que é o autor das páginas que
se seguem.
António
Pinelo Tiza levou a cabo um grande trabalho, directa ou indirectamente, sabendo
disso ou não, por acção imediata ou pela repercussão das suas acções. Foram
acções realizadas nesta tarefa, que a todos nos compete, de eliminar erróneas
ideias que todos nós, espanhóis e portugueses, temos sobre a vinculação de
homens e terras portuguesas e espanholas. Essa vinculação é contínua, é enorme,
é profunda, é longa. Quero eu dizer que tem séculos de vigência (é longa),
quero eu dizer que não é superficial nem ligeira (é profunda), quero eu dizer
que é muito grande, muito extensa, muito ampla (é enorme) e, finalmente, quero
eu dizer que não parou nunca: é contínua.
Dessa continuidade,
portanto, foi ponta de lança Pinelo Tiza. Na verdade, atrás dele e da sua
primeira “viagem iniciática” a Valladolid em 1992, seguiu um conjunto de
professores e amigos portugueses, oriundos sempre do mundo da educação, vindos
de Bragança, de Macedo de Cavaleiros, de Mirandela, de Viseu ou, inclusive, de
Vila Real, para trabalharem em conjunto com muitos professores de Valladolid
que começaram a dirigir-se, por seu lado, para trabalharem, sem carácter de
continuidade, em terras portuguesas. Assim se iniciou uma frutífera relação
(longa e contínua) que já dura muitos anos e que foi proporcionando, nesse
tempo, e está produzindo ainda hoje, frutos dignos do maior apreço. Desta
relação iniciada por Pinelo Tiza nasceram livros, teses doutorais, cursos, mestrados…
ano após ano.
Fui eu a
âncora espanhola de Pinelo Tiza naquela altura e sou testemunha permanente até
aos dias de hoje dos frutos dessa relação. E os dias de hoje são os de Novembro
do ano de 2012, ano em que se defenderam duas das últimas teses de doutoramento
criadas no calor desta relação. Sou, pois, testemunha da existência de uma
fluida corrente de continuidade educativa, cultural, científica e universitária
que quotidianamente circula de Espanha para Portugal e de Portugal para
Espanha, por cima dessa prega, desse sinal estreito e pouco profundo, a que
chamamos raia.
Foi por ser
a testemunha mais fidedigna de tudo isto que o autor me solicitou que
escrevesseestas linhas para que servissem de prefácio ao seu livro que,
basicamente, corresponde à sua tese de doutoramento: O conhecimento mútuo das tradições etnográficas na educação espanhola e
portuguesa. Mascaradas e pauliteiros em terras de Zamora e Bragança.
Mas não sou
eu quem vai falar sobre o que este livro significa (tarefa que quero deixar a
cargo da pena da Dra. SánchezAgustí, já que foi ela quem dirigiu a sua
elaboração como tese doutoral), mas, como tenho vindo a fazer, do que
representa Pinelo Tiza para o crescimento dessa relação mútua entre espanhóis e
portugueses.
Desde 1975,
Pinelo Tiza, oriundo do mundo científico da Filosofia, exerceu a docência como
professor do ensino básico, secundário e superior, tendo exercido também
responsabilidades educativas no distrito de Bragança. É de destacar que igualmente
assumiu responsabilidades no sector do turismo. Quero destacar este facto
porque, mesmo que procedente do campo filosófico, a acção científica de Pinelo
centrou-se no mundo das Ciências Sociais e, muito em especial, no campo
etnográfico no qual poderíamos dizer, com certeza, se tornou uma autoridade,
reconhecida e prestigiada, tanto em Espanha como em Portugal.
E, assim,
participou em numerosos congressos sobre Etnografia de Espanha e Portugal, do
Brasil e da África. Participou em projectos de recuperação do património
imaterial na Galiza e Norte de Portugal (Projecto RONSEL) ou na organização do
Museu Ibérico da Máscara e do Traje de Bragança. Foi director da revista
“Amigos de Bragança”. É avaliador externo da prestigiada revista “StvdiaZamorensia”.
É vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes e Presidente da
Direcção da Academia Ibérica da Máscara, uma associação de âmbito internacional
dedicada ao estudo, divulgação e preservação dos rituais festivos das
mascaradas.
Os seus
estudos, expressos em livros e conferências, exactamente sobre as mascaradas e,
como corolário, sobre as festas tradicionais, as danças,
os mitos, as tradições, os mistérios, a música popular, os ciclos festivos, os
diabos, a morte, o artesanato, a religiosidade… são conhecidos e reconhecidos
no mundo científico. E a sua versão para a importância educativa que isso tem
na formação da consciência regional, para a procura da identidade colectiva nas
crianças e jovens das nossas terras, torna mais valioso este trabalho enorme de
recuperação e difusão de tradições. Uma recuperação que em Pinelo não é apenas
interesse do científico social, não é curiosidade de entomólogo histórico,
porque Tiza é também participante directo, com sua gaita-de-foles portuguesa,
na vivência e na permanência da etnografia da comunidade hispano-portuguesa.
Porque, não
esqueçamos, em tudo isso, a visão de “comunidade” de “tradição colectiva” que
afecta um lado e o outro da “raia”, terras portuguesas e espanholas, que o
labor de Pinelo disponibiliza, projecta-o a uma altura que ultrapassa o
trabalho de recolha ou preservação científica para transmiti-la ao campo da
história e, a partir daí, ao campo do social. É uma tarefa que nós, portugueses
e espanhóis, nunca lhe vamos agradecer convenientemente nesta época em que os
nossos jovens de ambos os lados se afastam a cada dia que passa, transportados
pelas atraentes asas do virtual e da informática, daquilo que as suas terras
representam.
Este livro
oferece-nos a imagem desta realidade, ainda viva, e luta para que nunca deixe
de o ser, para que continue a ter significados, para que não se converta num
fóssil do qual vagamente se fale em qualquer livro de história. Isidoro González Gallego
Reitor da Universidade Internacional
Introdução
Os Valores do Conhecimento mútuo das Tradições Etnográficas na Educação
Espanhola e Portuguesa
Realidade de hoje e realidade do
futuro
Foi uma
satisfação para mim dirigir o trabalho de doutoramento de António Pinelo Tiza.
Mas, foi não só uma satisfação, como o é sempre o facto de ajudar a trazer ao
mundo da investigação um novo ser científico, mas também o foi porque, mais do
que a orientadora de um trabalho, me sinto a colaboradora de Pinelo Tiza no seu
labor criativo.
Colaboradora,
porque a sua tese não é a obra de um investigador novo, nem tão pouco é uma obra
que nasce “ex novo”. Pinelo Tiza não é um novo investigador, mas um etnógrafo
de reconhecido prestígio. E a sua obra não é uma criação sem antecedentes, mas
o culminar, para o seu reconhecimento universitário, de uma longa e ampla
tarefa de estudo. Foram, os de Pinelo Tiza, estudos sobre a sociedade
tradicional, os costumes, os ritos, a cultura popular, as máscaras e o folclore
que permanecem vigentes num lado e no outro dos limites que a história traçou,
sobre um território, para definir dois diferentes estados políticos. Mas estes
limites, e esta definição política diferenciadora, não são já tão diferentes
quando se trata de estudar a sociedade que vive nestas terras.
O valor mais
notório que agora se apresenta em livro fundamenta-se, em minha opinião, na
análise dos costumes que sobrevivem, tão similares, de um e outro lado da
fronteira numa perspectiva comparativa e, no âmbito dessa comparação, estudando,
justamente, se os jovens espanhóis e portugueses que vivem num lado e no outro
da fronteira estão conscientes desta comum identidade.
Sê-lo-ão? E
se o forem? Como o serão? Mas, se não o forem? Porque já não vivem as
tradições, em geral? Porque não estão conscientes de que são as mesmas? Porque,
ainda que o sejam, as diferenças da história, da política e da cultura entre
espanhóis e portugueses encobrem e obscurecem a visão de uma tradicional
realidade comum? Definitivamente, as fronteiras políticas introduzem também
fronteiras mentais entre os nossos jovens? São as perguntas que colocamos neste
livro, um livro que mostra o labor de um autor que vê com um olho a sua tarefa
científica, a do etnógrafo, e com o outro um campo também adequado ao seu múnus
profissional: o de educador.
O trabalho
abrange a situação geográfica e cultural dos dois espaços, um de Portugal
(Bragança) e o outro de Espanha (Zamora) e concentra-se em duas tradições de
ambos os espaços: as mascaradas e os pauliteiros. As mascaradas analisam-se
fundamentalmente a partir do “quando?”. E os pauliteiros abordam-se basicamente
a partir do “como?”. Mas ambos os espaços e ambas as tradições são enquadrados
pelo autor no âmbito de um marco e de um contexto: o da história local. É este
enquadramento que lhe vai permitir entrar no cerne do seu estudo: a análise
comparativa. E a análise comparativa na educação, nas escolas zamoranas e
brigantinas, nas vivências dos jovens nos quais reside o protagonismo futuro
das tradições, a garantia da sua preservação… ou do seu desaparecimento. Por
isso é tão importante este trabalho.
A análise
comparativa faz-se estudando o grau de conhecimento da cultura, da tradição e
da história espanhola e portuguesa, pelos jovens portugueses e espanhóis. O seu
grau de valorização. E a sua realidade aplicativa, quer dizer, a sua
participação nestas tradições e a existência ou não (na escola ou fora dela) de
grupos activos que mantêm as mascaradas e os pauliteiros. O estudo comparativo
aprofunda ainda mais, tendo em conta os contactos reais existentes entre os
jovens de umas e outras terras, o seu conhecimento da história local, dos
monumentos significativos das várias localidades. Tudo isso, porque estamos
perante um estudo muito rigoroso, considerando diferentes variáveis escolares,
sociais ou etárias.E detém-se, por fim, no conhecimento e compreensão mútuos
das línguas espanhola ou portuguesa no outro território.
Os
resultados são deveras interessantes. As suas conclusões
estão repletas de atractivo para nós, espanhóis e portugueses enamorados por
Portugal ou por Espanha, conscientes da quantidade de coisas que nos unem e,
inclusive, nos identificam. Quais são esses resultados e essas conclusões? Qual
é a realidade de hoje? E, em função do que este livro nos dá a conhecer sobre
os nossos jovens, como poderá ser a realidade do futuro?
MaríaSánchezAgustí
Professora Catedrática da Universidade de Valladolid
Isabel I de
Castela, Valladolid
António Pinelo Tiza : Obrigado, Lelo. Palavras simpáticas, agradáveis de ler/ouvir para quem quer que se tenha dedicado a um trabalho de investigação que veio a lume e está disponível para quem se interessa pela temática desenvolvida. Bem-haja.
ResponderEliminarObra notável que devia ser de leitura obrigatória no ensino em Trás-os- Montes.Rega as nossas raízes,encontramos a nossa identidade,orgulhamo-nos de ser trasmontanos.Abençoada terra que tal filhos tem.
ResponderEliminarAlberto Gomes