“Morria muita gente. Mas a Independência estava bem dada, porque aquilo não era nosso, era deles . Só que uma coisa esteve mal feita, pelo Senhor Mário Soares: os portugueses andaram lá 500 anos a trabalhar e vieram com as mãos limpas!500 anos de trabalho e viemos todos com as mãos limpas”
A terra onde nasceu é Foz Côa, há quase 90 anos, mas resolveu a vida em Ligares onde vive há mais de 30. De lá, viu sobretudo trabalho árduo, esse, que o ajudava a sobreviver a si a à sua mulher com quem casou aos 23 anos. “Fazia de tudo, cavava, lavrava e fazia tudo e mais alguma coisa e sempre com a barriga vazia”.
Felizmente, as coisas foram-se compondo, diz, e ia arranjando mais
algum dinheiro com o pequeno contrabando. Num tempo em que os recursos
eram tão poucos, o risco acabava por compensar. “Uma vez, eu e outro
rapaz estivemos lá oito dias (na Espanha) pra trazermos um fardito de
pana e mais alguma coisa; não conseguimos entrar à Freixeneda e então
estivemos lá oito dias a comer ao pé de um pastor”.
Em plena Guerra Colonial, Samuel Ferreira vai para Angola, onde diz, ter matado para não morrer. Como quem fica sem fôlego, depois de se ouvir dizer estas palavras, diz, “esta era a verdade”. Por lá viu o pior. A morte viu-a várias vezes a poucos passos de si, mas a sorte ou o destino fizeram com que nunca tivesse um “arranhão de uma silva”.
Teve que lhe fugir, várias vezes. À Morte. O medo, se o tinha, só podia disfarçá-lo. Estava sem trabalho e com 3 filhos nos braços. Acabou por se inscrever nos “voluntários”, uma espécie de tropa de combate que existia na altura. A Guerra era a mesma, os “voluntários” eram só mais uns quantos homens de arma carregada em punho, pronta para disparar. Esteve lá seis anos. Nunca “tombou”. O ato de valentia valeu-lhe uma condecoração, “a cruz de Guerra”.
Quando regressou a Ligares, faltava um dia para o desfecho: a Independência. Viu-a de longe. Tinha que trabalhar pois tinha vindo sem nada. Deixou tudo no país, onde e por quem combateu. Não lhe deixaram trazer nada. Sua, só a roupa do corpo, e o dinheiro que lá ganhara, em Portugal não lho cambiaram. “Cheguei aqui, aconteceu.me como aconteceu a todos, um vizinho “toma lá um prato pra comeres a sopa”; ia a outro “pega a panela para a fazeres”; outro “pega o garfo, a faca” ; outro “pega um cobertor pra te tapares” e andámos assim aos pontapés ainda uns anos bons.
A vida equilibrou quando foi encarregado de obras no saneamento das aldeias, mas o dinheiro continuava a ser pouco e assim se manteve. A sua reforma são 280 euros. Vai vivendo como pode. A mulher, está no Lar em Poiares. Vê-a todos os dias, mas só o reconhece por instantes. Esta guerra já a perdeu há muitos anos. Vai esperando, no entanto, conseguir ir para perto dela, quando surgir vaga ,para que, pelo menos, não lute sozinha. Aqui as munições já não pesam pois a única arma são só os afetos.
(Abril de 2015)
Joana Vargas
Em plena Guerra Colonial, Samuel Ferreira vai para Angola, onde diz, ter matado para não morrer. Como quem fica sem fôlego, depois de se ouvir dizer estas palavras, diz, “esta era a verdade”. Por lá viu o pior. A morte viu-a várias vezes a poucos passos de si, mas a sorte ou o destino fizeram com que nunca tivesse um “arranhão de uma silva”.
Teve que lhe fugir, várias vezes. À Morte. O medo, se o tinha, só podia disfarçá-lo. Estava sem trabalho e com 3 filhos nos braços. Acabou por se inscrever nos “voluntários”, uma espécie de tropa de combate que existia na altura. A Guerra era a mesma, os “voluntários” eram só mais uns quantos homens de arma carregada em punho, pronta para disparar. Esteve lá seis anos. Nunca “tombou”. O ato de valentia valeu-lhe uma condecoração, “a cruz de Guerra”.
Quando regressou a Ligares, faltava um dia para o desfecho: a Independência. Viu-a de longe. Tinha que trabalhar pois tinha vindo sem nada. Deixou tudo no país, onde e por quem combateu. Não lhe deixaram trazer nada. Sua, só a roupa do corpo, e o dinheiro que lá ganhara, em Portugal não lho cambiaram. “Cheguei aqui, aconteceu.me como aconteceu a todos, um vizinho “toma lá um prato pra comeres a sopa”; ia a outro “pega a panela para a fazeres”; outro “pega o garfo, a faca” ; outro “pega um cobertor pra te tapares” e andámos assim aos pontapés ainda uns anos bons.
A vida equilibrou quando foi encarregado de obras no saneamento das aldeias, mas o dinheiro continuava a ser pouco e assim se manteve. A sua reforma são 280 euros. Vai vivendo como pode. A mulher, está no Lar em Poiares. Vê-a todos os dias, mas só o reconhece por instantes. Esta guerra já a perdeu há muitos anos. Vai esperando, no entanto, conseguir ir para perto dela, quando surgir vaga ,para que, pelo menos, não lute sozinha. Aqui as munições já não pesam pois a única arma são só os afetos.
(Abril de 2015)
Joana Vargas
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