domingo, 18 de janeiro de 2015

CASTELO DE ALGOSO, por Fernando de Castro Branco

De longe, quebrando repentinamente a linha da visão sobre castelo, uma impressiva borboleta amarela diz-nos que cada qual toma para si a parte do tempo que lhe cabe, uma eternidade adequada ao instante de quem passa. Na distância, o Castelo irrompe como um excesso de pedra impossível de segregar pelo fluxo telúrico da natureza. O sol cai inclemente neste estranho outono, cercando a base eruptiva dos rochedos, a suavidade irregular das montanhas quietas, esperando pacientemente o repouso dessa luz extemporânea. Do lado Norte, a variável geometria das escarpas esculpidas de vinhedos desfeitos e pequenas árvores cansadas. De há muito se sumiu a borboleta amarela, envolta no seu voo discreto e súbito. Avançamos ao lugar onde o tempo se demora. Vestida de bruma, lá nos confins, a Torre de Menagem de Penas Róias some-se minúscula no meio de uma desbotada nuvem de sol, e nós avançamos com os olhos cravados no cume do castelo de Algoso, como um íman de pedra a quem não se resiste. Daqui, o Castelo ergue-se como um cubo irregular sobre a pederneira, uma espécie de grosso e solitário dente de ancião implantado ferreamente num inamovível maxilar rochoso.
FERNANDO DE CASTRO BRANCO

Fonte: "ONDE NADA SE REPETE" - crónicas à volta do património. (excerto)

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