“Na jeira comíamos pão, às vezes sabe o que levávamos? O engalho,
chamávamos-lhe nós, que era o que havíamos de comer com o pão e
azeitonas, as carnes eram poucas, uma sardinha, uma conservinha de
sardinhas e era assim filhinho de Nosso Senhor, é assim que lhe digo..”
Não sabe que idade tem. A doença trocou-lhe as memórias mas a lucidez
dos tempos de menina continuam intacta. “Andei na 4ª classe aqui em
Freixo, ali era a escola na Praça, ao pé da Igreja; era ali que
aprendíamos até à quarta classe, pra
estudar nada vá, que eu era pobrezinha e depois toca de sair da escola e
ir a trabalhar”. Aos dez anos, o trabalho já não lhe metia medo. Na
agricultura os trabalhos eram duros, mas aprendeu a fazer tudo.
“Trabalhava para os ricos. Tinham muita segada e nós até íamos à espiga,
apanhar o que deixavam perdido, malhávamos a eira, juntávamos em casa
dois feixes da espiga de pão e era assim”. Não acredita nas vozes que
têm sempre a crise nos discursos. Antigamente é que existia miséria,
agora ao menos há o que comer, diz. Comeu muitas vez metade de uma
sardinha para enganar a fome, e portanto sabe do que fala. A escolha
entre a cabeça e o rabo do peixe era à vez, entre os irmãos, mas havia
pior, conta. A roupa e os sapatos iam sendo remendados até que já não
houvesse solução. Depois havia quem fosse trabalhar descalço. Mesmo no
frio de Inverno. Nunca foi o seu caso, nem o dos irmãos, ainda assim, a
vida em Freixo não lhes foi fácil, e lembra “é como dizia a cantiga,
Gosto de Freixo a valer/Já cá fico até morrer/Custe lá o que custar”.
Apesar dos tempos ingratos nunca perdeu a vontade de cantar. E é à sua
terra que dedica os versos mais longos, “Oh Freixo de Espada à Cinta/De
todo o lado te vejo/Ainda espero cá voltar/Para matar o desejo; És uma
vila encantada/Eu por ti vou a chorar /Só lhe peço muita palmas/Pra cá
tornar a voltar; Freixo de Espada à Cinta/Teu nome te ficarei/Por isso
te quero tanto/Como quero à minha mãe; Terra amiga/Como tu não há
igual/És a joia mais antiga/ Das vilas de Portugal”.
Maria
Andrade vive no Lar em Freixo de Espada à Cinta. Desde os 20 anos que
ser autónoma foi a batalha que não conseguiu vencer. É lá que tem
passado a sua a vida. Às vezes a cantar, para distrair a inquietação
constante. E se antes o fazia para “espantar a fome”, talvez agora o
faça para espantar a solidão...
Joana Vargas
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