9 de abril 2015. O sol nasceu às 7:10 e vai pôr-se às 20:07.
No calendário de parede, suspenso num prego velho e enferrujado espetado na
caliça amarelecida, o dia assinalado, com largo círculo vermelho, na matriz
numérica enquadrada por longínqua paisagem nórdica é o nove. O mês é abril. O
ano, 1975! Quarenta anos depois, o quarto da velha pensão Machado Cura
mantinha-se igual. Parara no tempo.
Levanto a persiana de tabuinhas pintadas de verde desbotado e espreito para o
largo em frente aos Correios. Juraria que o carteiro de bronze ganhou vida.
Visto o casaco, ajusto o nó da gravata, revejo o programa que a Ana Maria
Afonso me fez chegar por e-mail, dobro-o e guardo no bolso traseiro das calças,
rodo a chave e desço as escadas. A Avenida João da Cruz amanhece e escorrega
pela 5 de Outubro terminando, na Alexandre Herculano de mão dada com a Rua da
República, como convém. Desço a Almirante Reis. A Praça da Sé ainda ensonada
boceja e empurra-me para o Chave D'Ouro apesar do insistente piscar de olho do
renascido Flórida. Entro dizendo para mim mesmo que não me posso esquecer de
telefonar ao Leonel de Brito por causa da tertúlia quarentona.
Sento-me na mesa encostada à porta que dá para a praça e enquanto não chega o
café revejo o programa do Museu Abade Baçal. Faz hoje 150 que Francisco Manuel
Alves viu a luz do dia naquela freguesia rural nordestina. Nesse mesmo dia em
Appomatox Robert Lee rendia-se a Ulysses Grante pondo termo à Guerra Civil
Americana. O Google diz-me que há centenas de efemérides associadas a esse dia.
Nada me dizem!
Procurando no bolso moedas para pagar, sou atraído para a enorme agitação no
ecrã de televisão, estranhamente sintonizada na ARTV. Grande reboliço no
hemiciclo da Assembleia da República. Invadem o anfiteatro paramédicos e demais
ajudantes de bata branca e estetoscópio pendurado no pescoço.
Jornalista de ocasião vai servindo, de improviso as notícias, escassas e
desgarradas. João Felix Filostrato, desconhecido deputado (dizem agora que é um
veterano, decano da Assembleia) a meio de brilhante intervenção cai prostrado.
Grave. O homem pode ter-se finado.
Ligo ao meu amigo Ernesto José Rodrigues com quem vou encontrar-me e que é
conhecedor deste ambiente.
Que ligasse a televisão, peço-lhe eu. Que já a tinha ligado, garante-me ele. E
então? Então nada. Ia direto para o museu. Não iria perder um passo com o
assunto. E porque haveriam de ser os seus passos perdidos?
Pago e saio. Ao passar em frente da porta da que foi, em tempos, a Livraria
Mário Péricles encontro o Alcides. Partilho as novas com ele. Já sabia,
serenamente. Será que é só a mim que o caso espanta? “Bô, deixa lá”, diz-me
ele. “O Ernesto manda-te isto”. Numa bela capa de Sofia Diogo, o seu último
romance Passos Perdidos, devidamente autografado. Agradado agradeço e abro-o.
Página 151. Leio rapidamente. Tudo faz sentido, agora. Será de tarde, garante o
Ernesto. Aconteceu de manhã, constato eu. Ainda a tempo de minha crónica para o
Mensageiro.
“E então?” Insiste o Alcides. “Tudo bem”, respondo eu. “Amanhã vou para
Moncorvo. Faz oitenta anos que
Morreu, no seu leito, completamente cego o Abade Tavares.”
“E o ano fará cem dias” remata ele, muito a propósito!
José Mário Leite
Fonte: Mensageiro de Brangança, edição nr. 3519
Nota: Fotografias do arquivo do Blogue
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