1. O que é o mirandês?
O mirandês, ou língua mirandesa,
é o nome de uma língua falada no Nordeste
de Portugal, já desde
antes da fundação
da nacionalidade portuguesa. Quanto à estrutura é uma língua românica, que teve
a sua principal origem a partir do latim. Históricamente pertence à família de
línguas astur-leonesas, onde também se incluem o asturiano e o leonês.
Até 1884 foi uma língua apenas
oral. Desde então, tem sido também escrita, dispondo de uma Convenção Ortográfica
desde 1999. Nomeadamente a partir do século XVI e apesar de ser uma língua
falada em Portuugal desde o começo da sua existência, o mirandês é uma língua
menorizada quer em termos culturais e sociológicos quer em termos políticos,
levando a que Portugal fosse apresentado, até há muito pouco tempo, como o único país monolingue da Europa, afinal falsa excepção à
regra do bilinguismo ou multilinguismo dos diversos países. Em 1999, com a lei nº
7/99, de 29 de Janeiro , o mirandês foi oficialmente reconhecido como
língua regional de Portugal,
2. Onde se fala mirandês?
A língua
mirandesa é falada em
todas as aldeias do concelho de Miranda
do Douro, com excepção de duas (Atenor e
Teixeira), e em três
aldeias do concelho de Vimioso (Vilar Seco , Angueira e Caçarelhos), no distrito
de Bragança. O mirandês foi, apressadamente, dado como extinto em aldeias como
Caçarelhos, porém, apesar de muitíssimo debilitado, continua aí a ser falado
por pessoas de idade. A área ocupada pela região onde se fala o mirandês tem à volta
de 500 km 2 de superfície
e situa-se na fronteira com a província
espanhola de Zamora (Aliste e Sayago). O mirandês é também
falado por
muitos mirandeses que
imigraram para as principais
cidades do país
ou que
emigraram para o estrangeiro.
O espaço
onde se falou mirandês ou outras variedades
do astur-leonês já foi bastante mais vasto , incluindo, em
traços gerais e grosseiros, toda a zona do distrito de Bragança que
se situa entre a margem
esquerda do rio
Sabor e a fronteira
com Espanha. Terá sido assim na Alta Idade Média , regredindo progressivamente em
direcção à fronteira . Além do mirandês, outras falas
astur-leonesas se mantiveram até há pouco tempo na zona fronteiriça do
concelho de Bragança, chamada Lombada, em
particular nas aldeias de Rio de Onor,
Guadramil, Deilão e Petisqueira . Porém,
a fala leonesa tem sido dada como extinta nestas aldeias, embora não seja
totalmente clara a situação de Rio de Onor.
Apesar de já
não se falar
mirandês nessa região mais vasta , ainda pode falar-se de uma cultura
comum , em
particular na área
correspondente à medieval
Terra de Miranda (concelhos de Miranda do Douro,
Vimioso, Mogadouro e parte dos concelhos de Freixo de Espada à Cinta, de
Bragança e de Macedo de Cavaleiros), cultura essa que se manifesta pelo ar de
família que o vocabulário usado continua a manter, pela fonética e muitas
construções sintácticas do português falado nessa zona, pela similitude de
festas, tradições, música e dança.
Não existe um
cálculo rigoroso
do número de falantes
de mirandês, tendo esse número evoluído quer por razões demográficas quer por
razões sócio-linguísticas.
José Leite
de Vasconcelos, por volta de 1900, calculou que
seriam, em termos gerais, 15 000 falantes, baseado nos censos populacionais da
época e tomando como boa a ideia de que era de 100% a percentagem de falantes
nas aldeias identificadas como falando a língua mirandesa. Essa consideração
deve considerar-se como correcta, apesar de os mirandeses serem, já na altura,
bilingues, pois eram obrigados a usar a língua portuguesa em situações de
relação institucional, quer de natureza política (mais ocasional) quer de
natureza religiosa (contínua desde o século XVI). Até há relativamente pouco
tempo, esse número
tem vindo a ser repetido, porém a situação
alterou-se profundamente. Se outras razões não existissem, bastaria ter em conta a diminuição da
população, a partir de meados dos anos sessenta do século XX, para
que tal
número não
possa já ser aceite .
Um facto notório e por todos
reconhecido é o da diminuição do número de falantes ao longo de todo o século
XX, em particular a partir dos anos sessenta, erosão que ainda não se pode
considerar estancada. Essa erosão tem levado muitos autores a anunciar a extinção
da língua mirandesa para muito
brevemente, chegando mesmo a dizer-se que não iria além
dos anos 80 do século
XX, mas a verdade
é que ela
continua viva e as profecias têm-se revelado apressadas.
Hoje, a língua
mirandesa é ameaçada na sua sobrevivência tanto
por factores internos ,
em particular
a desertificação da região
onde se fala
e o enfraquecimento do modo de transmissão
familiar , como
por factores externos ,
em particular
os resultantes da pressão
exercida pelos meios
de comunicação social ,
pela escola
e pelos meios
considerados de sucesso económico, em particular a
empregabilidade, continuando, em cúmulo, e essa é uma questão essencial,
excluido como língua das instituições, em particular das instituições políticas
locais.
4. Qual a origem da língua mirandesa?
A língua
mirandesa tem a sua origem
num dos romances que
se formaram na Península Ibérica a partir do latim , o romance
que deu origem
à família de línguas
astur-leonesas – onde a língua mirandesa se integra - , que
se formaram entre os séculos VI-VIII.
Toda a região estava integrada no império romano e era habitada pelo povo
Astur, e era a tribo dos Zoelas ou Zelas que tinha assento no que é hoje a
terra de Miranda, embora ocupando uma área mais vasta que abrangia uma parte
importante do actual distrito de Bragança, em Portugal, e a região de
Carvalheda, de Alba e de Aliste, delimitada pela serra de Culebra e os rios
Esla e Douro, na actual província de Zamora, em Espanha.
É necessário lembrar que, além do
latim, outras línguas contribuíram para a conformação do astur-leonês. Desde
logo a língua falada pelos povos que tinham assento na região, mesmo antes da
chegada dos romanos, isto é, os astures e, no caso particular da terra de Miranda,
os zoelas. Sucessivamente, por esta região passaram, dito de forma muito geral
e imprecisa, suevos, visigodos e árabes que foram deixando a sua marca, embora
pouco pronunciada no caso dos suevos e dos árabes. Em qualquer caso, a terra de
Miranda foi sempre, desde há mais de dois mil anos, uma terra de fronteira,
facto que é sempre gerador de influências dos povos vizinhos e daqueles que
para lá se deslocam para estarem mais afastados do poder dos reis. Essa
característica de terra raiana, no período do nascimento da língua, foi
particularmente significativa nos séculos VI-VIII, pois sabemos que por aqui
passava o limes (faixa de fronteira)
entre os reinos suevo e visigodo, facto bem documentado pelo topónimo
Mogadouro.
O astur-leonês foi a língua falada
no reino de Leão , desde a sua origem, com excepção da zona
galaico-portuguesa. Nessa altura era a língua da
corte e dos mosteiros ,
escrita em
milhares de documentos
até aos séculos
XIII-XIV. Era, portanto, uma língua de cultura e jurídica, seguida pelas
instituições, nomeadamente os mosteiros, sendo de destacar na terra de Miranda
a influência dos Mosteiros de Moreruela, junto a Zamora, e de San Martin de
Castañeda (Sanábria). No tombo do mosteiro de Moreruela ficaram-nos inúmeros
documentos relativos às Terra de Miranda nos séculos XII-XIV, muitos deles
escritos num leonês muito próximo do mirandês actual.
Deve dar-se um particular
destaque à influência moçárabe na línbgua mirandesa, já que muitos foram os
colonos moçárabes que vieram para a terra de Miranda depois da expulsão dos
árabes, logo do início da expansão do reino de Leão. Essa influência mocárabe,
porém, ainda está pouco estudada.
Desde a sua
fundação , a fronteira
política de Portugal não coincide com
a fronteira linguística do galaico-português.
Sempre se falou outra língua em
Portugal, além do português ,
a língua astur-leonesa, que, nesta região, evolvuiu para o actual mirandês.
Pode mesmo dizer-se que uma parte importante da nobreza essencial à formação de
Portugal, como os Bragançãos, e os próprios príncipes que estão na sua origem,
como D. Teresa e seu filho, D. Afonso Henriques, eram também falantes de leonês.
Portanto, em conclusão, a língua mirandesa é, a justo
título , uma língua
de Portugal, elemento essencial da sua
história , da sua
cultura, da sua identidade e da sua
existência.
A partir
da criação da vila
de Miranda, em 1289, mas sobretudo a partir do século XVI,
com a elevação
de Miranda do Douro a cidade e a criação do bispado
(1545), a língua mirandesa enveredou por caminhos que lhe fizeram
ganhar características
próprias no conjunto das línguas astur-leonesas, embora
sem pôr em causa a sua pertença
a essa família de línguas .
As características próprias que o mirandês veio
a ganhar exigem a sua
consideração como
língua , e não
como mera
expressão dialectal de alguma outra língua
astur-leonesa.
Até ao fim do século XIII a
região de Miranda não teve contactos com o português, tal apenas acontecendo,
em grau diminuto, após a elevação de Miranda a vila (1298), com a vinda de
funcionários do rei. Esse contacto com o português não cessou de aumentar,
sobretudo a partir da constituição do bispado de Miranda (1545), trazendo uma
significativa influência à língua mirandesa, outro tanto se dando com o
castelhano, nomeadamente dos séculos XVII a XIX, factos que ajudaram a que a
língua mirandesa ganhasse características muito próprias quer ao nível da sua
estrutura quer ao nível do seu vocabulário, embora sem deixar perder a sua
essência leonesa.
Tal como
a língua mirandesa, também
outras línguas astur-leonesas ganharam
algumas características próprias, de que é exemplo o
asturiano, falado no principado das Astúrias e reconhecido como língua por estatuto do
principado . Apesar
das diferenças , essas várias línguas nunca
perderam o ar de família
que as continua a unir ,
quer em
termos estruturais quer em termos históricos . É nessa base
de reconhecimento dos laços históricos
comuns , mas
de aceitação das diferenças
que os ventos
da história lhe
fizeram ganhar , que
é possível restabelecer
e desenvolver laços
seguros entre
as várias línguas astur-leonesas, sem menorizar quem
quer que
seja e sem deixar de reconhecer as diferenças efectivamente existentes. Esse é um processo delicado ,
necessariamente lento , e que vai exigir ainda muito
trabalho e algum tempo, já que deve ser um processo não apenas exigido por
alguns intelectuais, mas pelos falantes em geral e pelas suas instituições
representativas.
5. Como se deu o processo de menorização da língua mirandesa?
O desaparecimento
do Reino de Leão
privou a língua astur-leonesa de um centro de poder que permitisse
a sua irradiação
e, sobretudo , a sua
uniformização e consolidação como
língua. É preciso lembrar que, nessa altura dentro de cada língua predominava
uma grande diversidade de local para local, fruto de influências e origens com
diferenças importantes e ausência de uma política centralizada capaz de a
unificar quanto a todas as suas características, levando ao seu acantonamento
progressivo nas zonas
rurais .
Nessa situação ,
as línguas astur-leonesas, e também o mirandês, ficaram excluídas dos grandes movimentos
culturais dos séculos XV-XVI, como o humanismo
e o renascimento , que
permitiram o enorme salto
dado pelas línguas
de poder , ditas nacionais ,
como o português
e o castelhano . É por
essa altura que
se inicia ou acentua o processo
de menorização dessas línguas , bem expresso , por exemplo , em alguns autos de autores
teatrais do século
XVI como Juan del Encina, em Espanha, e Gil Vicente, em
Portugal, mas presente
como tópico
obrigatório em
quase todos
os autores desse tempo ,
incluindo Miguel de Cervantes. É por este período que culminam os processos
de implantação das chamadas
línguas nacionais ,
quer como
línguas da administração
pública , quer
como línguas
institucionais em geral .
De grande eficácia
institucional foi o chamado movimento para «rezar em
lingoagem» (português ), desencadeado e imposto pelas Constituições
Episcopais, sobretudo nos
séculos XV e XVI, que
impôs o português como
a única língua
digna de falar
com Deus .
É essencial não esquecer que a evolução histórica que liga o mirandês às outras
línguas astur-leonesas é também a raiz das características que a conformaram
como uma língua de Portugal, razão que talvez seja a principal da sua
subsistência até aos nossos dias.
A mesma
perda de memória
histórica é responsável
por tanta
gente ter
estranhado o reconhecimento , através de lei , do mirandês como
língua . Também
por isso ,
alguns ainda
pensam que o mirandês nasceu como língua em 1999, mas a lei limitou-se a reconhecer
o que já
era uma língua
há muitas centenas de anos .
6. Porque se manteve o mirandês até aos nossos dias ?
A maioria
dos autores tem atribuido a manutenção da língua
mirandesa a dois factores fundamentais :
o isolamento em
relação ao resto
do país ; a contínua
e profunda relação
com os povos
do outro lado
da fronteira , em
particular das regiões
de Aliste e de Sayago.
O argumento
do isolamento não
tem fundamento, sendo muito limitada a sua valia: por
um lado, a terra
de Miranda não estava mais isolada do que
as terras contíguas, onde deixou de se falar
mirandês; por outro
lado , a partir
da criação do bispado
de Miranda e da elevação de Miranda do
Douro a cidade (1545), esta passa a ser um centro de poder e de cultura , com um número razoável de pessoas letradas e em
estreito contacto com
o resto do país ;
fundamental é dizer-se que os mirandeses são ,
pelo menos ,
bilingues desde há vários
séculos , isto
é, falam o mirandês e o português , o que não
sucederia se o isolamento fosse o que se diz.
O argumento
do estreito contacto com as regiões
fronteiriças contíguas, sobretudo Aliste e Sayago,
faz todo o sentido ,
já que
se falava leonês dos dois lados
da fronteira , pelo
menos até
fins do século
XIX ou princípios
do século XX.
A este
argumento há a acrescentar
o facto de o mirandês ser uma língua ,
isto é, de dispor de mecanismos geradores
do seu desenvolvimento ,
geradora de forte consciência
linguística e com capacidade
de autosubsistência.
7. O mirandês é uma língua ou um dialecto?
As palavras
«língua » e «dialecto» nem sempre têm
o mesmo significado
para os diversos
autores . Porém ,
é geralmente aceite
que uma língua
se distingue de um dialecto pelo seu reconhecimento político ,
o aconteceu com o mirandês através da lei
7/99, de 29 de Janeiro , aprovada pela
Assembleia da República . Tal significa que
a distinção é colocada em aspectos externos à própria
língua , o que
diz bem da manipulação
política , e até
ideológica, a que aquelas palavras estão sujeitas.
Uma língua
existe sempre que
estejamos perante um
sistema linguístico gramaticalmente
perfeito e com
características distintivas próprias, o que é reconhecido ao mirandês desde
que , nos
fins do século
XIX, foi estudado por José Leite de Vasconcellos.
O uso
da língua , independentemente
do nome e qualquer
que ela
seja, é um direito
fundamental que
radica na dignidade de cada uma das pessoas
que a falam, bem
como da comunidade
que através
dela se expressa e com ela se
identifica. Esta é a questão essencial que muitos
arautos dos direitos humanos ainda não perceberam entre nós, a começar pelos
‘papas’ do constitucionalismo e os certos militantes de uma língua portuguesa.
Esta, estou em crer, será tanto maior quanto menos se quiser afirmar de modo
colonialista sobre as línguas com quem ao longo da história foi entrando em
contacto, e muitas foram. Os mirandeses são hoje bilingues e, a justo título,
não ostentam menos orgulho na sua língua portuguesa pelo facto de também
falarem o português.
8. Quais são as principais características
da língua mirandesa?
Apresentam-se de seguida apenas
as principais características ,
sem as esgotar .
Para a sua mais fácil apreensão faz-se uma comparação com
o português e com
o castelhano , assim melhor
fazendo ressaltar essas características ,
que nuns casos
a diferenciam e noutros casos a
aproximam de uma ou outra
dessas línguas.
i - O mirandês (salvo no dialecto sendinês) palatiza o ‘l’ inicial , o que não acontece em
português nem
em castelhano.
Exemplos:
lhuna – lua (port.), luna (cast .); lhana – lã (port.), lana (cast .);
lheite - leite (port.), leche
(cast.); lhino - linho (port.), lino
(cast.); lhobo - lobo (port.), lobo
(cast.); lhéngua - língua (port.),
léngua (cast.); lhargo - largo
(port.), largo (cast.); lhabar - lavar
(port.), lavar (cast.).
ii - Há ditongos crescentes
[«ie», «uo»] que afastam o mirandês do
português. No caso do ditongo crescente «ie» o mirandês aproxima-se do
castelhano, embora tenha uma sonoridade completamente diferente. Já no que se
refere ao ditongo crescente «uo», ele é bem diferenciado do ditongo castelhano
«ue».
Exemplos com «ie»:
castielho – castelo (port.); tierra – terra
(port.); ciento - cento (port.); miel - mel
(port.); abierto - aberto (port.); bien - bem (port.); niebe - neve (port.); siempre
- sempre (port.); fierro - ferro
(port.); diente - dente (port.); semiente - semente (port.); piedra - pedra (port.), piedra (cast.).
Exemplos com «uo»:
fuonte – fonte (port.), fuente (cast.) ;
buono – bom
(port.), bueno (cast.); puonte - ponte
(port.), puente (cast.); uolho - olho
(port.), ojo (cast.); buolta - volta
(port.), vuelta (cast.); nuoç - noz
(port.) nuez (cast.); puorta - porta
(port.), puerta (cast.); nuobo - novo
(port.), nuevo (cast.); nuosso - nosso
(port.), nuestro (cast.).
iii. O mirandês conseva o ‘l’ e o
‘n’ latinos intervocálicos, que caem no
portugês. Nesta parate, o mirandês tem características similares ao castelhano.
Exemplos relativos à manutenção
do «n» intervocálico:
arena – areia (port.), arena (cast.); tener – ter (port.), tener (cast.); mano - mão (port.), mano (cast.); bena - veia (port.), vena (cast.); sano - são (port.), sano (cast.).
Exemplos relativos à manutenção
do «l» intervocálico:
pila – pia (port.); pila (cast.) malo – mau (port.); malo (cast.); bolo - voo (port.); vuelo (cast.); palo - pau (port., palo (cast.).
iv. O ‘ll’ e o ‘nn’ duplos intervocálicos latinos
palatizaram-se em mirandês, mas não em português. Neste ponto, o mirandês volta a
aproximar-se do castelhano.
Exemplos relativo a «ll / lh»:
cabalho – cavalo (port.), galho (cast.); galho - galo (port.), galho (cast.); castielho - castelo (port.), castillo (cast.); galhina - galinha (port.), gallina (cast.); calho - calo (port.), callo (cast.); calhar - calar (port.), callar (cast.).
Exemplos relativo a «nn / nh»:
anganho - engano (port.), engaño (cast.); panho - pano (port.), paño (cast.); canha – cana (port.) canha (cast.); abelhana - avelã (port.) avellana (cast.); anho - ano (port.), año (cast.).
v - O ‘f’ latino
conserva-se em mirandês e português ,
mas não
em castelhano, o que afasta o mirandês
dessa língua, mas o aproxima do português.
Exemplos:
afogar-se – ahogarse (cast.); forno - horno (cast.); fermoso - hermoso (cast.); filho
- hijo (cast.); falar - hablar
(cast.); fazer - hacer (cast.); figo - higo (cast.); ferida - herido (cast.); ferradura - herradura (cast.); fidalgo - hidalgo (cast.).
vi - A nasal
‘ão’ portuguesa não existe no mirandês (salvo em um tipo de casos no dialecto sendinês), o que o afasta do
português e o aproxima do castelhano.
Exemplos:
son
– são ; pan – pão ; armano – irmão; perdon - perdão;
mano - mão; oupenion - opinião.
vii - a inexistência
de vogais altas
átonas em começo absoluto de palavra, o que afastar o mirandés tanto do
português como do castelhano.
Exemplos relativo a «i», «e»,
«o», «u»:
einemigo,
eiducaçon, eisame, eiquipa, eidade,
eigreija, eigual, eideia.
oufender, oufício, oureilha,
oulibeira, oulor, ouraçon, oupenion, oufecial.
Exemplos relativos a «in»,
«en/em»:
anganhar, anfenito, amprego, anformar, angenheiro, anterrar,
ancapaç, anjusto, anteiro, antençon, amportante, ambeija, ambentar, anfáncia.
viii – no que respeita aos modos
de formação de palavras em mirandês, este apresenta diferenças muito
significativas, bem para além do sufixo dimuntivo –ico que costuma ser indicado; dada a extensão dessas diferenças
referirei apenas algumas das mais significativas:
- Prefixos: alte- (altefalante, altemoble), arre-
(arrepassar), cus- (custruir), ei (eicelente); stra- (stramuntano, strefigurar, streponer);
- Sufixos: -ulho (cascabulho), -ielho (boubielho),
-anco (burranco), -iço (pequerrico), -ieta (ourrieta), -in (foucin,
boucin), -uncho (ferruncho), -aige (biaige), -aina (botaina, chitaina), -iego
(anhiego, dariego, paniego), -onco/-ongo/-unco
(medonco), -orra (machorra), ieça (burrieça), -onda (maronda), -eç (nineç,
belheç, madureç), -able (adorable,
amable), -ible (ambencible), -uro (filaduro).
Deve ainda assinalar-se a
inexistência em mirandês do prefixo des-, reduzido a z- ou ç-, o que afasta o
mirandês tanto do português como do castelhano.
Exemplos:
zamprego, zaparecer, zgrácia,
zgusto, zmaio, zbio, zanganhar, zamparado.
çcascar, çclarar, çpedida, çcansar, çcargar, çcoser,
çcubierta, çcuntar, çpreziar.
ix. Em mirandês não existe o som
«j», antes de se mantendo o som «lh», o que aproxima doportuguês e afasta do
castelhano.
Exemplos:
filho - hijo (cast.); fuolha
- hoja (cast.); mulhier - mujer
(cast.).
x. Praticamente não existem em
mirandês palavras terminadas em «ia», em «io» ou em «ua», mas em «ie», em «iu»
e em «ue».
Exemplos quanto a ia / ie:
frie – fria; tie – tia; die – dia, Marie - Maria.
Exemplos quanto a io / iu:
frio – friu; tiu – tio,
Porém, as características da
língua mirandesa não se esgotam nos apectos que acabámos de referir, nem se
pretende, num escrito breve como este, dar conta de todos os aspectos. Mais algumas
características essenciais se deixam a seguir se deixam a título indicaticativo
e de modo abreviado:
- uma conjugação
verbal específica ,
embora o sistema
verbal do mirandês seja semelhante ao do português ;
- os artigos
definidos l (o) e la (a), ls (os), las (as), distintos tanto do português como do castelhano.
- os pronomes
pessoais (you, eu ) e possessivos (miu,
meu ;
mie, minha , etc.), muitos diferentes
dos portugueses e também com assinaláveis diferenças em relação ao castelhano;
- modos de tratamento
de respeito , específicos
e distintos, seja em relação ao português, seja em relação ao castelhano;
- várias palavras com género diferente em relação ao português. Ex. la calor ,
l febre, l quemido, la questume.
- uma série de advérbios e locuções inexistentes
em português. Ex. ende, sourtordie, anque,
antoce, quantá.
Também a sintaxe do mirandês
apresenta muitas características próprias quer em relação ao português quer em
relação ao castelhano, afirmação que contraria reiteradas e habituais
afirmações que a esse respeito são feitas, sobretudo no que respeita à sintaxe
do português e do mirandês. Essas afirmações, porém, apenas se devem à falta de
estudo e de conhecimento da língua mirandesa no domínio da sintaxe.
Quanto ao vocabulário deve
dizer-se que o mirandês apresenta muitíssimo vocabulário distinto do português,
apesar de haver
uma grande continuidade lexical como
acontece em todas as línguas de origem
latina da Península .
Deve realçar-se que muita da proximidade que existe com o português de
Trás-os-Montes Oriental e com a zona de Riba-Côa deriva da influência leonesa
que o português sofreu nessas zonas, facto que ainda não está adequadamente
estudado, já que até à Alta Idade Média foram zonas de fala leonesa.
Mas também
há semelhanças entre
o mirandês e o português, em particular o do norte interior , que muito o afastam do castelhano de que se destaca:
Casos similares ao português do
Norte:
- um sistema
de quatro sibilantes (por ex. pronunciam-se diferentemente
cesta , sesta ;
maça , massa ;
cozer , coser ; beiço , beiso; trás ,
traç); neste casos o mirandês afasta-se quer do português padrão quer do
castelhano ou mesmo das restantes língua astur-leonesas;
- ausência de «v», existindo apenas
«b» (ex. baliente, biaige, baca).
Concluindo, que a exposição já
vai longa, apesar de lacunar, pode dizer-se que
o mirandês tem características próprias que o distinguem tanto
do português como
do castelhano e o filiam nas línguas asturo-leonesas. Porém, deve acrescentar-se,
partilha igualmente semelhanças
e infuências daquelas duas línguas , embora com predomínio da influência do português . Isso em nada afecta
a sua autonomia
e a sua estrutura
perfeita como
língua , não
sendo uma mistura entre
aquelas duas línguas .
9. A língua mirandesa tem as mesmas características em todo o lado ou
apresenta variedades?
Desde José Leite de Vasconcelos têm
sido distinguidas três variedades dentro do mirandês: o mirandês do norte ou
raiano, que é falado em várias aldeias junto à fronteira (raia seca) com
Espanha; o mirandês do sul ou sendinês, que é falado na vila de Sendim; o
mirandês central que é falado nas restantes aldeias e que foi adoptado como
padrão pela Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa. Assim, como qualquer
língua, e apesar do seu reduzido número de falantes e da pequena área
geográfica onde se fala, também o mirandês apresenta importante variação
interna, elemento essencial da sua riqueza como língua. Aqui se deixam os mais
marcantes traços distintivos de cada uma das variedades.
O mirandês central ou padrão
As principais características do
mirandês central foram apresentadas no ponto anterior, ainda que de modo
relativo. Quanto às restantes variedades a melhor maneira de as apresentar é
dizer aquilo em que divergem face ao mirandês central. Convém prevenir que
essas distinções não são absolutas, já que muitas aldeias onde predomina a
variedade do mirandês central apresentam traços do mirandês raiano e do
sendinês, e também existe uma grande proximidade entre vários fenómenos do
mirandês raiano e do sendinês. Em geral, todas as variedades apresentam algum
vocabulário diferenciado, várias formas gramaticais distintas, e também algumas
regras sintácticas próprias.
Ainda no que respeita ao mirandês
central, anotem-se dois fenómenos que serão relativamente recentes, que também
se verificam no mirandês raiano e a que apenas o sendinês tem sido imune:
- a tendência, hoje quase
generalizada, para substituir as formas do artigo definido masculino l, ls por al, als;
- a tendência quase generalizada
para dizer como an / am as sílabas en / em quando são intercaladas (ou não
em início absoluto de palavra) átonas: antender > antander;
tendência > tandéncia; centeno
> çanteno.
O sendinês ou mirandês do Sul
Das variedades do mirandês, a que
apresenta diferenças mais sensíveis é o sendinês. Em termos de ortografia, a
convenção seguida é a mesma, apenas se permitindo que os sendineses, se o desejarem,
possam escrever com l- em início de
palavra em vez de lh- (ex. luna / lhuna, para a palavra ‘lua’). Tal
liberdade foi consagrada na 1ª Adenda à Convenção Ortográfica da Língua
Mirandesa, de Fevereiro de 2000.
Outras distinções a assinalar,
além da sintaxe e do léxico, que apresentam diferenças muito significativas,
são as seguintes:
i. - o tratamento de respeito é,
no mirandês central e raiano, na 2ª pessoa do plural (Exemplo, Á tiu Antonho, bós stais an casa manhana a la
purmanhana?), e é, no sendinês, na 3ª pessoa do singular (Á tiu Antonho, el stá an casa manhana a la
purmanhana?);
ii. - os ditongos crescentes «ie»
e «uo» não têm vigência em sendinês. Por isso, e como exemplo, as palavras castielho, tierra, ciento, miel, abierto;
bien, niebe, siempre, fierro, diente, semiente,
piedra lêem-se (sem reflexo na escrita) em sendinês castilho, tirra, cinto, mil, bin, nibe, simpre, firro, dinte, seminte,
pidra. Também as palavras fuonte,
buono, puonte, uolho, buolta, nuoç,
puorta, nuobo, nuosso se devem ler an sendinês como funte, buno, punte, ulho,
bulta, nuç, purta, nubo, nusso. Em qualquer caso, deve dizer-se que as
vogais «i» e «u», nesses casos, se distinguem de modo muito particular, a
assinalar características próprias.
iii. - o sendinês tem um sistema
próprio de ditongos, correspondente às vogais «i» e «u» tónicas e que soam de
modo difícil de representar, mas que se pode dizer que variam entre «ei/ai/uoi»
(exemplos: bino, mil, çtino) e «iu/au» (exemplos: burra, mula) respectivamente.
iv. - a queda do «g» depois de
–i- tónico [ami(g)o, fi(g)o, tri(g)o],
traço que também se verifica em Paradela (zona raiana) e, de modo menos
regular, em outras aldeias como Constantim (zona raiana);
v. - a palatalização de «c» em –ico (ex. cachico) e de «g» em –ingo/inga
(ex. demingo, spingarda), traço que
também se apresenta em outras localidades, embora em algumas de modo menos
regular;
vi. – o ditongo mirandês –on tem pronúncia similar ao português
–ão (coraçon / coração);
vi. – apresenta significativas
diferenças ao nível das formas de quase todos os pronomes (ex.: esto / aquesto, esso / aquesso, aqueilho;
algue, nanhue) e forma também específicas em advérbios (ex.: antoce).
O mirandês raiano
O mirandês raiano apresenta uma
grande proximidade do mirandês central, sendo as diferenças mais acentuadas
numas aldeias que nas outras, pois uma das características dessa variedade é a
sua falta de unidade de aldeia para aldeia. Podem, porém, apresentar-se as
seguintes diferenças fundamentais, além de aspectos de léxico:
i. - o artigo definido masculino
assume as formas lo, los em vez de l, ls, embora o uso esteja mais
vulgarizado na forma do plural, usando-se no singular a forma al, com excepção de Constantim, no que é
coincidente com a maioria das expressões do mirandês central;
ii. - o uso de algumas formas de
conjunções e advérbios com características próprias, por ex. más em vez de mais, fenómeno que é extensivo a várias aldeias que integram o
mirandês central.
Há outros fenómenos a referir,
mas que apenas se verificam em algumas aldeias:
i. - queda do «g» intervocálico
em termos idênticos ao verificado em Sendim, com particular destaque para
Paradela;
ii. - o uso do plural feminino «-es»
em vez de «-as», em São Martinho de Angueira;
iii. - o uso de algumas formas do
pronome possessivo (esso/aquesso, esto/aquesto) tal como em Sendim;
iv. - sobretudo em Paradela, a
palatalização de «c» em –ico (ex. cachico) e de «g» em –ingo/inga (ex. deimingo, spingarda), tal como no sendinês.
10. Como se dá a transição do mirandês de língua exclusivamente oral a
língua também escrita?
A língua mirandesa manteve-se
como língua exclusivamente oral até 1884, ano em que José Leite de Vasconcelos
publicou o poemário Flores Mirandesas,
a primeira obra escrita em mirandês. No último quartel do século XIX vários
autores mirandeses publicaram obras em mirandês, em particular traduções de
autores clássicos e de «Os Quatro Evangelhos», com destaque para Bernardo
Fernandes Monteiro, Manuel Sardinha e Francisco Meirinhos. A escrita seguida
por José Leite de Vasconcelos era muito complexa, visando expressar toda a
riqueza da oralidade, mas um sistema de escrita mais simples foi apresentado
por Gonçalves Viana, depois seguido por vários autores. Daí em diante a escrita
da língua mirandesa oscilou entre aquelas duas propostas, até que em 1999 é
publicada a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa, cujo projecto esteve em
discussão desde 1995.
A Convenção Ortográfica da Língua
Mirandesa foi elaborada, com o apoio de vários falantes, por estudiosos de mirandês
e por linguistas dos Centros de Linguística da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa e da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em
2000 foi aprovada a Primeira Adenda à Convenção Ortográfica e está em discussão
pública a Segunda Adenda.
A Convenção Ortográfica da Língua
Miranesa, e as suas Adendas, veio permitir uma crescente harmonização da
escrita da língua, hoje seguida pela esmagadora maioria dos autores que
escrevem em mirandês e adoptada no ensino do mirandês nas escolas.
A discussão e investigação em
torno da escrita da língua mirandesa ainda não se pode considerar concluída,
nomeadamente porque a Convenção Ortográfica e as suas Adendas não abarcam todos
os aspectos relativos à escrita da língua. A edição de manuais de ensino, de
uma moderna e desenvolvida gramática do mirandês (já existe uma gramática
publicada em 1900 por José Leite de Vasconcelos) e de um grande dicionário de
língua mirandesa, são também materiais essenciais nesse percurso de
normatização da língua.
11. Qual o actual estatuto jurídico da língua mirandesa?
A língua mirandesa é hoje uma
língua oficial de Portugal, embora de natureza regional ou local e o elenco de
direitos reconhecidos em lei esteja reduzido ao seu mínimo, ou até menos que isso.
A aprovação da Lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, por unanimidade e aclamação na
Assembleia da República, é fruto, em primeiro lugar, dos esforços e da visão do
deputado mirandês Júlio Meirinhos. Para tal contribuíram também os esforços de
vários mirandeses e de académicos que puseram em destaque os aspectos
científicos da língua, alicerçando a sua credibilidade. Dessa lei se destacam
os seguintes preceitos: “O presente diploma visa reconhecer e promover a língua
mirandesa” (art. 1º); “O Estado Português reconhece o direito a cultivar e
promover a língua mirandesa, enquanto património cultural, instrumento de
comunicação e de reforço de identidade da terra de Miranda.” (art. 2º); “É
reconhecido o direito da criança à aprendizagem do mirandês, nos termos a
regulamentar.” (art. 3º); “As instituições públicas localizadas ou sediadas no
concelho de Miranda do Douro poderão emitir os seus documentos acompanhados de
uma versão em língua mirandesa.” (art. 4º).
A lei do mirandês, como passou a
ser conhecida, pese embora a viragem que significou para a alíngua mirandesa,
deve ser encarada com todas as suas limitações. Apesar destas, o Estado
Português e as Autarquias da região onde se fala a língua continuam,
incompreensivelmente, sem assumir os seus compromissos em relação à língua, tal
como resultam da lei.
12. Qual a situação do ensino da língua mirandesa?
O ensino da língua mirandesa
iniciou-se em 1985/86, na Escola Preparatória de Miranda do Douro, com Domingos
Raposo, aí se mantendo por vários anos, reduzido a duas turmas do 5º e do 6º
anos.
Entretanto, o ensino foi
regulamentado pelo Despacho Normativo,
do Ministro da Educação, n.º 35/99, de 5 de Julho, na sequência da lei nº 7/99,
de 29 de Janeiro. O ensino é considerado como opcional. Esta regulamentação do
ensino sofre de graves deficiências, o que tem levado a uma diminuição do
número de horas lectivas (agora reduzidas a uma hora semanal), a um processo de
colocação de professores com graves irregularidades, à ausência de apoio à
formação de professores e à edição de materiais de apoio ao ensino, entre
outros problemas. Aguarda-se um novo estatuto do ensino do mirandês, cuja
necessidade já foi publicamente reconhecida pelos dois principais partidos, e
para que já foram apresentadas propostas ao Ministério da Educação, que
continua sem dar resposta a este problema, tão simples de resolver.
Já em 2000, o ensino estendeu-se
às escolas primária e preparatória de Sendim, com Carlos Ferreira. Hoje a
língua mirandesa é ensinada em todas as escolas do concelho de Miranda do
Douro, da pré-primária ao 12º ano, como disciplina de opção, devendo-se essa
expansão aos esforços iniciados por Carlos Ferreira e continuados e levados a
bom termo por Duarte Martins.
A língua mirandesa foi também
ensinada na UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Pólo de Miranda
do Douro), em cursos ministrados por Domingos Raposo, hoje, infelizmente,
abandonados.
Fora do ensino oficial têm sido
realizados vários cursos, de diferente natureza, apenas tendo carácter regular
o ensino organizado pela Associaçon de
Lhéngua Mirandesa, em Lisboa, desde 2001, em cursos iniciados por Amadeu
Ferreira e hoje também ministrados por Francisco Domingues e por Bina
Cangueiro.
13. Existe uma literatura em língua mirandesa?
Sempre existiu uma riquíssima
literatura mirandesa de tradição oral, nos mais diversos domínios da expressão
popular: poesia, romance, conto, cantiga, oração, etc. Uma parte importante
desse património está ainda por recolher e, sobretudo, por organizar e estudar.
Parte importante dessa literatura é em português e em castelhano, mas um núcleo
significativo é em mirandês. Só por desconhecimento dos organizadores se pode
compreender que apenas um poema popular mirandês figure na antologia Rosa do Mundo, editada em 2000 e que
pretende ser representativa da poesia mundial dos últimos 2000 anos. Essa
literatura, a par de outros aspectos da cultura mirandesa, faz parte do
património cultural da humanidade
A literatura escrita em língua
mirandesa inicia-se em 1884, com a publicação do poemário de José Leite de
Vasconcelos, Flores Mirandesas. A
este autor se devem também algumas traduções de trechos de Luís de Camões. Ainda
no século XIX, assistimos à publicação de poemas originais por Francisco
Meirinhos, de traduções de Camões e de Antero de Quental por Manuel Sardinha,
de Camões e dos Quatros Evangelhos por Bernardo Fernandes Monteiro, autor que
também publica a tradução de contos e diálogos vários. Deve-se a Francisco
Garrido Brandão uma peça de teatro em mirandês, Sturiano i Marcolfa, publicada por José Leite de Vasconcelos e uma
versão de inúmeros lhaços em
mirandês, ainda inéditos..
Já no século XX, António Maria
Mourinho publica vários poemas em mirandês, depois reunidos no volume Nuossa Alma i Nuossa Tierra, a que se
veio juntar mais tarde o poema Scoba
Frolida an Agosto e outros poemas dispersos. A um autor não mirandês se
deve uma importante peça de teatro em mirandês, As Saias (1938), que chegou a ser representada no Teatro Nacional
D. Maria II.
Este período, sem prejuízo do
valor literário das obras produzidas, teve como principal finalidade o
estabelecimento de um corpus que
fixasse um património linguístico ameaçado, como é expressamente referido pelos
autores. Porém, a evolução da língua mirandesa como língua literária, em
sentido moderno, não tem parado, apesar de a pouca difusão das suas obras
tornar tal realidade menos evidente. Também do ponto de vista literário não há
línguas menores, porque nenhuma língua é, à partida, inferior a qualquer outra
e a nenhuma está negada a capacidade de expressão literária elevada. É neste
contexto que deve ser encarado o surto de literatura mirandesa a partir dos
anos 90 do século XX, e o surgimento de autores vários que saliento têm vindo a
publicar com mais ou menos regularidade:
i. na poesia, Adelaide Monteiro,
Alcides Meirinhos, Amadeu Ferreira (e dos seus pseudónimos Fracisco Niebro,
Marcus Miranda i Fonso Roixo), Célio Pires, Conceição Lopes, Domingos Raposo,
Emílio Martins, José António Esteves, José Francisco Fernandes, Manuel Preto,
Marcolino Fernandes, Rosa Martins.
ii. em prosa, Alcides Meirinhos, Alcina
Pires, Alfredo Cameirão, Amadeu Ferreira (e o seu pseudónimos Fracisco Niebro i
Marcus Miranda), Ana Maria Fernandes, António Bárbolo Alves, Bina Cangueiro,
Carlos Ferreira, Duarte Martins, Faustino Antão, Válter Deusdado.
Várias das obras destes autores
estão dispersas por jornais e revistas, em especial o Jornal Nordeste / Fuolha Mirandesa, mas também por sítios e blogs
na internet, onde outros autores têm vindo também a fazer o seu caminho. A
estes autores devem acrescentar-se vários escritores jovens que se têm revelado
nos jornais escolares e na revista La
Gameta. Muitas outras pessoas têm vindo a escrever mirandês com
regularidade, mas já não no domínio literário, razão por que não são aqui
referidas.
A capacidade de gerar literatura
em vários níveis e em diversos géneros tem sido seguramente um dos modos de
afirmação da língua mirandesa. Apesar de tudo o que fica dito, a literatura
mirandesa é sobretudo uma literatura do século XXI, pois nos poucos anos deste
século se escreveu mais do que em toda a história da língua. Embora ainda muito
presa ao seu próprio passado, de cunho memorialista, e ao tema da própria
língua, a literatura mirandesa, em especial a poesia, cada vez mais se aventura
pelos caminhos da modernidade, nenhum tema ou forma lhe sendo alheios.
Como tem acontecido em qualquer
literatura nascente, também em mirandês é muito significativo o número de
traduções de obras de vário tipo, em particular a banda desenhada (Asterix, l Goulés e L Galaton), o conto e a poesia (Ls
Lusíadas) e a história (Stória dua
Lhéngua i dun Pobo, de José Ruy), para referir apenas alguns exemplos.
Uma boa maneira de ir
acompanhando o que de novo se vai fazendo na literatura mirandesa é acompanhar
os diversos blogues i sítios da internet acessíveis a partir de http://frolesmirandesas.blogspot.com
14. Que uso faz o mirandês e os mirandeses da internet?
Desde muito cedo o mirandês
marcou presença na internet, seja em sites seja em blogues de um ou vários
autores. Mais recentemente, já em 2009, o mirandês também passou a dispor de
uma Biquipédia que, aos poucos, tem
vindo a crescer e afirmar-se, elemento essencial para a divulgação do mirandês.
Aí se podem encontrar referências ao essencial da sua bibliografia.
Desde bem cedo alguns sítios da
internet começaram a dedicar uma especial atenção à língua mirandesa, de entre
os quais é justo destacar o sítio da aldeia de Picote, que contava, então, com
o especial empenho de Reis Quarteu. Amadeu Ferreira começa a publicar crónicas
em mirandês em www.diariodetrasosmontes.com
no dia 2 de Abril de 2001.
O primeiro site dedicado
integralmente ao mirandês, e que marca uma viragem no panorama do mirandês na
internet, terá sido o www.mirandes.no.sapo.pt
promovido e coordenado pela doutora Manuela Barros Ferreira, com início em
Dezembro de 2001. É um sítio em que a língua de referência é ainda o português
assim como o blogue que lhe estava ligado http://mirandes.blogspot.com/, ambos
sem actualização desde 2005.
Pouco depois, em Abril de 2002, é
a vez de a Escola EB2 de Miranda do Douro dedicar um site à língua e cultura
mirandesa, embora sem actualização desde então http://surf.to/mirandes
sítio da Escola EB2
A partir de 25 de Fevereiro de
2003 Orlando Teixeira assina várias crónicas no Jornal Nordeste, semanário de
Bragança, tendo por objecto sítios ou blogues que tenham algo a ver com as
terras de Miranda ou com a língua mirandesa.
Nomeadamente a partir de 2006
dá-se uma verdadeira explosão de blogues em mirandês, não fazendo sentido estar
a falar de cada um deles dado o carácter resumido deste texto. Pode ver-se um
panorama relativamente completo de links no blogue http://frolesmirandesas.blogspot.com,
aí incluídos blogues de fotografia, de grupos musicais, de povoações e
instituições, de programas de rádio, cursos de mirandês on-line, de textos vários, traduções, documentos históricos, etc.
Uma fase nova inicia-se com a
tradução de várias ferramentas em mirandês, como foram os casos do hi5, do worpress, i do photoblog.
Depois disso, veio http://mwl.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1igina_Percipal,
a Biquipédia mirandesa. Deve registar-se que o grande obreiro desta nova fase
foi o jovem sendinês Cristóvão Pires.
15. Qual a importância da língua mirandesa para Portugal?
A necessidade da defesa das
chamadas línguas minoritárias tem vindo a tornar-se uma evidência para cada vez
maior número de pessoas. Esse é sobretudo um imperativo orientado a preservar
uma parte indispensável do património cultural da humanidade. Daí que todo o
processo de defesa e promoção da língua deva ser encarado como uma exigência de
cidadania da mais alta importância, que não tem apenas uma dimensão local, mas
nacional e internacional.
A diversidade linguística e
cultural é uma riqueza para Portugal, integrante da nossa identidade. Aceitando
a verdade histórica e sociológica, Portugal deve apresentar-se como país
bilingue e integrar essa referência nos programas das nossas escolas, dando a
conhecer a todos os cidadãos a existência da língua mirandesa, sua origem e
características.
A democracia linguística é um
elemento importante da democracia, em geral, assente no respeito pela diferença.
Não basta uma lei proclamatória, exigindo-se que o Estado, a nível nacional e
local, concretize os compromissos que assumiu em lei, nos mais diversos
domínios.
Além de um problema de dignidade
dos seus falantes, as línguas são também um problema ecológico, entendido em
sentido amplo, que a todos deve preocupar. Pela língua se exprimem culturas,
tradições, saberes e modos de viver que são essenciais ao equilíbrio das
sociedades e ao bem estar dos cidadãos. Também de Portugal. Se o mirandês
desaparecer ninguém ganha nada com isso, mas Portugal, os portugueses e, dentre
estes, os mirandeses ficam mais pobres.
Para os mirandeses e para todos
os concelhos da terra de Miranda, em particular, o mirandês e a cultura
mirandesa assumem-se também como um importante valor económico, que importa ter
em conta numa região que está em profunda depressão económica e em acelerado
processo de desertificação.
Pelo facto de falarem outra
língua, os mirandeses não são menos portugueses que os outros, como o demonstra
a sua história, nem nunca quiseram ser outra coisa senão portugueses. Hoje os
mirandeses continuam a ser bilingues e a sua afirmação do mirandês não implica
a negação do português. Defender, promover e desenvolver a língua mirandesa é
um dever de cidadania que se impõe, nomeadamente a todos os mirandeses.
Amadeu Ferreira
Maio de 2010
_____________________________________________________________
In “Trad&Folk” nº 13, Junho
de 2010, revista do 11º Festival Intercéltico de Sendim, edição do Centro de
Música Tradicional Sons da Terra (Sendim), pp. 59/83
Jose Santos Silva escreveu:Não sei o que pensas sobre o assunto. Mas o Lelo Demoncorvo devia receber "A Ordem do Mérito é uma Ordem honorífica Portuguesa que visa distinguir actos ou serviços meritórios que revelem desinteresse ou abnegação em favor da colectividade, no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas."
ResponderEliminarJose Santos Silva escreveu:O blog dele deve ser considerado de interesse publico e elaborado um compêndio com o seu conteúdo, antes que seja tarde de mais
ResponderEliminarFinalmente um texto claro,rigoroso e esclarecedor sobre o mirandês.Farto de lhe chamarem dialecto ,língua charra e outras parvoíces próprias da prepotência da ignorância vigente.Bem-hajam o autor e o divulgador.
ResponderEliminarLeitor
Sta mui biên screbidu, claru ye d'Amadeu Ferreira. Mas hai un erru :
ResponderEliminar"ii. - o uso do plural feminino «-es» em vez de «-as», em São Martinho de Angueira;"
deve ler-se :
"ii. - o uso do plural masculino «-es» em vez de «-os», em São Martinho de Angueira;"
Tamiên hai que dezir que ne la Pruôba acuntéce la mésma cousa :)