No início de um novo ano, o bispo da diocese
de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, repassou os principais temas em revista
e abriu as portas de 2015. Falou ainda sobre o sínodo extraordinário da
família.
Mensageiro de Bragança: Este ano houve algumas
alterações à configuração da diocese, com algumas alterações às Unidades
Pastorais. Que balanço faz?
D. José Cordeiro: A Igreja no seu todo, e
também aqui na nossa diocese, está sempre em reforma e tem de estar sempre a
reorganizar-se para ser mais fiel a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. A atual
configuração em 25 Unidades Pastorais ainda não é definitiva. Propusemo-nos,
até 2017, neste projeto pastoral que a diocese está a viver, ‘Juntos com Cristo
nos Novos Caminhos da Missão’, adaptar e adequar as nossas instituições e
estruturas aos novos desafios da Missão, porque não podemos continuar a
trabalhar, a viver, a anunciar como se fazia há dez anos, há 20 ou há 30. Mas,
mantendo a substância do Evangelho e da Fé, adaptar. As condições mudaram. A
mudança é este convite permanente, que leva também às estruturas.
No nosso
caso, até mais do que o despovoamento, a diminuição de pessoas, a escassez de
vocações sacerdotais, é sobretudo o grande peso das estruturas. E, aqui, era
muito sentido. Tanto nas questões logísticas como as próprias estruturas
pastorais. Reorganizámos a passámos de 12 a quatro arciprestados e é aí que
estamos a fazer convergir e reorientar toda a ação pastoral, especializada e no
seu todo, dos sacerdotes, dos diáconos, das pessoas consagradas, dos leigos e
leigas, de todas as pessoas que vão aderindo às propostas da formação
permanente para continuarem a ser fiéis a Jesus Cristo, mas hoje e não voltados
apenas para o passado. É importante, estamos gratos por ele, mas toca-nos,
hoje, construir o futuro tendo em conta o passado mas, sobretudo, estarmos
abertos aos desafios do Espírito de Deus no hoje da História. Atentos às
necessidades dos nossos irmãos e a sermos cada vez mais responsáveis diante de
Deus e das outras pessoas e no mundo atual, procurando que o nosso testemunho,
a nossa oração, corresponda cada vez mais ao Evangelho de Jesus Cristo. Toda a
nossa ação parte da oração. Se não, reduz-se à filantropia, à solidariedade
social ou, até, a uma economia social. Da nossa parte é muito mais do que isso.
Tem de ter em conta esses parâmetros, para que seja devidamente organizada, de
forma inteligente, mas ela brota da caridade do Coração de Deus, da Luz da Luz
que no Natal sublinhamos mas que, sobretudo na Páscoa, é levada ao seu expoente
máximo. É na Páscoa que nascemos e porque ele está vivo que procuramos mudar
para ser mais fiéis, por amor, por docilidade ao Espírito Santo no aqui e agora
da História.
MB.: Recentemente alterou-se a legislação que
rege as IPSS. Parece-lhe que essa alteração pode afetar as instituições da
diocese?
DJC.: Esta nova disposição do decreto-lei, que
abrange todas as IPSS e no qual as nossas também se incluem, como as
Misericórdias, as Fundações, os Centros Sociais Paroquiais, a Caritas
diocesana, permite uma outra organização e reorganização das mesmas, até
atendendo aos recursos humanos. Para nós, no seu todo, é muito positivo. Aquilo
que pode suscitar alguma reflexão e maior vigilância da nossa parte é que, pelo
facto de todas serem incluídas na lei de bases da economia social, podem,
alguns, menos atentos, distrair-se e olhar para as IPSS católicas como apenas
economia social, centros de emprego ou mera solidariedade humana e social, que
por si só já é positivo mas que, para nós, não basta porque a nossa matriz é a
da caridade fraterna. Da Misericórdia vivida nas 14 obras de Misericórdia
corporais e espirituais e tem que dar esse sentir daquele coração que vê, que
reza, que, à imagem de Cristo pela oração e para a ajuda, pela cura, mostrou o
Reino de Deus em nós; e a ação social caritativa da Igreja não está desligada
da pregação, da evangelização, da liturgia… ela é mesmo evangelização. E por
isso é que é preciso muita atenção. Quando transpomos os critérios mundanos
para aquilo que é evangelho puro, o que é caridade exercida na fidelidade a
Jesus Cristo, podemos correr muitos riscos, entre os quais os do poder, da
riqueza, da fama, e o poder corrói sempre. Às vezes, a ambição do poder corrói
mais. E, nas nossas instituições, não estamos imunes nem livres [de isso
acontecer]. Elas são feitas de pessoas e quando pessoalizamos até o governo
dessas instituições, esquecendo que é um serviço, que aquilo não é nosso, não
somos proprietários mas administradores do bem dos pobres porque aquilo
pertence aos pobres, aos que mais precisam. Se não, as coisas ficam
completamente desfocadas e contratestemunho daquilo que é a ação evangelizadora
da Igreja.
MB.: Um dos grandes projetos que teve em mãos
foi o da catedral, que já está paga. E agora?
DJC.: No governo, na parte pastoral da
diocese, estamos ainda em tempo de arrumar bem a casa. Pôr em ordem todas as
dimensões económicas e financeiras, porque elas têm uma finalidade pastoral. A
economia, organização da casa, também tem um fim pastoral e não pode ter outro.
É ao serviço da evangelização, dos que mais precisam, mas o sentido de caridade
e da Misericórdia e da ação social caritativa com os que mais precisam nascem
da Fé, não de um sentimento apenas filantrópico, social, mas da oração, da
caridade de Deus. Neste sentido, estamos também a reavaliar alguns bens
materiais que temos, nomeadamente a casa do clero e o seminário de Vinhais e à
espera da apresentação de algumas propostas, concretamente para estas casas. Já
estão ligadas ao instituto diocesano do Clero e, nessa mesma linha, temos o
sonho de concretizar a chamada Casa Pastoral, que é a requalificação do
edifício central do seminário de S. José, para lugar da formação permanente da
diocese em várias dimensões, com o IDEP (e para isso ficará uma biblioteca, um
auditório, salas); o primeiro andar para uma casa sacerdotal, para os padres
jubilados e para outros ligados ao serviço diocesano; e, depois, no segundo e
terceiro andares, para casa de retiro, com capacidade para 40 quartos, para
acolher vários grupos e proporcionar, aqui na sede da diocese, um lugar de
formação permanente e espiritual, à semelhança do que já acontece no santuário
dos cerejais. Isto para que os agentes de pastoral da diocese e de fora da
diocese e outras pessoas possam dispor de um espaço condigno para isso porque a
casa do clero deixou de ter essa dignidade e essa possibilidade, bem como no
seminário de Vinhais, que não temos capacidade de resposta para estes
edifícios. Estamos a tentar o melhor, que salvaguarde o património, os
interesses pastorais da diocese.
MB.: A solução para a casa do clero e para o
seminário de Vinhais passa por uma alienação?
DJC.: A casa do clero sim mas o seminário de
Vinhais ainda não é claro. Tem uma carga sentimental muito forte, no clero, mas
foi uma casa que passou por uma história muito complicada. Só é da diocese
desde 1928 e antes era de privados. Gostaríamos de manter a propriedade mas
estabelecer uma relação de comodato ou de aluguer com as finalidades inerentes
à doutrina social da igreja. Estamos a estudar e, em breve, propor essa
finalidade. Eu mesmo me sinto muito ligado àquela casa, pois estudei lá três
anos. Queremos salvaguardar a memória, o património e abrir horizontes de
futuro. A igreja será doada à paróquia de Vinhais, para lugar de oração, como,
de resto, já está a ser.
“Novo tempo na Igreja”
MB.: Que balanço faz do sínodo dedicado à
família, numa altura em que já há um novo questionário?
DJC.: É um tempo novo na Igreja. Este sínodo e
a forma como foi preparado, realizado e como está a ser continuado faz ecoar os
caminhos do Concílio Vaticano II e põe a Igreja numa outra atitude e coloca-a
mesmo em saída, como o Papa Francisco tanto tem insistido, e de portas abertas.
O Papa pediu aos padres sinodais que falassem sem constrangimentos, de coração
aberto, querendo todos o melhor para a Igreja, para a família, para a vida
humana, à luz da Santidade da Palavra de Deus e do grande depósito da Fé.
O questionário já existe e é, também, uma
novidade, porque a relação final do sínodo é que passa a ser “lineamenta” para
o próximo sínodo, em outubro, e é um questionário ainda mais difícil e complexo
do que o anterior porque já é o resultado de todas as reflexões das dioceses de
todo o mundo e, também, do próprio decorrer deste sínodo extraordinário dos
bispos. Tenho muita esperança, se bem que se auguram algumas dificuldades e
resistências, como é proprio quando se abre e se escancara de par em par e se opta
por esta atitude da sinodalidade. Não apenas dentro daqueles dias estabelecidos
para o sínodo dos bispos mas o Papa quer que chegue a todas as bases da Igreja
e é o caminhar juntos. Juntos refletirmos e não descarregarmos as decisões
daqueles que têm o poder de decidir mas que sejam refletidas, amadurecidas,
experienciadas, discutidas pelo maior número de pessoas que respondem, de uma
forma inteligente, séria, disponível e cristã, aos desafios dos dias de hoje
mas sempre à luz do Evangelho.
MB.: Parece-lhe que pode criar alguma divisão
no seio da Igreja ou, por outro lado, é uma oportunidade de abraçar muitos
católicos que não se revêem numa posição mais tradicionalista?
DJC.: Sim, prefiro ver nesse sentido mais
positivo, como uma oportunidade favorável, muito positiva, para se buscar o
essencial e não nos enredarmos naquilo que é detalhe e acessório e que ao longo
do tempo se foi acumulando nos móveis quando estão muito tempo sem serem
limpos, o que retira o brilho e a beleza, como já dizia o Papa Bento XVI. Às
vezes é preciso limpar esse pó e ter a coragem da verdade, da realidade.
O Concílio do Vaticano II perspetivou isso,
aquelas estruturas, aquelas realidades na Igreja que são suscetíveis de mudança
podem mudar. Agora, já sabemos que todas as mudanças trazem consigo enormes
resistências a par, também, de grandes entusiasmos e temos de estar preparados
para tudo isso. É preferível que isso aconteça do que estar a esconder ou a
ignorar ou a não querer saber dos problemas. É preciso ir ao encontro da realidade
dos homens e das mulheres de hoje e das famílias de hoje. A família, para nós,
é fundamental e na Igreja é essencial, porque é a Igreja domnéstica, todos nós
saímos de uma família. O próprio Jesus quis nascer numa família.
Isto não é para entrarmos nos facilitismo mas
é para, juntos, encontrarmos a melhor forma, também na família, de ser essa
Igreja doméstica como o Concílio do Vaticano II lhe chamou e ser a grande
construtora e promotora da paz, do equilíbrio da humanidade. Só posso ver com
grande esperança e com motivo de muita alegria este método de trabalho que o
Papa propôs e que não é fácil, porque, se ao nível de uma Igreja local a
máquina é pesada, ao nível de uma Igreja universal é muito mais pesado ainda,
porque são culturas diferentes, mentalidades completamente diferentes,
realidades eclesiais muito distintas mas há o essencial que tem de nos unir.
Daí o esforço grande de voltar às fontes, ao primeiro milénio e, sobretudo, aos
tempos imediatos a Jesus Cristo e aos Apóstolos e percebermos como era vivido
aquilo que faz uma família, como é vivida essa vida, de relação de amor e de
paz e, se calhar, reconsiderar muitos aspetos jurídico-canónicos, porque, às
vezes, prendemo-nos demasiado àquilo que é mais formal do que propriamente à
substância da família.
Isso é o que vai abrir muitos horizontes
porque a grande questão nestas discussões assenta nos valores que são o eixo do
matrimónio, como a indissolubilidade, a fidelidade, a abertura à vida. Como,
não sei. Não tenho soluções nem receitas.
Mas com o contributo da Igreja do Oriente e de
outras sensibilidades eclesiais e culturais teremos de encontrar o caminho mais
ajustado, porque, na realidade, se se discutem estes temas, é porque as coisas
não estão bem. E como aconteceu ao longo
das várias épocas culturais da Igreja, quando se aponta para um determinado
problema ou situação, ou é porque precisa de ser mais aprofundado ou porque não
está a funcionar bem.
Neste caso, a opção do Papa de ter posto a
mesma temática para dois sínodos seguidos é sinal de que é mesmo por aqui o
caminho, de todos os dados de que ele dispõe e tudo o que lhe chega das Igrejas
locais. Como, também, alguns padres conciliares que estiveram neste sínodo
diziam, é provável que o próximo também não seja, de todo, conclusivo, e que
seja necessário continuar essa reflexão. Mas só o facto de haver esta reflexão
é muito positivo e esperançoso para a Igreja. A partir deste método de
trabalho, outras temáticas da vida da Igreja poderão ser enfrentadas da mesma
forma. Aquilo que se pedia já antes da eleição deste Papa é que houvesse uma
colegialidade mais forte, um episcopado mais forte, no sentido de as
conferências episcopais terem, também, um papel mais decisivo e determinante na
orientação das Igrejas locais, numa comunhão muito estreita com o sucessor de
Pedro mas menos centralismo da Cúria romana e estamos a testemunhar isso mesmo,
para que haja uma maior comunhão das Igrejas locais e da representatividade das
mesmas para o próximo sínodo.
Fonte: http://www.mdb.pt/noticia/somos-pessoas-nao-somos-numeros-alerta-d-jose-cordeiro-3428
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