Na vinda do Peredo o automóvel fez sucessivas paragens em Urros (400 e tal fogos) e Maçores (centena e meia).
Um homem dali, feitor de um grande proprietário, orgulhou-se ingenuamente da riqueza do patrão:
«É deste cabeço àquela encosta. Tudo, tudo nosso!»
E seria, pois ninguém refilou. E seria, pois o patrão do homem colheu este ano 600 arrobas de amêndoa em duas aldeias, e 300 almudes de azeite, e 80 pipas de vinho (quase todo do porto, o que deu 700 contos de «benefício»). Um latifúndio ancorado em região de minfúndio corrente, onde «não há ninguém, mais de metade dos homens foram-se embora» (voz do feitor).
Em Urros, terra com produções idênticas – amêndoa, azeite, vinho –, ainda se tece em teares manuais, como aliás no Felgar, aldeia natal do meu camarada de redacção Afonso Praça. Estava uma velhinha a fiar lã de ovelha e estava uma outra a tecer uma «cortcha» (colcha) de borboto. «O borboto, quando é trabalhado grande, dá uns dois contos por peça» – contou-me a tecedeira – «o ano passado estava a um conto e quinhentos.»
Gosta mais de «felpas» que enchem a vista, e a pedido é capaz de fazer mantas de «ourelos» (farrapos).
Tudo isto encarece de ano para ano, à medida que a arte vai morrendo. Só em Urros soubemos de uma tecedeira nova, o que é a excepção à regra. Comentário a propósito:
«Elas agora só querem estudar!»
E este, partido do mesmo grupo de mulheres:
«Só querem andar no ar!»
Urros também foi vítima da emigração, uma emigração que manda aldeões para a França e para a Alemanha como outrora os mandava para Lisboa.
«O senhor admira-se de haver muita gente de Urros em Lisboa?» – admirou-se uma vizinha da velha tecedeira. – «Pois em Lisboa, fique sabendo, há mais gente de Urros do que em Urros.»
Não resisto a fechar esta caminhada com uma história local. Se for cedência, é sem exemplo.
Em Urros existia um santo que às tantas desapareceu. «Está a ser restaurado» – disse pessoa culta. «Roubaram-no» – argumentou parte dos habitantes. E o santo de Urros iria provocar correrias discussões azedas, desconfianças, idas à vila, alguma punhada à mistura. Não houve outro jeito senão trazê-lo depressa.
Quando o santo voltou, uns reconheceram-no, outros levantaram a hipótese de ter sido perpetrada uma sinistra operação de troca. Digamos que em 1974 o santo de Urros já não desperta estes arrepios. Mesmo assim um aldeão mantinha-se ainda há pouco tempo na sua:
«O outro santo olhava para a gente, que eu bem no via, este não: é mais senudo!» (arsudo).
In TORRE DE MONCORVO
Março de 1974 a 2009
De Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério Rodrigues
Edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo
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"Pois em Lisboa, fique sabendo, há mais gente de Urros do que em Urros.»
ResponderEliminarJá era assim em 74.
Estes roubos e trocas de santos nas igrejas já vêm de longe.Lembram-se do que aconteceu ao tríptico da nossa Igreja?
ResponderEliminarPelo desprezo e abandono a que é actualmente votada(repare-se no estado do adro,das paredes,das colunas...),não me admiraria que o saque invadisse o seu interior. E não se faz NADA!
Uma moncorvense indignada
Era eu muito pequena e o povo ( maioritáriamente feminino), saiu ás ruas da aldeia, entoando um canto de revolta.
ResponderEliminar- "Queremos, queremos, queremos o nosso Santo.....". Zangas entre famílias, com ameaças ao padre de então, o "nosso" santo lá voltou, ao seu andor.
Ainda hoje há quem diga que o Santo não é o mesmo.
Vá-se lá saber....
Misé
Misé Fernandes :Urros no seu tempo....
ResponderEliminarLuís Afonso Guardado disse: As mantas de Urros, os cântaros do Felgar e as amêndoas cobertas de Moncorvo eram uma marca do nosso concelho.Ajnda há amêndoas,felizmente.
ResponderEliminarSe alguêm tiver uma imagen antiga do Santo Apolinario, gostaría de la ter... Mas, com certeza, a imagem que agora temos, nao é muito antiga
ResponderEliminarEu tenho várias, penso que a mais antiga é dos anos 40.
EliminarMisé Fernandes
Perdoem a correcção, mas onde se lê as mantas de URROS, deve ler-se, e com toda a legitimidade, as colchas e os tapetes de URROS!
ResponderEliminarObrigada meus amigos, mas o seu a seu dono.
ARINDA