Ferreira Pontes era filho de um homem público, um liberal das primeiras horas, que esteve preso nas cadeias Miguelistas. Caetano de Oliveira era filho de um mestre oficial de Foz Côa que veio para Moncorvo como capataz de uma fábrica de sabão.
Moncorvo em 1894,Foto Adriano Guerra.A.N.M.F.D.S. |
Ferreira Pontes tinha formação universitária e, como deputado, sentava-se no parlamento ao lado do grande tribuno, seu amigo e companheiro nas lutas e no exílio, José Estêvão de Magalhães. Caetano de Oliveira aprendera apenas escrituração comercial, mostrara grande jeito para contas e um incrível “faro” para os negócios.
Ferreira Pontes estava na política por convicção, servindo os cargos de administrador, presidente da câmara, deputado, e vestiu a farda de soldado para tomar posse do cargo de governador civil do distrito. Caetano de Oliveira começou a fazer fortuna comprando os bens de famílias da nobreza derrotadas nas lutas liberais e que abandonaram a região, vendendo ao desbarato.
Ferreira Pontes recusou-se a receber o título de Visconde da Alegria (recebeu-o a mulher após a sua morte) com que o governo o quis agraciar, por razões de natureza política. Caetano de Oliveira casou em grande, conseguiu ser agraciado como Par do Reino e casou a filha com o Marquês de Ponte de Lima. Mas recusou o título de Marquês da Vilariça, no tempo da monarquia e de Comendador, no tempo da República, por suspeitar que em troca do título teria de financiar com dinheiro líquido o poder político. Quando lhe lembravam que fora Par do Reino e tinha um brasão na esquina da casa, mandou-o picar.
Ferreira Pontes era o líder incontestado do partido Progressista e Caetano de Oliveira era chefe local do partido Regenerador.
Não sabemos como eram as relações pessoais entre os dois homens. Conhecemos é histórias incríveis de lutas políticas e chapeladas eleitorais fabricadas por um e outro. E chegou até nós a notícia de uma cena algo cómica, acontecida entre ambos. Vamos contá-la.
Estava-se aí por 1870. Travava-se mais um daqueles renhidíssimos combates eleitorais, como era de norma naquele tempo. E como também era usual, a Mesa de voto, em Moncorvo, era na igreja matriz. Nesse tempo, os boletins de voto já os levavam preenchidos os eleitores. Ferreira Pontes era o presidente da Mesa. Caetano de Oliveira fiscalizava as eleições, como representante do seu partido. Com autoridade, sempre que algum eleitor se apresentava na Mesa, Ferreira Pontes pegava no papel do voto e lia, bem alto, o nome do candidato do seu partido, antes de introduzir na urna o boletim. E fazia isso com todos os eleitores, quer fossem do seu partido ou dos adversários. A certa altura, Caetano de Oliveira não se conteve com esta iniquidade e contestou:
- Senhor doutor! Eu protesto porque esse não é o nome que está na lista!
Ferreira Pontes, olhando com sobranceria o seu adversário político, respondeu-lhe secamente:
- Eu não admito que você saiba ler! Vinte passos atrás, conforme manda a Ordenação!
Uma outra cena, digna do anedotário político, aconteceu nas eleições de 1900. O chefe do partido Regenerador era então o dr. Ferreira Margarido, que sucedeu a António Caetano de Oliveira. E era também ele o candidato a deputado pelo mesmo partido no círculo de Moncorvo. Essas eleições viriam a ser anuladas (por 3 vezes!), tantas foram as provas de falcatrua eleitoral apresentadas.
Uma dessas provas respeitava a um dos homens de mão do dr. Margarido, um daqueles pobres homens que ficam maluquinhos na altura das campanhas e são capazes de tudo para agradar aos chefes. Pois o nosso homem (um matulão – rezam as crónicas) fartou-se de andar de porta em porta a pedir votos, amedrontando e espancando até alguns adversários, mesmo na própria assembleia de voto. Acabou por ser preso e… lá foi a julgamento.
Não sabemos se por artes da política ou da magistratura, a verdade é que o juiz foi o médico do partido municipal e chefe dos Lazarões (assim chamavam aos regeneradores), o dr. Ferreira Margarido, na sua qualidade de substituto do juiz de direito da comarca.
Ignoramos como decorreu o julgamento, as alegações dos advogados e os depoimentos das testemunhas. Conhecemos apenas o texto da sentença que foi mandada lavrar no processo. Ela é bem clara e exemplar:
- Considerando que o réu, comparativamente comigo julgador, é verdadeiramente imaculado, absolvo o mesmo por equidade.
Imaginem agora a reacção do dr. João Galas, sobrinho de Ferreira Pontes e herdeiro de seus bens e da chefia local dos Penicheiros (eram assim chamados os do partido progressista). Com aquela grandeza de alma que sempre o norteava, passeando na praça do Município, comentou simplesmente:
- Coisas do Margarido!
António Júlio Andrade
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