O FIO DAS LEMBRANÇAS (6)
Seminário de Vinhais - 2011 |
(Excerto da biografia que escrevo sobre Amadeu
Ferreira)
«Não era habitual o bispo falar directamente
com os seminaristas, em conversa pessoal e comigo era a primeira vez que tal
acontecia. Em qualquer caso fiquei com a ideia de que ele tinha andado a informar-se
sobre mim, e, sobretudo, que tinha recebido queixas a meu respeito. Na medida
em que eu tinha sido autorizado a dar explicações a alunos fora do seminário,
justamente pela direcção do seminário, pelo reitor e pelo vice-reitor, a
atitude do bispo constituía um ataque frontal à direcção do seminário e um
alinhamento pelas posições mais retrógradas, nomeadamente do vigário-geral,
cónego Ângelo Melenas, com quem me tinha incompatibilizado nas aulas.»
O bispo chamou Amadeu em privado e dessa
conversa relato os termos em que o meu biografado a contou:
Seminário de Vinhais 1953 |
- “Você anda com uma vida que não pode
continuar assim! Você tem de mudar de ideias e mudar de vida. Os professores
queixam-se de que você não aceita nada, tem ideias ateias, ninguém sabe se você
acredita em Deus ou não acredita em Deus.
Eu só sabia que o caminho da renovação da
Igreja passava pela Teologia da Libertação.
- Portanto, tem que mudar de vida. Você anda
para aí a dar explicações a raparigas, isso não pode ser. Um seminarista não
pode fazer uma coisa dessas. Isso não é bom, isso faz-lhe mal, dá-lhe maus
pensamentos. Ainda se ao menos você substituísse as raparigas por rapazes! Você
é um rapaz esperto, mas tem umas ideias malucas, você parece que já é ateu,
está sempre contra os professores, contesta tudo, nós não o queremos cá assim.
Portanto, vai ter de mudar de vida !”
Amadeu não se deixou intimidar e muito menos
convencer e respondeu taxativamente ao bispo:
- “Eu não mudo nem de vida nem de ideias!”
«Expliquei que tinha de pagar os estudos aos meus
irmãos. Ele não quis saber. Aliciou-me dizendo que, se eu quisesse seguir outro
caminho, podia mandar-me para Roma para acabar o curso de Teologia. Fazia lá o
doutoramento ou se não quisesse Roma, em Lovaina ou em Paris. Lembro-me bem de
serem estes os três sítios mencionados. Eu disse que não, que não queria sair
de Portugal, que queria estar ali e que não ia mudar de ideias nem de vida,
porque precisava daquela vida para ajudar os meus irmãos e quanto às ideias
eram as ideias que me pareciam certas. Soube mais tarde que o bispo terá feito
propostas semelhantes a outros colegas meus, o que não abona muito em relação à
sua intenção de as cumprir, ideia que tive desde a primeira hora.»
E Amadeu foi expulso. Faltavam cinco meses
para terminar o curso de Teologia.
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