ESTEVAIS, ANO ZERO
Chega-se Estevais por entrada de macadame vinda cá do fundo da Portela,
depois de muito subir com o carro em segunda. Nós ao pé da aldeia e quase a não vemos
ainda: está escondida, parece que desde tempos recuados, talvez por um
movimento estratégico da população numa era que poderá ter sido a das razias
árabes.
Entra-se em Estevais a pé, de burro ou de macho: o automóvel não passa
da estrada e não passa da periferia aldeia. Em Estevais têm-se lembrado de
tanta coisa, até viver, mas nunca ninguém se lembrou de exigir ruas
transitáveis. Que vemos? Um velho montado num jerico. Uma praça cortada em
rocha, onde todo o cuidado é pouco para não se cair de borco. Raparigas ao
fundo e outro velho, e uma velha, encostada esta gente de ambos os lados da
porta do «soto» (loja). Meia dúzia de galinhas debicando, um peru entre elas.
Entrei a pé, direito ao «soto» do sr. António
Augusto Vilela. O homem não se encontrava lá: sim a mulher e uma filha (uma das
raparigas), que me fizeram boa recepção
Nas prateleiras do «soto» topavam-se refrigerantes, amendoim, açúcar,
bicarbonato, baterias para rádios transistorizados, chouriço e petróleo, além
de tabaco.
Perguntei a dona da casa quanto tinha vendido nesse dia. Encolheu os
ombros:
«Pouco. A bem dizer quase nada. Umas coisas
pequenas, não sei…»
O «soto» é
também o posto local do correio, telefone. Reparei que as listas de vários anos
se amontoavam numa mesinha.
O meu
cicerone, compadre do sr. Vilela, quis saber do filho solteiro da casa.
«Ah, esse» - fez a mãe – acabou a tropa não sabe para onde há-de ir.
A velha que
apanhava o sol meteu-se na conversa:
«Aqui não se faz nada. Há vinte anos havia
por aí muita gente, era o tempo do minério. Agora é só para se estar.»
A própria
agricultura, de subsistência, é cada vez mais «para se estar» - em pobre e em
abandono.
Quando ao
dono do «soto» o sr. Vilela, foi e é uma pessoa importante (leia-se o adjectivo
com reservas). Anos atrás comprou uma malhadeira, pô-la a trabalhar, ganhou
dinheiro. Mas a malhadeira exige mão-de-obra, coisa que desandou, e entretanto
vieram as ceifeiras, ou seja o grau seguinte de mecanização… Adeus fortuna que
te não vejo. Restam o «soto» e a posição social.
«Nessas fragas» - explicou a mulher do
sr. Vilela - «lavravam-se uns campinhos
de centeio com uns machos, hoje ninguém lavra. Só há carrascos e giestas.»
Numa volta
pela fragada pude ver algum centeio em trechos exíguos de terra. Não, nem para
o pão dá. A velha que apanhava sol terminante:
«Não coze ninguém. O pão vem de Moncorvo.»
Todos os
presentes fizeram que sim com a cabeça:
«Moncorvo.»
A pergunta do
costume ( «quanta gente vive na terra?») provocou discussão. Hesitava-se entre
sete, oito, nove dezenas de pessoas. Fogos habitados, talvez uns vinte.
«As casas, a gente vai a contá-las e não demora!»
O velho
interessou-se pela comida de Lisboa: falta alguma coisa? O bacalhau, como nos
Estevais? Ou o açúcar?
Ele bem
sabia a explicação:
«O bacalhau, quanto o venderem, está podre.
Armazenaram-no para ele subir…»
A velha
(depois soube: a mulher do velho) inquietou-se com o açúcar:
«Diz que já o não fabricam!»
Nos
Estevais, tirando os dias da alheira ou da galinha, que não são o dia-a-dia,
come-se dieta de pobre.
«E a alheirita, e a alheirita» -
contrapôs a dona do «soto».
«Grelos, mulher»
Era a voz do
velho, a memória recente do velho, ambas irritadas.
A mulher do
sr. Vilela contou ainda:
«Hoje ao almoço foi café, ao jantar por aí
uns grelos e a alheirita. Quando apetece à gente ajeita-se um requito.»
A velha
estava nitidamente um furo abaixo deste menu.
«Salada de azedas» - mastigou em seco.
- «Ou batatas, catancho!»
Dos Estevais
emigrou-se para o Brasil, para a Espanha, para a França, para a Alemanha. Mais
para a França.
O velho,
antigo soldado da guerra 14-18 em Moçambique («seja somos poucos, é um em cada
freguesia, como os cucos»), não teve ganas, nem pernas, para tentar o «salto»
deixa-se estar, quietinho, ao sol. Emigrantes são chusma de verão, e deles pelo
Natal, sim senhor. Um até mandou uma fita gravada para um amigo: «olha, vai a
minha sogra e dá-lhe um abraço; não, não lhe dês um abraço que ela só tem
ossos, dá-lhe uma mãozada!»
Deixa-se
estar porque os Estevais, não produzindo quase nada, sempre fazem crescer umas
batatas, uns feijões e uns grelos. Na Vilariça? Na VIlariça é a riqueza.
«Mas a gente» -avisou ele - «vai à Vilariça e é dos outros. Ninguém de
cá tem lá um barral.»
A sua
fixação – a comida – levou-o a gemer:
«A galinha comemo-la só quando estamos a
morrer».
Sempre sobre
a emigração, confirmou que era «quem pôde ir».
«As galinhas não ficam debaixo dos carros?»
- perguntei.
«Não senhor» - riu-se a mulher do sr.
Vilela -, «andam só por aqui pelas
ruas.»
«Fogem para a panela» - casquinou uma
rapariga.
«Nós quando vemos a Guarda» - continuou
a dona do «soto» - «trazemo-las para
dentro, senão multam-nos.»
Uma galinha
apanhada à solta, ao ar livre numa «rua» dos Estevais, vale «oitenta e croa» de
multa.
«Já multaram aí umas duas ou três pessoas» -
informou um dos presentes.
Moncorvo, Zona Quente na Terra Fria , texto de Fernando Assis Pacheco,fotografias de Leonel Brito. Jornal República , Março de 1974
In TORRE DE MONCORVO , Março
de 1974 a 2009. De Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério
Rodrigues. Edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo.
Ver:
http://www.dailymotion.com/video/xmh0aq_estevais-ano-zero-avi_lifestyle
Ver:
http://www.dailymotion.com/video/xmh0aq_estevais-ano-zero-avi_lifestyle
Arminda Vilela escreveu:duas Candidas a Candida Russo e a tia Candida do tio Aderito e a Mario do Carmo a malhar feijoes
ResponderEliminarSão paulo Brasil 22 de junho de 2012
EliminarEu sou dos estevais e adoro essa terra,vim para o brasil com 12 anos e já estou aqui à 60 anos.Lembro-me de toda a gente.
sou prima do leonardo esteves por parte ddo meu pai que se chama guilhermino perna e já tem 97 anos e por parte de mâe sou prima do Luciano Meireles.Lembro-me do Aderito que andava com as cabras,e a mãe delea tia Miguela era comadre da minha mãe que de chamava Margarida meireles que faleceu à 7 anos. Já estive ai 2 vezes e assim que poder eu volto. Gostaria de comunicar com alguem dai. Lucinda Perna