Criada em 2011, a Fundação Côa Parque poderá ter os dias
contados. A solução que irá ser encontrada para o Museu e o Parque Arqueológico
do Côa, que se encontram numa situação de absoluta asfixia financeira, ainda
não terá sido definitivamente tomada, segundo o PÚBLICO apurou esta
segunda-feira junto do Ministério da Cultura, mas o mais provável é que o
actual modelo de gestão seja mesmo revisto.
Já na sexta-feira, o ministro da Cultura, João Soares,
afirmara no Parlamento que “gostava de não ter encontrado uma fundação” a gerir
o Museu e o Parque Arqueológico, mas antes um “serviço público”, tendo assumido
que se pode ver obrigado a “fazer alterações legislativas”.
O ministro, que respondia a uma pergunta da deputada (e
arqueóloga) Ana Mesquita, da CDU, reconheceu ainda que foi preciso improvisar
para que a fundação, actualmente presidida pelo museólogo António Ponte,
“conseguisse pagar salários” este mês, e prometeu deslocar-se em breve ao vale
do Côa, o que presumivelmente só fará quando puder anunciar uma solução de
fundo para gerir este conjunto de arte rupestre paleolítica ao ar livre, único
no mundo e classificado desde 1998 como património da humanidade.
A julgar pelas suas declarações na audição parlamentar,
estará a ser ponderado um regresso do Museu e do Parque do Côa à tutela directa
da Cultura, não sendo de excluir que possa vir a ficar na dependência da
Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), organismo para o qual João Soares
nomeou recentemente, em regime de substituição, a arquitecta e arqueóloga Paula
Silva.
A nova responsável da DGPC foi Directora regional da Cultura
do Norte de 2009 a 2013 (cargo hoje ocupado pelo mesmo António Ponte que
preside à administração da Fundação Côa Parque) e integrou o grupo de trabalho
para a abertura do Museu do Côa. “Acompanhei o processo do museu, que me diz
muito: é uma excelente obra de arquitectura e uma instituição muito importante
e que pode ajudar a dinamizar a região”, disse Paula Silva ao PÚBLICO.
As suas breves declarações foram prestadas na sexta-feira,
ainda antes de João Soares abordar a situação do Côa no Parlamento, e a
Directora-Geral do Património não quis esta segunda-feira comentar a
intervenção do ministro.
O PÚBLICO tentou também ouvir António Ponte, mas uma sua
assessora na Direcção Regional da Cultura do Norte afirmou que este não
prestava declarações relativas à Fundação do Côa e que todos os esclarecimentos
sobre esse assunto deveriam ser pedidos ao Ministério da Cultura.
Ponte foi nomeado presidente da Fundação em Outubro de 2014,
pelo anterior secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que o
encarregou de apresentar, em 60 dias, um diagnóstico da instituição e propostas
para "aperfeiçoar o seu modelo de gestão”. Findo esse prazo, deveria ser
nomeado um conselho de administração definitivo, o que nunca veio a acontecer,
mantendo-se em funções esta administração transitória, que inclui ainda o
presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, Melchior Moreira, e o autarca
de V. N. de Foz Côa, Gustavo Duarte.
O primeiro não quis falar ao PÚBLICO acerca das dificuldades
orçamentais que a Fundação enfrenta, sugerindo que ouvíssemos o seu presidente,
António Ponte, mas Gustavo Duarte assumiu que o estrangulamento financeiro da
fundação era hoje de tal ordem que “não há dinheiro para pagar salários” e
apontou duas soluções possíveis: “Ou se garantem verbas à fundação ou é preciso
mudar o modelo de gestão, porque isto é um potencial que temos em Foz Côa e que
está a funcionar a 30 ou 40 por cento”.
Admitindo a existência de penhoras fiscais e a necessidade
de recorrer “a alguns empréstimos bancários”, o autarca desvaloriza todavia a
importância destes constrangimentos, que já existiram no passado e foram sendo
resolvidos, defendendo que o problema de fundo são os cortes impostos às
fundações, que no caso da Côa Parque “já vão em 45%”, uma quebra que considera
incomportável numa “fundação sui generis, que depende em 95% do poder central”.
O dinheiro não chega sequer para pagar os salários e
garantir a vigilância das gravuras, garante Gustavo Duarte, que pede “vontade
política” para resolver o problema. “Uma primeira reunião com o ministro não
correu mal, e estou optimista”, adianta o autarca, que calcula que o Museu e o
Parque do Côa, mesmo poupando em tudo o que for possível, precisará sempre de
pelo menos um milhão de euros para funcionar.
Segundo o PÚBLICO apurou, só a factura salarial ultrapassa
os 700 mil euros, a que se tem de somar - e só falando de despesas fixas -, a
segurança do museu e dos núcleos de gravuras, e ainda o gás, a electricidade e
as despesas de manutenção. A dívida acumulada já andará neste momento acima dos
300 mil euros.
Provere do Côa foi abandonado
Uma situação agravada nos últimos anos pelo aparente desinteresse
da Fundação em candidatar projectos a fundos europeus. Se a região mantém os
Provere (Programas de Valorização de Recursos Endógenos) das aldeias de xisto
ou das aldeias históricas, o Provere do Côa não foi renovado. .
Lamentando que “há anos não se vislumbre estratégia por
parte da tutela” para “um bem cultural com esta relevância”, Alexandra Cerveira
Lima, ex-directora do Parque arqueológico e actual presidente da Associação de
Amigos do Parque e Museu do Côa (ACOA), observa que “a arte do Côa, o Parque e
o Museu não são centrais em nenhuma das estratégias desenhadas para o
desenvolvimento do território nos próximos anos no âmbito do Portugal 2020”. E
ironiza: “Dir-se-ia que o património mundial deixou de importar para o
desenvolvimento regional e que, para além disso, não carece de financiamento:
só assim se explica que se tenha deixado morrer o Provere do Côa”.
Numa nota enviada esta segunda-feira à imprensa, a ACOA
defende que “um bem que é Património Mundial não pode continuar a ser olhado e
gerido de forma precária, em regime de transitoriedade, sem meios, sem ambição,
sem programa e com dificuldade em mostrar aos portugueses e ao mundo o valor
científico e patrimonial ímpar que o Vale do Côa constitui”.
Lembrando o prestígio internacional do Parque do Côa,
"permanente inspiração” para investigadores de todo o mundo, e “tantas
vezes citado em colóquios internacionais pela UNESCO como um bom exemplo de
gestão e divulgação pública de um bem classificado”, o comunicado pergunta: “O
que se passa com os responsáveis políticos nacionais que há anos menorizam,
desvalorizam, asfixiam um projecto iniciado em 1996 com a criação do Parque
Arqueológico e que teve o seu culminar em 2010 com a inauguração do Museu do
Côa?”
O documento, co-assinado por Alexandra Cerveira Lima e pelo
deputado socialista Pedro Bacelar de Vasconcelos, presidente da Mesa da
Assembleia Geral da ACOA, avisa que “o momento é crítico e urge uma acção a
curtíssimo prazo", e conclui: “Sorte a da tutela quando o que há a decidir
é afinal tão simples: definir um rumo e permitir que um extraordinário legado
que ficou conservado em território nacional possa ser estudado, fruído e
mostrado aos contemporâneos e às gerações vindouras como um momento cimeiro da
criatividade humana”.
Fonte: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/coa-pode-perder-fundacao-e-voltar-a-tutela-directa-da-cultura-1724837
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