Nos 40 anos de Vida Literária de Ernesto Rodrigues - Biblioteca Municipal de Bragança |
Em Junho de 1974 eu tinha dezassete anos e
pouco sabia de mim. Descia a rua Almirante Reis até à Praça da Sé e entrava no
Chave d’Ouro para tomar café. O Ernesto acolhia-me com um estranho sorriso
“Então meu velho?” e o Alcides atirava-me um aceno. No centro da mesa, aberto,
o Mensageiro de Bragança a que familiarmente
nos referíamos apenas como O
Mensageiro. Fazia nesse ano 34 anos de existência (o dobro da minha vida) mas
para mim existia desde sempre. Desde que me conhecia.
A Praça da Sé era, nessa altura e desde sempre
também, jurava eu, o centro do mundo. O Chave d’Ouro era o Sanctum Sanctorum,
ladeado pelo juvenil Cruzeiro e pelo maduro Flórida. Era no Chave d’Ouro que se
reunia a trupe do Mensageiro. Com a minha entrada para o Liceu, vindo do Colégio
de S. João de Brito, em 1972, adquiri a faculdade de frequentar este salão
térreo em forma de U imperfeito, em que muitas vezes se entrava sorrateiramente
pela porta da rua Direita, vindo da Livraria Mário Péricles com um livro
escondido, diretamente da secção de Culinária. Lembro-me do Alcides trazendo
debaixo do braço A Funda do Artur Portela Filho, com capa vermelha onde
figurava um busto branco com um buraco no meio da testa.
Garantia aquele meu amigo que a edição seguinte sim ia ser “coisa boa de se ver” pois o busto da capa aparecia com a cabeça feita em cacos. O Ernesto chegava com os seus ilegíveis manuscritos, cheio de ideias e projetos. Haveria de me garantir, numa daquelas mesas, que o futuro lusitano era, seguramente, vermelho. Mas isso seria mais tarde, cabeludos, ambos, barbudo e revolucionário ele, eu alaranjando e com uma penugem bigodesca no lábio superior. Havia outros que eu conhecia menos bem, mas cuja fama, talento e importância invejava. Eram do Mensageiro. Estudantes liceais que escreviam, publicavam, faziam teatro, tertuleavam, ensaiavam e dirigiam secções literárias e de cultura. Eu também escrevinhava umas coisas, algumas delas tinham sido publicadas num jornal de Mirandela, fazia e escrevia teatro. Mas não era do Mensageiro. O Ernesto José Rodrigues, que já na altura indiciava claramente a superioridade que o seu brilhante percurso haveria de confirmar, era um dos meus amigos mais antigos. O Alcides informava-me sobre os livros a pedir, em voz baixa, na Mário Péricles. Com o Carlos Pires falava muitas vezes e cheguei a beber uns finos com tremoços. Trocámos ditos sobre o Carlinhos da Sé e o Laribau. Tomei café com o Marcolino e lembro-me de me ter cruzado várias vezes com o Teófilo. Mas eles eram do Mensageiro e eu não. E isso fazia, no auge dos meus dezassete longos anos, toda a diferença.
Garantia aquele meu amigo que a edição seguinte sim ia ser “coisa boa de se ver” pois o busto da capa aparecia com a cabeça feita em cacos. O Ernesto chegava com os seus ilegíveis manuscritos, cheio de ideias e projetos. Haveria de me garantir, numa daquelas mesas, que o futuro lusitano era, seguramente, vermelho. Mas isso seria mais tarde, cabeludos, ambos, barbudo e revolucionário ele, eu alaranjando e com uma penugem bigodesca no lábio superior. Havia outros que eu conhecia menos bem, mas cuja fama, talento e importância invejava. Eram do Mensageiro. Estudantes liceais que escreviam, publicavam, faziam teatro, tertuleavam, ensaiavam e dirigiam secções literárias e de cultura. Eu também escrevinhava umas coisas, algumas delas tinham sido publicadas num jornal de Mirandela, fazia e escrevia teatro. Mas não era do Mensageiro. O Ernesto José Rodrigues, que já na altura indiciava claramente a superioridade que o seu brilhante percurso haveria de confirmar, era um dos meus amigos mais antigos. O Alcides informava-me sobre os livros a pedir, em voz baixa, na Mário Péricles. Com o Carlos Pires falava muitas vezes e cheguei a beber uns finos com tremoços. Trocámos ditos sobre o Carlinhos da Sé e o Laribau. Tomei café com o Marcolino e lembro-me de me ter cruzado várias vezes com o Teófilo. Mas eles eram do Mensageiro e eu não. E isso fazia, no auge dos meus dezassete longos anos, toda a diferença.
Generosamente o Ernesto convenceu-me que eu
podia enviar um dos meus poemas para análise na secção de poesia do Mensageiro.
E eu enviei. “É velha, muito velha, a minha aldeia / Mais velha que a mais
velha das velhas da minha aldeia...” dizia. Foi publicado.
Corria, estridente, o ano de 1974. Vermelho
como o Ernesto dissera. Estourando com todas as convenções como o Alcides
previra. Eu alaranjava, cabeludo, arremedo de bigode a enfeitar-me o lábio e
tinha dezassete anos. Pouco sabia de mim. Dentro desse pouco rebentava o muito:
eu também já era do Mensageiro. A minha velha aldeia fora a Chave d’ Ouro, na
mão do amigo de sempre, que abrira a porta para a tertúlia mais importante do
Mundo e da Praça da Sé. Que me acolheu de novo, quarenta anos depois, na
Biblioteca Adriano Moreira, em homenagem ao mais brilhante de todos: Ernesto
José Rodrigues!.
Obrigado velho amigo.
Um abraço!
Tenho lido vários texto do nosso presidente da Assembleia Municipal e, embora não seja do mesmo grupo politico, digo-o, com orgulho de moncorvense, que são uns belos textos e a ler com atenção.Do autor citado -Ernesto Rodrigues - li fascinado A Casa De Bragança.Obra de ficção de grande rigor histórico.
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