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Sinopse: Tendo desempenhado múltiplas actividades no âmbito da política cultural, o autor convida à reflexão sobre questões pertinentes desta relação. Às diferentes dimensões analisadas não é alheia a sua formação em Sociologia e História, o que resulta num ensaio polissémico, por vezes algo controverso e provocador.
Sem receios do «politicamente incorrecto», Fernando Pereira Marques persegue o seu objectivo de alertar as nossas consciências para a necessidade de inverter as concepções de desenvolvimento e sociedade, moldadas pelo curto prazo e uma visão instrumental do Homem e mercantilista da vida.
Numa obra de grande valor pedagógico, percorre as origens da cultura, a relação com a política, a politização em regime democrático, a crise da cultura e o repensar das políticas, a relação com as novas tecnologias da informação e da comunicação, o império da imagem e a religião televisiva, o fracasso da democratização cultural, a necessidade de resistência à desumanização da cultura, que destrói os fundamentos do paradigma cultural ocidental, o impacto das novas tecnologias na memória colectiva, a mercantilização da cultura, a ilusão multicultural em que vivemos e a importância da cultura para o desenvolvimento.
O autor: Fernando (Alberto) Pereira Marques nasceu em Coruche, a 16 de Abril de 1948.
É doutor de Estado em Sociologia pela Universidade de Amiens (França), professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
Entre outros cargos, foi dirigente nacional do Partido Socialista, deputado à Assembleia da República, presidente da Subcomissão de Cultura e membro da delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
É autor de vários livros nas áreas do ensaísmo e da investigação, colaborador em publicações periódicas e director-adjunto da revista Finisterra.
Algumas obras do autor: De que Falamos quando Falamos de Cultura?, 1995; A Praia sob a Calçada – Maio de 68 e a «Geração de 60», 2005; Esboço de um Programa para os Trabalhos das Novas Gerações, 2007; Sobre as Causas do Atraso Nacional, 2010.
PREFÁCIO
Cultura e
Política(s) é um conjunto de reflexões que obrigam a
uma leitura atenta e interessada. Trata-se de um ensaio em que o diálogo entre
cultura e política está presente não como um exercício de política setorial,
mas como uma análise sobre a democracia e sobre a exigência de ver a reforma
das instituições enquanto corolário da cidadania e do respeito e salvaguarda
dos direitos fundamentais e da dignidade humana. O leitor segue, assim, nesta
obra um percurso coerente que começa nas considerações académicas sobre a noção
de cultura e continua nas relações entre a política e a cultura, na crise da
cultura e no repensamento das políticas públicas, na religião televisiva e na
luxúria comunicacional, no fracasso da democratização cultural, na resistência
à desumanização cultural, nos elos entre a memória coletiva e as novas
tecnologias, no triângulo livro, língua e silêncio, no pensar do relativismo
cultural e da ilusão multicultural e na valorização da cultura como fator de
desenvolvimento.
Fernando Pereira Marques articula
permanentemente a sua veia pedagógica e a força crítica, como alguém que não
baixa os braços perante a necessidade de contribuir para a construção da
República moderna, como cidade de pessoas livres e iguais. Conheci-o sereno
combatente, e assim continua. E podemos recordar, como faz o autor, Jaime
Cortesão a afirmar que «o conceito de cultura abrange quer as formas de domínio
do homem sobre a natureza, quer as criações sociais ou individuais que visam a
expandir, a dignificar e exaltar a vida humana». E percebemos que o pensamento
sobre a cultura, a civilização e a vida tem de equacionar as grandes
interrogações sobre a humanidade e a construção de uma melhor sociedade, em
articulação com a dignidade pessoal, porque, como afirma o historiador: «sempre
que a cultura tende, por qualquer das suas formas, a libertar o homem da
mentalidade dogmática, imposta pela compressão social, a eliminar o jugo da
submissão gregária sem limites e da fé ortodoxa sem opção, trata-se, ao que
pensamos, da sua forma superior – a civilização – cujo sentido se contém na
raiz etimológica».
Conheço Fernando
Pereira Marques há mais de trinta anos. Fizemos campanhas políticas juntos,
partilhámos reflexões e leituras, convergimos a maior parte das vezes nas
preocupações da liberdade, da justiça, da emancipação e da cultura como
criação. Somos da fundação da revista Finisterra. Por isso, quando me
pediu para escrever estas linhas, não tive qualquer dúvida em aceitar,
sentindo-me muito honrado pelo convite. Ao ler a obra, verifiquei o que sabia
de antemão – trata-se de um texto oportuno, porque o sentido crítico e a ideia
de cultura viva são ingredientes fundamentais da democracia contemporânea. Sem
inconformismo, sem debate, sem crítica não há vida democrática. Ao contrário do
que muitas vezes se ouve, numa lógica burocrática ou tecnocrática, os valores
democráticos não são neutros, do mesmo modo que as políticas públicas não podem
ser neutras relativamente aos direitos, às responsabilidades e à cidadania.
Popper, Berlin, Bobbio e Steiner insistem neste ponto. E o tema tornou-se hoje
mais atual que nunca, uma vez que a crise financeira, económica e de valores
que vivemos nos ensinou que não estamos diante de questões técnicas, mas sim perante
a construção da democracia, ela mesma. E que é a democracia, como no-lo tem
ensinado Eduardo Lourenço, na linha da sua heterodoxia (e na continuidade de
Montaigne ou dos nossos Joaquim de Carvalho e Sílvio Lima), senão o domínio da
imperfeição? Herculano pôs, assim, a tónica na vontade. Aliás, quando o nosso
autor recorda T. Adorno e M. Horkheimer, num passo que há muito nos aproxima (e
que o tempo veio a confirmar no seu risco e perigos), a verdade é que temos de
contrapor a singularidade e o sentido de comunidade à cultura de massa,
«fomentada pelas novas tecnologias mediáticas e impulsionada pelo hibridismo
cultural de sociedades do tipo “norte-americana”, como sendo um instrumento
ideológico, gerador de vulgaridade e de uniformização, conducente mesmo ao
“eclipse da Razão” (Horkheimer)». E não é por acaso que Hannah Arendt fala de
«um entretenimento de massa»… Ortega y Gasset e Elias Canetti alertaram-nos,
com insistência, para esses riscos. E o certo é que a cultura caracteriza-se
pela diferença, pela qualidade e pela recusa da mediocridade.
Não por acaso,
devo lembrar nesta circunstância que tive, nas minhas andanças educativas, em
Fernando Pereira Marques um aliado fiel, inteligente e permanente, na exigência
de articular educação, ciência e cultura. E é pena que, entretanto, se tenha
perdido algo que tem de ser recuperado e que está na melhor tradição
republicana, que respeita à presença da «formação cívica» numa Escola de
cidadãos. Como deputado, na Assembleia da República, Fernando foi um defensor
ativo e determinado da formação cívica nas escolas e não posso deixar de
insistir na exigência de dar ao espaço previsto na Lei de Bases do Sistema
Educativo o lugar indispensável a que tem direito e que deve ser retomado, não
como um momento discursivo, mas como um lugar de liberdade e de
responsabilidade, de exemplo e de experiência, na tradição da «República
Escolar», defendida por António Sérgio num dos textos mais importantes do
pensamento educativo em Portugal – «Educação Cívica», de 1915, publicada na
revista A Águia.
Ao longo das
reflexões que constituem Cultura e Política(s) temos o testemunho vivo,
livre e desassombrado de quem merece o nosso respeito e atenção por tudo quanto
tem feito no seu longo e multifacetado percurso cívico. Afinal, trata-se da
ilustração de que «nenhum desenvolvimento durável é concebível se não tiver em
conta a cultura, entendida como “vida das pessoas na sua totalidade” e os
valores que ela comporta, ou, de forma mais restrita, como a atividade
artística na sua diversidade» – segundo a justa expressão do relatório do
Conselho da Europa «La Culture au Coeur» (1997). Mais do que programas ou do
que fórmulas, precisamos de experiência crítica e de debate criador, centrado
na pluralidade das ideias e dos movimentos.
Continuo fiel ao
princípio «tudo é movimento», de Eduardo Bernstein. E, quando falamos de
identidade cultural, como realidade complexa e aberta, temos de compreender que
o cerne da construção democrática obriga a que o pluralismo e a inclusão sejam
vistos articuladamente. Por isso Fernando Pereira Marques lembra: «o
reconhecimento da diferença e o respeito por outras identidades devem
distinguir-se da presunção apriorística do seu nivelamento […]. A defesa do
entendimento e da convivência entre as diferenças – culturais, étnicas,
civilizacionais – numa perspetiva humanista, não implica a atitude angelical de
se iludir o caráter intrinsecamente conflitual, no decurso da história das
relações intercivilizacionais». Falar de cultura é pensar a democracia. O
primado da lei, a generalização da cidadania inclusiva, o pluralismo constituem
elementos fundamentais de uma sociedade de pessoas livres e iguais. Norberto
Bobbio lembra-nos, por isso, que devemos criar uma sociedade de liberdade igual
e de igualdade livre. E, como afirmam Charles Taylor, Michael Walzer ou Michael
Sandel, o «reconhecimento» e a presunção do igual respeito e da igualdade de
todas as culturas são pressupostos da cidadania, pela compreensão das
diferenças e da universalidade da dignidade da pessoa humana. Eis por que
motivo as reflexões que se seguem, sobretudo no que contêm de durável e de
desafiante para o futuro, merecem uma especial atenção.
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