Fernando Pessoa
Um dia destes a minha neta mais pequenina, a Joana, que começa a querer entender o emaranhado de parentescos e respectivas designações, no caminho do jardim-escola para minha casa, perguntou-me :
- Vovó, por que é que tu és minha avó?
- Porque sou a mãe do teu pai.
Pensou um bocadinho e depois acrescentou: - E também és a mãe da minha mamã.
- Não, a mãe da tua mamã é a Avó Irene.
Creio que a minha explicação deveria ter ficado por aqui. Mas a minha formação de professora - e respectiva deformação profissional – levaram-me a dar mais explicações que, verifiquei depois, só contribuiram para baralhar a criança:
- Eu sou a mãe do teu pai e da Titi Janja ( nome usado pela Joana para Ângela ). E sou também a avó da Catarina, da Inês e do Simão.
A pequerrucha olhou para mim como quem diz “Isto é mesmo complicado”. Então, para testar a sua compreensão, perguntei-lhe :
- E eu o que sou para ti?
- És a minha mãe - respondeu a menina com toda a convicção.
Pensei então que não fora de bom senso dar-lhe tanta informação. Por isso rematei : - És minha neta e pronto.
Chegadas a casa, preparei-lhe a papa e ela sentou-se à mesa para comer. Mas a garotita é um pisquinho a comer, muito lenta... É preciso estar sempre a insistir para que coma. Daí a dois ou três minutos, virou-se para mim com ar refilão :
- Vovó, tu disseste-me mal.
- O que é que eu te disse mal?
- Disseste que eu sou tua neta.
- Claro que és minha neta.
- Mas agora ralhaste comigo e disseste: “Joana, vamos lá, filha, come”. Portanto ( aprendeu há pouco o ‘portanto´), sou tua filha.
Leiria, 5 de Nov.º de 2011
Júlia Ribeiro
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Ora diga-me lá sra. professora quem lhe mandou chamar filha à neta ? As crianças tem sempre razão.
ResponderEliminarMaria Papoila
Sempre ouvi dizer que o português tem muitas ratoeiras, não é Sra. Professora ?
ResponderEliminarVá nos deliciando com estas senas de ternura.
Bj. de outra avó
Maria da Querdoira
quem lhe mandou chamar filha à neta ?Por outros motivos muitas vezes chamamos excelência a uma besta e nas feiras elas gritam: OH! Filho ,vai um tirinho ao canhão?
ResponderEliminarO raciocínio correcto e a perspicácia da Joana desconcertaram a avozinha,como tantas vezes nos desconcertam a nós,adultos,"saídas" idênticas de outros raparigos.Não há dúvida : eles são mesmo o melhor do mundo!
ResponderEliminarUma moncorvense
Que raparigo lindo que é a Joana . A quem é que sai?
ResponderEliminarPar a autora e todas as professoras:
ResponderEliminarDiria agora Camões...
I
As sarnas de barões todos inchados
Eleitos pela plebe lusitana
Que agora se encontram instalados
Fazendo o que lhes dá na real gana..
Nos seus poleiros bem engalanados,
Mais do que permite a decência humana,
Olvidam-se de quanto proclamaram
Nas campanhas com que nos enganaram!
II
E também as jogadas habilidosas
Daqueles tais que foram dilatando
Contas bancárias ignominiosas,
Do Minho ao Algarve tudo devastando,
Guardam para si as coisas valiosas.
Desprezam quem de fome vai chorando!
Gritando levarei, se tiver arte,
Esta falta de vergonha a toda a parte!
IIII
Falam da crise grega todo o ano!
E das aflições que à Europa deram;
Calam-se aqueles que, por engano,
Votaram no refugo que elegeram!
Que a mim mete-me nojo o peito ufano
De crápulas que só enriqueceram
Com a prática de trafulhice tanta
Que andarem à solta só me espanta.
IV
E vós, ninfas do Douro onde eu nado,
Por quem sempre senti carinho ardente,
Não me deixeis agora abandonado
E concedei engenho à minha mente,
De modo a que possa, convosco ao lado,
Desmascarar de forma eloquente
Aqueles que já têm no seu gene
A besta horrível do poder perene!Ver mais
Por: Lurdes Martins.
Olá, caríssima Lurdes Martins:
ResponderEliminarHá cerca de uma ou duas horas li o seu poema "camoneano" em comentário a outro escrito meu : "Reunião clandestina guardada pela PSP" , de dia 30 de Out.º passado, onde a sua interessante "charge" política se enquadrava lindamente. (Nesse comentário ainda a amiga Lurdes Martins se apresentava como anónima). Concordei com o conteúdo do seu poema e até lhe sugeri que o enviasse ao Administrador do Blog, pois a crítica político-social que tece está adequada aos tempos que correm.
Só que o poema "camoneano" que aqui repete, está completamente fora do contexto do breve episódio relatado sob o tema "...O MELHOR DO MUNDO SÃO AS CRIANÇAS".
Apareça e traga mais poemas.
Júlia Ribeiro
Olá Julinha!
ResponderEliminarli esta história com toda a atenção, encantada pela ternura da avó e da neta, tão bem sugeridas através deste diálogo.
E que são os avós, se não duas vezes pais?
A menina tinha razão: neste caso, mães!
Um beijinho
Tininha
A Joana não é só um raparigo bonito. É guitcha que nem um alho. Deixou a avó sem resposta. A quem sairá? Eu já adivinhei.
ResponderEliminarMaria do Carmo
Olá, Tininha, Maria do Carmo, "Uma Moncorvense" e damais comentadoras (fiquei com a ideia de que são todas mulheres e quiçá avós também) muito agradecida pelas vossas palavras amigas.
ResponderEliminarUm grande abraço
Júlia