Com uma homenagem a Manuel António Pina (M.A.P.), a edição
deste ano do Festival de Poesia de Vila Nova de Foz Côa teve na diversidade
estética a sua grande mais-valia. Para o ano, o objetivo é a
internacionalização.
Dois dias sobre a celebração da palavra, dois dias de
(re)encontros em que as afinidades e cumplicidades não colidiram com a
diversidade estética apresentada. No último fim de semana, mais de uma dezena
de criadores literários acorreram a Vila Nova de Foz Côa para mais uma edição
de um festival de poesia situado à margem dos ditames do 'establishment'
literário, mas não, seguramente, da essência literária.
Manuel António Pina foi a figura central do certame. Quase
15 anos depois de ter lançado no mesmo local a sua segunda reunião poética, o
festival rendeu-lhe homenagem, dedicando-lhe boa parte das iniciativas. Em tom
e intensidade diferentes, mas sempre imbuídas de uma genuína vontade de
celebração da obra e da figura de um dos autores portugueses mais marcantes das
últimas décadas.
Além de uma performance multimédia (a cargo do coletivo de
poesia Sindicato do Credo) e da projeção parcial do documentário "Um sítio
onde pousar a cabeça" (realizado por Ricardo Espírito Santo), o tributo
passou ainda pelo lançamento nacional do segundo volume de "Dito em Voz
Alta", uma recolha de entrevistas concedidas pelo escritor ao longo dos
anos.
Sousa Dias, coordenador da edição, salientou "o
acontecimento" que representa a edição desta obra, ao mostrar "um
Manuel António Pina diferente do que aparece nos livros". Nestas conversas
agora reunidas numa edição, é possível verificar que existia da parte do poeta
uma evidente humildade quando dizia que "a minha poesia é tudo o que penso
sobre ela", ao teorizar de forma admirável sobre o mundo e os homens.
"Ele conseguiu resumir esse paradoxo nos versos 'já não é possível dizer
mais nada, mas também não é possível ficar calado'", acrescentou.
Profícuo foi também o diálogo sobre a obra literária de
M.A.P., em que participaram Ernesto Rodrigues, Sousa Dias e João Luís Barreto
Guimarães. O também poeta partilhou com os presentes o absoluto encantamento
que representou a descoberta da obra de Pina. "Quando li pela primeira vez
'Esplanada', poema que teve sobre mim um efeito extraordinário, a minha
primeira reação foi perguntar se, afinal, era possível escrever poemas que não
fossem sobre Olimpo ou Parnaso, em que poderia falar mal de Saramago e
dissertar sobre pernas", disparou.
Barreto Guimarães confessou ainda a admiração pela vertente
de cronista do homenageado, na qual "conseguia ser uma espécie de Robin
dos Bosques": "Com ironia e humor, conseguia acompanhar a atualidade.
A brevidade destes textos fazia com que tocasse um número extraordinário de
leitores. As crónicas não ficavam a dever nada à sua poesia".
Centrada também na obra foi a intervenção de Ernesto
Rodrigues. O ensaísta e professor universitário salientou que tanto nas
crónicas como na poesia é possível destrinçar "um certo pessimismo",
que, todavia, vem acompanhado "de esperança e uma certa resiliência".
A "arte da inventiva vocabular" foi uma das
facetas "singulares" destacadas pelo autor do recente "Uma
bondade perfeita". Presente nos livros para os mais jovens, estendeu-se
também à poesia e à crónica. "Ele foi dos primeiros a criticar o eduquês,
sobre o qual hoje tantos falam", considerou.
Amigo muito próximo do poeta, Sousa Dias confessou "a
dívida eterna de gratidão" por ter feito parte "do restritíssimo
grupo de intimidade, convívio esse que lhe permitiu descobrir "uma pessoa
excecional". "Encontrar boas pessoas e bons escritores é muito raro.
Não exagero se disser que nunca conheci ninguém como ele. Ele era o exemplo
máximo de nobreza humana, com uma generosidade absoluta que o levava a pensar
antes de mais nos outros", partilhou.
Por muito pertinente que tenha sido a homenagem a M.A.P., o
festival esteve longe de esgotar-se nestas iniciativas. Das restantes, merece
particular relevo a conversa sobre as "tradições, transgressões e
desassossegos da poesia portuguesa".
Quatro académicos debateram, de modo vivo e com intervenções
acaloradas da plateia, o caráter renovador da poética portuguesa através dos
tempos. E embora tenha prevalecido a ideia de que "não há revoluções mas
transgressões", os intervenientes divergiram quanto ao rumo seguido. Maria
João Cantinho apontou "o lado mais performático da poesia" e "a
recuperação do surrealismo" como tendências dos novos poetas; A. Dasilva
O. elegeu Alberto Pimenta como um raro exemplo de rutura e renovação no meio,
ao concentrar diferentes facetas, como a de performer ou criador, enquanto
Ernesto Rodrigues adiantou, por outro lado, que "as vanguardas são sempre
as primeiras a entrar nos museus".
Em jeito de balanço da edição, o diretor do Festival de
Poesia de Vila Nova de Foz Côa, Jorge Maximino, louvou "o grande dinamismo
e potencial" do projeto, fazendo votos para que seja possível concretizar
"já no próximo ano" "uma dimensão prometida desde 2010: a
internacionalização".
Fonte: http://www.jn.pt/cultura/interior/o-tesouro-de-map-em-vila-nova-de-foz-coa-5269796.html
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