Passemos à vila. Foi num domingo que o repórter da «Republica» parou o automóvel na «praça» e, puxado pelo companheiro de viagem, começou a dar voltas em circulo, ao acaso dos encontros. A «praça» – praça Francisco Meireles – é realmente para dar voltas: juntam-se as pessoas (os homens, raras mulheres) em pequenos grupos, conversam, andam por ali, como num picadeiro. Na «praça» há o Café Moreira e entra-se, está-se um bocado, sai-se (para a «praça»). As ruas principais vão dar à «praça»: foram talhadas em raios por gente que sabia dar valor a um «coração» duma vila. Na «praça» vêem-se carros de aluguer, camionetas de carreira ao pé da paragem, «são estudantes da Escola Secundária» - explicaram-me.
A Escola não é secundária, mas industrial, com uma secção do Liceu de Mirandela incorporada. Frequentam-na cerca de 400 alunos, – e gente, essa gente de Moncorvo que, não fazendo ideia aonde ir, cai na «praça» sem remédio.
Viam-se dezenas de jovens. Somados aos 300 e tal do anexo Ciclo Preparatório, dão a bela conta de mais de 700. Compara-se este número com a última estimativa da população da vila: é gritante. Os jovens com quem me cruzei nesse domingo inaugural limitavam-se a dar voltas, fumando cigarros e conversando em voz baixa. Não têm diversões – apurei logo a seguir. Eram rapazes – escusava de acrescentar; as raparigas estavam em casa.
Vários senhores de traje impecável entremetiam-se nos grupos e recebiam cumprimentos. Mito da terra: tratava-se dos «doutores», designação pejorativa para os bem instalados. «Só doutores somos quinze» – teria dito um deles há dezenas de anos, dando peso ao mito.
Opiniões recolhidas forneceram-me a ideia de que Moncorvo foi sendo, ao correr dos séculos, uma vila senhorial, ciosa (na superstrutura) dos seus direitos e prerrogativas. Agora mesmo, filas compactas de mansões estão desertas, sem vivalma, às vezes só com uma janela aberta (é a mulher da limpeza no trabalho). Os proprietários não vivem em Moncorvo, estão noutras terras. Aparecem em Setembro.
«Vivem muitos deles no Porto. São antigos senhores da vila e já reduziram isto a um sítio para passar férias» – eis um comentário que registei.
Estando noutras terras, nunca lhes passou pela cabeça (passou raramente) alienar as suas mansões. Moncorvo, que tem tantas casas «boas» entregues às moscas e às mulheres da limpeza, não tem casas para recém-vindos assentarem arraiais. Ouvi oferecer 1050$00 por uma cave pequeniníssima na Rua dos Sapateiros: o proprietário ficou surpreso, pois recebia de renda quatro ou cinco vezes menos. Março de 1974 a 2009
De Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério Rodrigues
Edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo
A leitura dos textos de A. Pacheco, R. Rodrigues e L. Brito, na altura em que foram publicados no jornal encheu-me a alma! Gostei imenso de os ler!... Se bem que não concordasse em absoluto, aceitava que para alguém, vindo de fora, a praça parecesse um "picadeiro" enquanto para mim era um verdadeiro "ágora" , ou seja, o centro das actividades comerciais da vila, o ponto de encontro das pessoas, um espaço de discussão, de lazer e de cultura, o cenário das transformações sociais... Picadeiro ou ágora... A verdade é que na praça se sentia o pulsar a vida do concelho de Moncorvo. E hoje? É mais bela? Mais feia? As opiniões podem divergir. Mas o que não oferece qualquer dúvida é que a praça está morta, do ponto de vista da vivência cívica e na vila há casas onde já nem a mulher da limpeza abre a janela... J. Andrade
ResponderEliminarA revista do Colégio Campos Monteiro, publicou um artigo, do professor Areosa, sobre o ensino em Moncorvo ,desde a fundação do colégio-1936 até aos nossos dias.Está lá tudo, é de leitura obrigatória.
ResponderEliminarAntónio Júlio Andrade através dos seus textos ,dispersos em revistas, jornais,separatas e livros tem divulgado dados preciosos sobre o ensino nos finais da monarquia até ao fim da primeira república.
Devem ser reunidos em livro todos estes trbalhos e assim havia num só livro a história do ensino em Moncorvo.Há também uns textos de Adília Fernandes e Conceição Salgado que são rigorosos.Toda dispersão de textos de vários temas dispersos por várias publicações podiam ser recuperados pelos blogs que existem e que tentam divulgar os nossos valores.Num comentário neste blog António J.Andrade referiu-se aos textos publicados no TERRA QUENTE e da sua importancia para um melhor conhecimento da nossa realidade.Senhores do blog cheguem a acordo para ,como já fizeram com outros textos,sairem aqui todos esses artigos.
Uma casa na rua dos Sapateiros por 1050 escudos (5€).Que barbaridade!
ResponderEliminaré deprimente, as casas, a praça...
ResponderEliminarA primeira fotografia é do meu tempo. Aquelas caras nao me são estranhas..parece me a Maria José, a Fernanda, o irmão e sua mãe..será? Va lá digam os nomes..
ResponderEliminarDeprimente? Acho que nao. É tudo lindo e sossegado. De deprimente nao tem nada. É a mais linda e nobre vila de Portugal.
ResponderEliminar