Foi em recolhimento que li este texto (publicado no “JL”)
em que Eugénio Lisboa, uma marcante personalidade da Cultura, fala de um homem
bom, Amadeu Ferreira, com a generosidade que perpassa nas suas palavras,
evocando a brilhante biografia escrita por Teresa Martins Marques sobre "essa
grande figura do intelecto, da acção e do coração". É, portanto, em
agradecimento a Eugénio Lisboa (que, em outras ocasiões, tem proporcionado
ao DRN idênticas e valiosas oportunidades) que ora se publica esta peça
literária:
“Nunca faças coisas pela metade”.
Provérbio
De uma biografia falo hoje. As biografias são uma espécie
traiçoeira: dizia Wilde que todo o grande homem tem os seus discípulos, mas é
sempre Judas quem lhe escreve a biografia. Tem-se visto que é assim. Mas não é
de modo nenhum o caso que hoje aqui nos traz: a monumental dádiva biográfica
que Teresa Martins Marques quis consagrar a essa grande figura do intelecto, da
acção e do coração, que foi Amadeu Ferreira, há pouco falecido.
O livro que tenho à minha frente – O Fio das
Lembranças / Biografia de Amadeu Ferreira – é o monstruoso pagamento
de uma promessa. É o mais improvável acto de generosidade e entrega a que, até
hoje, me foi dado assistir: 400 páginas de texto construído sob o império de
uma vontade inquebrantável e à pressão de uma terrível urgência (concluir a
obra, se possível, a tempo de o biografado – mortalmente doente – a poder ainda
ler), acrescidas de outras tantas de testemunhos de amigos, colegas e
admiradores, arrancados, coligidos e “montados”, com uma energia que não é
deste mundo. Pacto fáustico com o diabo? Sei lá!
De qualquer modo, Teresa Martins Marques tem o hábito de obedecer ao provérbio que dou em epígrafe: “Nunca faças coisas pela metade.” As obras dela, começadas, talvez, como coisas para dimensões normais, acabam por se lhe expandir, nas mãos, alargando-se, pantagruelicamente, até atingirem o volume capaz de lá se lhe meter tudo. Viu-se isso com a monumental dissertação de doutoramento que dedicou a David Mourão-Ferreira, e vê-se, agora, com este prodigioso empreendimento, que é o livro que dá nova e mais concentrada vida à vida singular desse jurista, professor, poeta, romancista, e estudioso e divulgador do mirandês – além de “campeador melhorista”, para usar uma expressão de António Sérgio – que foi Amadeu Ferreira.
De qualquer modo, Teresa Martins Marques tem o hábito de obedecer ao provérbio que dou em epígrafe: “Nunca faças coisas pela metade.” As obras dela, começadas, talvez, como coisas para dimensões normais, acabam por se lhe expandir, nas mãos, alargando-se, pantagruelicamente, até atingirem o volume capaz de lá se lhe meter tudo. Viu-se isso com a monumental dissertação de doutoramento que dedicou a David Mourão-Ferreira, e vê-se, agora, com este prodigioso empreendimento, que é o livro que dá nova e mais concentrada vida à vida singular desse jurista, professor, poeta, romancista, e estudioso e divulgador do mirandês – além de “campeador melhorista”, para usar uma expressão de António Sérgio – que foi Amadeu Ferreira.
Teresa Martins Marques e Amadeu Ferreira |
Eugénio Lisboa |
Em 2009, a autora desta biografia conheceu o jurista,
escritor e militante da cultura mirandesa, Amadeu Ferreira, num almoço aprazado
entre este e o seu amigo Ernesto Rodrigues – e logo se deixou enfeitiçar pela “luminosidade
do olhar, o sorriso franco, a perspicácia das observações, a determinação das
suas posições, a agilidade da sua inteligência.” Depois, ao longo dos
encontros e das leituras, foi coleccionando outras virtudes do
futuro biografado: cultura, simpatia, bondade, dedicação aos outros (de
preferência aos “necessitados”), postura cívica impecável. A que veio
acrescentar-se a admiração pelo poeta, pelo ficcionista e pelo campeador da
língua de Miranda, para a qual verteu a “Mensagem” e” Os
Lusíadas”.
Com a empatia profunda, o apelo tornou-se irresistível. Num encontro em Bragança, finalmente, tudo aconteceu: “num impulso que ainda hoje não sei explicar”, disse-lhe: «Você merece que lhe escrevam a biografia.»” O resultado da promessa então feita é este livro, levado a cabo a golpes de energia e obstinação. Boa pagadora de promessas, Teresa Martins Marques foi dando forma e volume à vida verdadeiramente épica e exemplar do autor de “Tempo de Fogo “(La Bouba de la Tenerie, em Mirandês). Dizia Virginia Woolf que “biografia é dar a um homem uma espécie de forma, depois da sua morte”. Foi isto mesmo que fez a biógrafa deste homem bom e inteligente (binário improvável), ao longo das 800 páginas desta obra (porque as 400 de testemunhos cumprem exactamente o mesmo objectivo): livro que se não pode ler, a não ser com muitas horas disponíveis e um pequeno guindaste que o suspenda diante dos nossos olhos atónitos e dos nossos braços impotentes…
Com a empatia profunda, o apelo tornou-se irresistível. Num encontro em Bragança, finalmente, tudo aconteceu: “num impulso que ainda hoje não sei explicar”, disse-lhe: «Você merece que lhe escrevam a biografia.»” O resultado da promessa então feita é este livro, levado a cabo a golpes de energia e obstinação. Boa pagadora de promessas, Teresa Martins Marques foi dando forma e volume à vida verdadeiramente épica e exemplar do autor de “Tempo de Fogo “(La Bouba de la Tenerie, em Mirandês). Dizia Virginia Woolf que “biografia é dar a um homem uma espécie de forma, depois da sua morte”. Foi isto mesmo que fez a biógrafa deste homem bom e inteligente (binário improvável), ao longo das 800 páginas desta obra (porque as 400 de testemunhos cumprem exactamente o mesmo objectivo): livro que se não pode ler, a não ser com muitas horas disponíveis e um pequeno guindaste que o suspenda diante dos nossos olhos atónitos e dos nossos braços impotentes…
Tendo, no final, e contra todas as probabilidades, encontrado quem lhe
escrevesse a odisseia, uma, talvez, destacando-se de poucas mais, idênticas,
mas que ficaram, essas, sem crónica que as lembre à memória dos homens. Pode
ser que ser pobre não seja um crime, como rezam uns provérbios que andam por aí
a tentar amaciar uma condição intolerável, mas permitir que a pobreza exista e
persista – é, por certo, um crime hediondo, que os nossos quarenta e um anos de
democracia ainda nem sequer tentaram resolver, permitindo até que se concentre
quase toda a riqueza nas mãos de alguns oficialmente cristãos, que piamente nos
aconselham a vivermos com pouco e a resignarmo-nos muito. Que, dos pobres, é o
reino dos céus, o qual os ricos meticulosamente evitam.
Eugénio Lisboa
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