No dia 21 de Julho último, o blogue fez quatro anos. Ao
longo deste período já foram publicados 4.996 posts, que originaram 13.248
comentários e 1.082.564 visualizações de páginas. O blogue conta ainda com 129
seguidores e tem também uma página no Facebook com 4.344
"amigos"(dados de 21/07/14).Acompanhamos a Diáspora com leitores em
82 países.
O nosso espaço era e é as Terras de Riba-Côa, o Nordeste
Transmontano e o núcleo de leitores espalhados por todo mundo. Os temas eram e
são locais, divulgando textos, documentos, eventos, fotografias,
abrindo sempre novos caminhos. Durante este mês vamos iniciar os
novos percursos que queremos percorrer. Contamos com os "velhos"
colaboradores; sem os quais este blogue não seria diferente de
muitos outros que conhecemos.
A partir de hoje o "Farrapos de Memória" abre uma
nova janela. Teresa Martins Marques (ver c.v.)escreve sobre a cultura em geral
,a vida, a política e casos do quotidiano. A maioria destes textos foi já
publicada na sua página do facebook: https://www.facebook.com/teresa.martinsmarques?fref=ts
Foi com orgulho e grande satisfação sabermos que a Teresa
aceitou o nosso desafio.
A LITERATURA E A LEI DE LAVOISIER
Texto de Teresa Martins Marques
Teresa Martins Marques, no Café Majestic, na apresentação do seu romance "A Mulher que Venceu Don Juan" |
A literatura é um dos domínios em que se verifica a Lei de Lavoisier: nada se
perde, tudo se transforma. Se tivermos a sorte de possuir um exemplar do
esgotado «Imagens da Poesia Europeia» de David Mourão- Ferreira nele
encontraremos inúmeras poesias ligadas aos estados timéricos, eixos axiais da
psique humana, manifestados como melancolia, angústia, ansiedade, medo.
A melancolia, ligada ao declínio do homem, vai DMF salientá-la na voz do poeta
Mimnermo, o primeiro mestre da elegia amorosa:
Cantou o amor, o prazer, e principalmente a juventude, cuja perda se lhe
afigurava o pior da flagelos reservados ao homem. Utilizou igualmente a
comparação homérica, já nossa conhecida, entre os homens e as folhas das
árvores – mas para dela retirar a conclusão melancólica e derrotista, que não
se encontrava no texto de Homero . (IPE:55)
O trecho de Homero visado por DMF é o diálogo do Canto VI da Ilíada, entre o
guerreiro aqueu Diomedes e o guerreiro troiano Glauco, tendo este, nesse
momento, a palavra:
Que importa, Diomedes, qual a minha linhagem? /A geração dos homens é igual à
das folhas. /Se o vento arranca algumas e no chão as espalha, /Ao vir a
Primavera logo nascem mais outras. /E dos homens diremos que são como a
folhagem…(IPE:28)
Mimnermo vai intextualizar este trecho homérico, mas enquanto na Ilíada a
Primavera traz novos motivos de esperança, Mimnermo vai interpretar a Primavera
lamentando a sua brevidade, como símile da vida humana, e como DMF observou,
acrescentando à leitura homérica a dimensão da melancolia:
Como as folhas que brotam /Na Primavera em flor / E crescem rápidas à luz do
Sol, /Assim é que nós somos; /Como essas folhas por exíguo prazo /podemos fruir
da juventude em flor, /desconhecendo, por divina graça, /quer o mal quer o bem.
/A cada lado estão as negras Parcas: /traz uma a cruel velhice, a outra a
morte. /Da juventude o fruto dura muito pouco, /não mais que sobre a terra a
luz do Sol; /e quando passa a plenitude desse tempo /é então melhor morrer do
que viver. (IPE:55)
Dentro da mesma linha melancólica, afirmando a inutilidade de uma vida sem
amor, Mimnermo deixou-nos também o poema da “Afrodite de Ouro “, com carácter
pioneiro, que lhe terá valido a posteridade, segundo Robert Brasillach, citado
por DMF.” O que ele disse foi, sem dúvida, o primeiro a dizê-lo na Grécia, e é
por isso que este encantador poeta do prazer não foi jamais esquecido pelos
seus.”
Sem a Afrodite de ouro, /que vida existe, ou que doçura? /Melhor morrer, quando
eu não mais tiver /os amores secretos e os presentes /de puro mel e o leito:
/porque da juventude breves são as flores /para homens e mulheres. /Quando
chega a velhice dolorosa /que os belos homens torna repulsivos, /cruéis
preocupações desolam a alma: /o homem não mais se alegra olhando a luz do Sol, /mas
é odioso aos jovens /e objecto de desprezo das mulheres: /de tantos males deus
cobre a velhice. (IPE:56)
Horácio partirá da evidência da brevidade da vida, do tempo que voa, e
insistirá na focalização do presente: “carpe diem” recomenda a Ode XI do Livro
I, mais conhecida por «Ode a Leuconóe», um dos pontos mais altos da lírica
horaciana, como forma de debelar a angústia da perecibilidade, erodindo o
pensamento sobre o futuro, jogando tudo no presente, no colher do dia:
Não procures, Leuconóe, - ímpio será sabê-lo - /que fim a nós os dois os deuses
destinaram; / não consultes sequer os números babilónicos: /melhor é aceitar! E
venha o que vier! /Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos, /quer seja o
derradeiro este que ora desfaz /nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno, /vive
com sensatez destilando o teu vinho /e, como a vida é breve, encurta a longa
esp’rança. /De inveja o tempo voa enquanto nós falamos: /trata pois de colher o
dia, o dia de hoje, /que nunca o de amanhã merece confiança. (IPE:222)
O tópico do “carpe diem” foi, como é sabido, incessantemente retomado na poesia
europeia. É particularmente interessante o tratamento que lhe concedeu Marcial
no epigrama V, 58, reflectindo reiteramente, na impossível interrogação, a
angústia de não-saber, de não-conhecer o fim. Por isso o presente não é o que
se deseja, é o que resta e que é urge viver:
“Amanhã”, dizes tu.”Viverei amanhã”. /Quando virá, porém, esse tal amanhã? /Ah!
que sabemos nós do dia de amanhã? /Em que reino se esconde o rosto de amanhã?
/Que idade tem ao certo o vulto de amanhã? /É coisa que se venda? È coisa que
se compre? /Que certeza tens tu de estares vivo amanhã? //Tarde já é viver no
próprio dia de hoje. /Mais sábio é começar a viver desde ontem. (IPE:279)
Se recuarmos no tempo e atentarmos nalguns exemplos do legado egípcio dos
«Cantos de harpista» encontramos a mesma melancolia e o mesmo homem, que sente
que é preciso colher o dia, antes que o sol definitivamente se ponha. Luís
Manuel de Araújo esclarece-nos, a esse respeito, sobre a civilização egípcia:
Se o Além era atempadamente preparado, a vida terrena devia ser, para quem
naturalmente o podia fazer, consumida em plenitude. Havia que gozar os dias
antes que a grande jornada rumo ao outro mundo, e os designados «cantos de harpista»
bem exortam à fruição do bem-estar.
O trânsito das gerações, que vimos referenciado em Homero e retomado
sucessivamente ao longo da história literária estava já também no «canto do
harpista» (c. 2100 a.C) que a seguir transcrevo. Este belo poema é dominado
pela lúcida melancolia da passagem, pela perecibilidade de tudo, colocando-se a
tónica na vida terrena, no aqui e agora, não porque não se creia na vida depois
da morte, mas porque dela nada se sabe verdadeiramente, como diria muito mais
tarde Marcial, já que em literatura é impossível pensar como nunca ninguém
antes pensou. Tudo transita e tudo regressa em perene reificação. Só o homem
não regressa. O harpista é peremptório: “nenhum dos que partiram regressou.”
As gerações vão passando, outras ficam, / e assim é desde o tempo dos
antepassados. / Os deuses de antigamente repousam nas suas pirâmides / e também
os ilustres nobres /estão sepultados nos seus túmulos. /Outros construíram
túmulos /mas esses sítios desaparecerem. /Que é feito deles? /Ouvi os
ensinamentos de Imhotep e de Djedefhlor, /cujas palavras são citadas
duradoiramente. /Onde estão as suas moradas? /As suas paredes ruíram, os seus
lugares desaparecerem, /como se nunca tivessem existido. /Ninguém vem do Além
para dizer o que é feito deles, /para contar as suas necessidades, /para
sossegar o nosso coração, /até partirmos para o lugar onde eles estão. /Por
isso alegra o teu coração, esquece isso e aproveita. /Segue os teus desejos
enquanto viveres! /Põe mirra na tua cabeça e veste-te de fino linho, /unge-te
com os óleos feitos para o deus. /Aumenta o teu bem-estar, /não deixes o teu
coração desfalecer! /Segue o teu coração e a tua felicidade. /Enquanto viveres
na terra, faz o que o teu coração deseja! /Quando chegar o teu dia das lamentações
fúnebres, /Osíris, o do coração cansado, não escutará os lamentos, /o choro não
livra ninguém do túmulo! /Goza, faz um dia feliz, não tenhas problemas!
/Repara, nunca ninguém levou os seus bens consigo. /Repara, nenhum dos que
partiram regressou.
Teresa Martins Marques
Maria Teresa Martins Marques Faria e Silva
Maria Teresa Martins Marques Faria e Silva é investigadora
integrada no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, faculdade na qual se
licenciou em Filologia Românica (1975) e obteve o mestrado em Literatura
Portuguesa Moderna e Contemporânea (1992). Dirigiu a organização do espólio
literário de David Mourão-Ferreira (Ministério da Educação/Fundação Calouste
Gulbenkian), autor/tema da sua tese de doutoramento. Dirigiu e prefaciou a
Edição das Obras Completas de José Rodrigues Miguéis no Círculo de Leitores (13
volumes, entre 1994 e 1996) e dirigiu uma nova edição da Obras Completas
deste escritor, na Editora Assírio & Alvim. Colaboradora da Colóquio-Letras, Jornal
de Letras, Mealibra, Escritor, Atântida.
Para além de diversos ensaios incluídos em volumes coletivos, cita-se a
seguinte produção literária publicada em livro: O Imaginário de Lisboa
na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis, Lisboa, 1994; Leituras
Poliédricas, Estudos de Literatura Portuguesa, Lisboa, 2002. Os seus
principais estudos incidem sobre Cesário Verde, Gomes Leal, Raul Brandão,
Vitorino Nemésio, José Régio, José Rodrigues Miguéis, Eugénio Lisboa, João de
Melo.
Fonte:http://www.clepul.eu/Ptg/ViewPerson/22
Ana Diogo :
ResponderEliminarParabéns, Lelo Demoncorvo, pela V. nova colaboradora. Um nome que significa qualidade garantida. Não irei perder e fico mt feliz!!
Li e aprendi.Bom texto.Vou ler várias vezes.
ResponderEliminarManuel Correia
Filomena Ferreira Parabéns :
ResponderEliminarLello Demoncorvo pela vossa nova colaboradora.Um nome que significa qualidade garantida...a não perder...
E o blog a subir mais um escalão. Estes textos são para copiar e guardar.
ResponderEliminarAlexandra.
Ana Diogo :
ResponderEliminarÉ magnífico o 1º texto de Teresa Martins Marques publicado nos farrapos-de-memorias que comentei no mural da própria autora.
Tem toda a razão em demonstrar a sua satisfação, Lelo Demoncorvo, e envio-lhe os meus parabéns pelo enriquecimento do seu blog!
Melhor colaboradora seria difícil - é um nome que significa saber certo e qualidade literária garantida. Não irei perder nenhum post e fico mt feliz por esta bela parceria!!
É com o maior gosto que aceito o desafio do Leonel Brito para colaborar no magnífico blogue «FARRAPOS DE MEMÓRIA.
ResponderEliminarLonga vida!
Um abraço imenso à Teresa pelo seu notável texto que é de ler e reler. Obrigada.
ResponderEliminarParabéns ao Lelo pela excelente colaboradora dos "Farrapos de Memória". Foi uma aquisição magnífica.
Abraços
Júlia