terça-feira, 1 de julho de 2014

TERRA PARDA, por Hélder Rodrigues

Histórias da terra
Hélder Rodrigues nasceu na aldeia de Morais, concelho de Macedo de Cavaleiros, em plena Terra Quente Transmontana e, tanto quanto julgamos saber, tem passado o grosso da sua existência neste mesmo ambiente geográfico e telúrico: Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Carrazeda de Ansiães.
Homem a quem a carreira académica e profissional não obliterou a ruralidade, antes a terá confirmado e reforçado, é na realidade rural deste triângulo que situa a sua obra ficcional.
Os seus contos são como que um documento, fidedigno como uma escritura notarial, da realidade física, paisagística, ambiental, humana, do meio de que está rodeado.
As histórias compreendidas em Terra Parda estão geralmente datadas de meados do séc. XX, época da infância do Autor, que as deve ter ouvido contar, ou mesmo testemunhado pessoalmente algumas delas, nessa época da vida em que tudo se grava com nitidez na memória e que, para o escritor, é como uma espécie de arca de onde vai desenterrando personagens, cenários, situações, enredos.
Os protagonistas dos contos de Terra Parda são homens e mulheres rudes e inteiriços, talhados no granito e no xisto que lhes serviu de berço, aconchegados nos ditames da sua identidade cultural, que vivem histórias ora extraordinárias, ora banais, muitas vezes salpicadas de tragédia, outras vezes de humor. E por vezes com um toque de picaresco que sabe sempre bem. Por exemplo, lê-se o conto "Malaquias" (um dos mais extensos do livro, que conhecera já uma publicação prévia, com titulo diferente, no volumezinho A Solto, de 1999) e tudo nele nos leva a pensar no Molhodinhas, de Aquilino Ribeiro, desde o próprio titulo até ao modo como se organiza e encerra a narrativa. As diferenças não são muitas: em vez de andanças por serranias da Beira Alta, fala-se ai de outras andanças por terras estranhas, mas o tónus é o mesmo e é o mesmo o "homem das arábias" que conta a sua historia aos que se dispões -se a ouvi-lo.
Os contos de Terra Parda fazem-nos viajar por barrocais alpestres, onde tanto é possível encontrar lobos como quadrilhas de bandoleiros, assistir a feiras e negócios de feira, a partos e a mortes e a actos de vingança, acompanhar pequenos e grandes dramas pessoais. Em alguns repercute a realidade politica da época, com a Pide e a PSP todas poderosas que iam ao ponto de controlar até o nome dos bois,
Impressiona sobremaneira a genuinidade dos diálogos. Vé-se bem que não se trata de um estranho que imita com sucesso o falar das gentes da Terra Quente, mas sim de um nativo, que nasceu e se criou a ouvir e a exercitar aquele falar, reproduzindo sentimentos, volições, emoções, promessas, ameaças, juras, queixumes, exactamente como os outros nativos — a gente do seu povo — o fazem desde há séculos.
Alguns dos contos são exemplares de um ponto de vista da técnica da narração. Sóbrios, progridem com segurança até encontrarem os pontos fortes — pontos de viragem em que se decide a sorte das personagens e o desfecho das situações. Terra Parda é pois um conjunto de textos que se deixa ler (com tudo o que vai nesta forma simples de dizer, desde a legibilidade propriamente dita à linearidade narrativa e à ausência de assomos intelectualizantes) corri gosto e proveito. São histórias da terra, com o quantum satis — nem a mais, nem a menos — de sal da mesma terra. São, como se disse, um documento verídico — e isto já não é dizer pouco. Está de parabéns o autor e está de parabéns a Ter. Quente, que é o verdadeiro altar do acto de culto que este livro constitui.

Noto: - Este texto foi escrito com deliberada inobservância do assim chamado Acordo (?) Ortográfico.
A. M. Pires Cabral

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