O nome desta iguaria parece estar ligado ao utensílio de
cozinha no qual se fazia o seu cozimento final. No Dicionário Etimológico da
Língua Portuguesa de José Pedro Machado, edição de 2003, podemos ler para
covilhete: Origem obscura, e cita um texto de 1706: “…e três tijelas de cobre
com azas e testos do mesmo, e cinco covilhetes de cobre cem azas…”.
Genericamente podemos dizer que os covilhetes são pequenos
pastéis de massa folhada recheados com picado de carne. Mas não chega, a sua
estória é mais longa e vamos entender que possivelmente foram confecionados de
tamanho diferente, maior, o apuramento da massa folhada foi evoluindo e também
o seu recheio. Depois temos que conhecer a sua tradição de consumo que se teria
iniciado com as celebrações de Santo António e hoje entram na alimentação do
quotidiano. Antigamente também conhecidos por Covilhetes e por Covilhetes à
“João das Três”, encontramos ainda conhecidos por Covilhetes de Vila Real,
Covilhetes Vila-realenses, Covilhetes à Vila Real, Covilhetes à Excelsior e
Covilhetes à Trasmontana.
A massa folhada requere conhecimentos para ser feita. A
referência mais próxima de pastéis folhados com carne vem de Francisco Martinez
Montiño, em “Arte de Cocina”, 1611, que foi cozinheiro do Rei Filipe II de Espanha
e que o acompanhou na sua estadia em Lisboa. Reconhece que a arte de fazer
folhados é especial e escreveu: Sobre os pastéis, não penso dizer, a não ser
muito pouco, porque quando um homem vem a saber fazer um pastel, já sabe o que
lhe vai colocar dentro. E isto exatamente a propósito de pastéis folhados com
carne.
Para ficar bem elucidado sobre os covilhetes de Vila Real
é obrigatório ler o trabalho recentemente publicado pela Câmara Municipal de
Vila Real através do seu Grémio Literário, nos Cadernos Culturais, nº 14 e IV
série, em segunda edição ampliada, sob a responsabilidade do meu Amigo Elísio
Amaral Neves que fez o prefácio e a seleção de textos sobre covilhetes. Recolha
muito interessante e que mostra como se instalou a tradição dos covilhetes. No
prefácio, de leitura obrigatória, vamos conhecer as primeiras citações desta
especialidade desde que é conhecida com esta designação, covilhetes. Para ficar
a conhecer melhor os comeres tradicionais desta terra, deverá também ser lida a
revista Tellus nº 61.
Inevitável fazer referência ao 1º Visconde de Vilarinho de
São Romão (1785-1863) pela edição do seu livro “Arte de Cozinheiro e do
Copeiro”, 1841, no qual apresenta uma receita de Pastelinhos em tudo igual aos
nossos covilhetes. Curiosamente este livro, que o seu autor, natural de
Vilarinho de São Romão e próximo de Vila Real, assume que é uma compilação dos
Melhores Autores, sendo o principal da obra “La Maison de Campagne”, 1822, de
Aglaé Adanson, que ele traduz. O livro é recheado de notas de O Tradutor e
apresenta a receita de Pastelinhos imediatamente a seguir à receita de Massa
Folhada que revela a importância da caixa dos pastelinhos em massa folhada
(sendo que estes não estão contemplados na edição de Aglaé Adanson).
Os covilhetes aparecem com a designação de Covilhetes de
Vila Real no livro “A Cozinha Ideal” de Manuel Ferreira, 1933, com uma massa
meia-folhada confecionada com manteiga e banha de porco. Depois é a vez de
Olleboma (António Maria de Oliveira Bello), no livro “Culinária Portuguesa”,
1936 que apresenta uma receita de Covilhetes à Transmontana, em tudo igual à
receita anterior, de Manuel Ferreira.
Maria Odete Cortes Valente publica em 1973 o seu livro
“Cozinha Regional Portuguesa” mas só na edição em 1995 é que os Covilhetes, de
Vila Real, são contemplados mas com uma massa folhada confecionada apenas com
manteiga e de voltas simples. É também em 1995, no livro “Trás-os-Montes à
Mesa”, de Isabel Gomes Mota, que surge uma receita de Covilhetes ou Empadinhas,
com uma massa folhada com manteiga e banha de porco, e que tem um pequeno texto
introdutório que transcrevo: Antes do alumínio havia a folha ou lata e antes
destas o barro. Era nas tigelas ou malgas, chamadas covilhetes que se faziam as
empadinhas. Eis agora mais um contributo para a origem da designação da receita
e que Elísio Amaral Neves bem apresenta, também, no Caderno Cultural a que me
refiro no início do texto.
Em 1982 surge o que é, seguramente, o maior e melhor
inventário da culinária portuguesa, o livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”,
com a receita de Covilhetes de Vila Real, na qual a massa folhada é
confecionada com manteiga e com rilada. Na dificuldade de obter rilada (gordura
dos rins) previne que se pode usar banha de porco. Ficou assim o país bem informado
sobre esta especialidade trasmontana!
Se antigamente era necessário ir até Vila Real, e
especialmente à Pastelaria Gomes, temos sorte de em Lisboa já podermos,
diariamente, comer Covilhetes de Vila Real. Mas, para a iguaria estar bem
identificada pela qualidade só nos falta que informem que o recheio é preparado
com Carne Maronesa DOP cuja produção está confinada aos concelhos de Cabeceiras
de Bastos, Mondim de Bastos, Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar e Vila Real,
e em algumas freguesias de Amarante, Boticas, Chaves, Montalegre, Murça e Valpaços.
E descobrirão outros paladares se foram àquela região
provar os covilhetes e acompanhados com bons vinhos locais.
Virgílio Nogueiro Gomes
Fonte: http://www.virgiliogomes.com/index.php/cronicas/769-covilhetes-de-vila-real
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