Da desorientação
A mãe morreu-lhe na pior altura da vida, portanto. Porque quando nos perdemos, é sempre a mão da nossa mãe que procuramos. É essa mão que, na infância, nos leva de volta ao caminho certo quando nos desviamos. Se vamos no extremo do passeio a mãe pega-nos pela mão e orienta-nos para o lado de dentro, onde estamos protegidos de eventuais atropelamentos. Se entramos no corredor errado do supermercado e percebemos, em pânico, que estamos sozinhos, a voz da nossa mãe há-de atravessar as prateleiras dos enlatados ou dos cereais para nos salvar, anunciando a chegada das suas mãos para muito breve. Se decidimos construir um avião de papel e quase perdemos a paciência porque não atinamos com as dobras necessárias, são os gestos da nossa mãe que descobrem a sequência certa, repondo a paz de se saber que se está a ir bem.
Mas agora a filha mais velha da Zulmira não tem as mãos nem os gestos da mãe. Tem o pai, é verdade. E em muitos casos os pais são bons substitutos das mães. Mas não neste caso. O pai dos filhos da Zulmira seria mais capaz de empurrá-los para a estrada do que de ajudá-los a construir um avião de papel. E jamais salvaria a sua filha mais velha da solidão de corredor algum. E o corredor da Zulmira não tem sinalização. Porque a bem da verdade, a mãe tinha as mãos, mas não teve tempo de lhe construir os sinais antes de enlouquecer. Nem sentidos proibidos, nem sentidos obrigatórios, nem sinais de perigo. Nada. A coisa mais parecida com um sinal que a filha mais velha da Zulmira tem é uma seta desenhada no seu corredor pelo psicólogo que lhe destacaram na escola. Mas é uma seta dúbia e a rapariga não confia nela. Porque em vez de apontar um caminho certo, a seta faz-lhe pergunta e dobra-se ao sabor das respostas. Ora, que seta é esta que não se decide?
A filha mais velha da Zulmira está verdadeiramente desorientada. Não sabe mesmo para que serve. Nem para onde deve ir para que acabe por servir para alguma coisa.
A única coisa que a filha mais velha da Zumira sabe é que quando a mãe existia ela servia para dar abraços.
Virgínia do Carmo
Ver:http://lelodemoncorvo.blogspot.com/search?q=virginia+do+carmo
Servimos para alguma coisa,para muita coisa,quando abraçamos alguém.Feliz remate do seu comovente texto,Virgínia.
ResponderEliminar"Aquele" abraço de
Uma moncorvense
Uma maravilha, Virgínia ! Uma verdadeira pérola encastoada em frase breve e linguagem simples. Um belíssimo modelo de "escrita limpa".
ResponderEliminarAbraço
Júlia
Comovente pela veracidade dos factos...Parabéns Virgína!Maravilhoso o seu
ResponderEliminartexto!Gosto muito da sua escrita...
Com admiração
Irene
Também este texto nos abraça, em memorias e recordações.
ResponderEliminarUm bom texto, parabéns!
A.A.
Um forte e sensibilzado abraço pela vossa leitura! Bem hajam.
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