quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Os diamantes de Berlim,por Júlia Ribeiro

Quando trabalhei na SPE, no ano de 1982

Introdução da estória pelo Camané:

A SPE (Sociedade Portuguesa de Empreendimentos), antiga Diamang de Angola, e a BRGM (empresa de Geologia e Minas - com sede em Toulouse, França) associaram-se e começaram a fazer prospecção de minério nas margens do rio Douro. Essa concessão ia de Miranda do Douro ao Porto.
Estabeleceram-se em Moncorvo nos anos de 1980 a 1983, pois a Ferrominas prontificou-se a dar todo o apoio necessário a esse projecto, portanto motivo mais que suficiente para se estabelecerem nesta localidade. Segundo o contabilista Armando Colaço, que também trabalhava para esta empresa, o orçamento era de 500 mil contos. Na altura era um balúrdio. Uma grande pipa de massa. Como é óbvio, todos queriam trabalhar no dito projecto.
E o Camané conta: “O meu trabalho consistia, em primeiro lugar, em colher as amostras , registar o lugar exacto e a data da colheita; em segundo lugar, preparar a amostra e depois contar ao microscópio os diferentes minerais encontrados como : quartzo, crisocola, crisoprásio, espinélio, feldspato (pedra da lua), granada, hematite, etc. A lavagem era feita no Bico da Ribeira e fazia lembrar os antigos garimpeiros do Oeste á procura de ouro”.
Sorridente, o Camané acrescenta que ainda guarda duas pepitas de ouro de uma amostra da zona de Resende.



E continua a explicação acerca dos minerais e rochas encontrados: “Depois da lavagem, a amostra passava por um processo de secagem e, por último, seguia para o laboratório onde se procedia à verificação e contagem dos diversos componentes que a constituiam” .
E fala-nos do que os responsáveis destas duas empresas frequentemente diziam : “ A região de Trás-os-Montes tem todos os tipos de minerais, mas a sua exploração não é rentável . Imaginem que até há diamantes em determinadas zonas ! ”.
“Até as orelhas se arrebitavam quando os engenheiros diziam tais coisas . Cada um de nós pensava logo : E se amanhã eu encontrasse um bruto dum diamante ?! O que eu faria com um diamante do tamanho de um ovo de pomba? Mas ninguém se atrevia a perguntar nada. Aliás, nem sei se não era tudo treta, para que cada um de nós se esforçasse o mais que podia. Mas que o boato corria, lá isso corria.”
Por esta altura, o Camané já tinha agarrado toda a atenção dos ouvintes.
“As equipas que trabalhavam no exterior saíam na segunda-feira e só regressavam na sexta “ .
Faz uma pausa mais demorada, provocando um certo suspense: “Numa quinta-feira o meu amigo NELO CARVA deixou a meio o estudo microscópico de uma amostra, pois tinha pedido essa tarde e todo o dia de sexta, pelo que só regressaria na segunda-feira “.
Mais uma pausa e o estudo microscópico da amostra estava a meio. “Fui encarregado de continuar o trabalho que o Nelo havia começado . Olhei pelo microscópio e fiquei boquiaberto! ”.
Agora pausa e suspense são maiores. De olhos brilhantes e mãos abertas, retoma a narrativa: “ Havia algo que nunca tinha visto. Parecia um pedacinho de quartzo, pois o brilho era muito intenso ! Fixei melhor e então verifiquei ... “
Volta a olhar-nos e as mãos do Camané cruzam-se bem apertadas. Aquelas mãos falavam. Todos os ouvintes pensavam : “É o tal diamante! “
“ ... verifiquei que também havia uma figura geométrica que nada tinha a ver se com quartzo “.
Aqui todos respiraram fundo. O Camané descobrira uma jazida de diamantes! Silêncio na sala, à espera da mais que óbvia conclusão. E o Camané calado. Então eu perguntei: “E depois?”
“Depois, chamei o responsável, o Dr. Farinha. Espreitou pelo microscópio e quase ficava sem fala”.
“Não sei que dizer. Só tenho é dúvidas. Donde veio esta amostra? “
“Aqui diz que veio da zona de Lamego “.
“Preparar os jipes e vamos todos já para lá”.
“ Éramos aí umas vinte pessoas. Foi uma correria para os jipes e ala para Lamego. Procura-se o local e toca de recolher sacos e sacos de pedras, grandes, pequenas e assim-assim. Depois foi outra correria para o Bico da Ribeira, porque o trabalho de garimpagem era muito. Ocupou os funcionários todos. Preparámos as amostras logo que chegámos a Moncorvo. Foi um fim de semana de loucos. Mas o mineral que eu observara na primeira amostra, esse sumira. Não o enxergámos em nenhuma das amostras “.
E todos nós a pensar: “Ora, gaita. Afinal o diamante, grande como um ovo de pomba, até podia ser só do tamanho de um ovo de perdiz, evaporara ... Ainda houve quem perguntasse: Seria num outro local perto deste? Quem recolheu a primeira amostra?” .
Na segunda-feira alguém teria de decidir o que fazer e a decisão cabia à administração da SPE na rua dos Fanqueiros, no Porto.
Alto, que a estória ainda não terminou.
O Camané continuou: “Na segunda-feira chegou o Nelo, que era o único que não tinha conhecimento de nada do que se estava a passar, vestiu a bata e preparou-se para trabalhar. Colocámos-lhe em frente do nariz o microscópio com a malfadada amostra e perguntámos : O que é isto? É diamante? “
Olhou atentamente e disse: ” Isto? Diamante? “ e olhou para nós com cara de parvo.
“ Sim, este mineral que ninguém sabe o que é, de brilho intenso e figura geométrica nunca vista ”.
O Nelo desatou às gargalhadas e, quase sem fôlego de tanto rir, explicou:
“Isto é um minúsculo grão de açúcar que eu, inadvertidamente, deixei cair sobre a amostra na manhã de quinta-feira, quando comi aquela deliciosa bola de berlim, acabadinha de sair do forno” .
Apesar da não haver diamantes, também nos rimos com vontade. Passada a risota, o Camané concluiu:
“E por causa de um grão de açúcar, andaram vinte pessoas a trabalhar que nem doidas uma Sexta, um Sábado e um Domingo. Ah, já me esquecia do final: quando a empresa cessou a sua actividade em Moncorvo, quis oferecer as rochas e minerais que, durante três anos, foram recolhidas ao longo das margens do rio Douro. Claro que a Câmara Municipal foi a entidade escolhida para tal oferta, até porque a colecção era já muitíssimo boa e iria valorizar o espólio do município. Pois, imaginem agora o que o Presidente da Câmara respondeu ao responsável da empresa ”:
“Ninguém vai apreciar essas pedras. Nesta terra, o que há mais são CALHAUS “.
“O Presidente era o sr Almiro Sota “ .

Leiria, 24 de Outº de 2011

Camané contou. Júlia Ribeiro escreveu.
É bom voltar a ler  Os diamantes de Berlim."O que faz falta é animar a malta".Com humor.

11 comentários:

  1. Excelente, brilhante história, faz lembrar aquela história da abertura das minas de ferro que o Governo quer abrir, mas acho que "Os diamantes de Berlim", da Júlia Ribeiro contada neste excelente blog tem mais verdade e mais sabor, continuem com estas magnificas crónicas que são, estas sim "DIAMANTES EM BRUTO" adoro tudo; obrigado

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  2. Está aqui a dizer-me um amigo que este Camané é um poço de surpresas. É de facto. Mas só para quem não o conhece.

    Carlos Silva

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  3. No Natal quero um livro com estas histórias. Quero que filhos e netos se riam como eu.
    Vai ser um Natal com menos prendas e menos brinquedos mas que haja pelo menos uma boa risada.

    M.L.

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  4. Depois de me rir, porque estas estórias tem muita piada, estive a pensar uma coisa. A Dra. Júlia e o Camané são o par perfeito - salvo seja - para contar e escrever estórias. Isto na minha opinião. E se o Camané contasse e a Júlia escrevesse uma peça de teatro para o Alma de Ferro ? Pensem nisso. Obrigada aos dois.

    Maria Papoila

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  5. Mas que bela ideia teve a Maria Papoila. Apoio totalmente.

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  6. Com que então, um diamante do tamanho de um ovo de pomba , e porque não do tamanho de um ovo de avestrus, seu Camané.
    Também apoio a idea da Maria papoila.

    Um amigo do blogue que é do melhor que se fabrica, seu Lelo. Continuem todos. Obrigado.

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  7. Fala-se em diamantes e fica logo tudo a imaginar-se milionário. Estou a imaginar vinte gajos, quase arrebentados, a trabalhar que nem cães um fim de semana inteirinho noite e dia, por um graozinho de assúcar. Ehehehehehe ...

    Vitor S.

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  8. O conto é muito interessante e tem muita graça. Parabéns a quem conta e a quem escreve e ao Sr. Lelodemoncorvo.

    Hugo L.

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  9. Uma maravilha de conto. gostei continuem estão de parabens

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  10. As estórias escritas pela Julinha (quer tenham sido passadas com ela,com os filhos,com os netos,alunos,colegas ou com o Camané)são de antologia.
    Que sejam em breve publicadas,pois a sua leitura irá proporcionar bons momentos de riso e boa disposição a muita gente.Pelo que tenho lido nos comentários,já há quem os queira oferecer como prenda de Natal.Apesar da crise!

    Uma moncorvense

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  11. Quem viveu em Angola conhece estórias ligadas à exploração e contrabando de diamantes, um dos grandes negócios e a origem de muitas fortunas naquela antiga província portuguesa.Sabe-se que o exército de Savimbi chegou a ser subsidiado pelo tráfico deste mineral.
    Muitos portugueses,chegados do “Puto” (ou da Metrópole,como então se dizia),traziam consigo o sonho de riqueza fácil e rápida ,pensando encontrar na ex-colónia a árvore das patacas,ou seja,do kamanga (diamante em quimbundo).
    A exploração do precioso mineral era um exclusivo da Diamang,sendo a região entre a cidade do Luso e Malange aquela onde havia em maior abundância.Havia garimpeiros negros aos milhares,que vendiam,por uma ninharia,ao branco da cantina (misto de mercearia e taberna no “mato”), o objecto cobiçado dos seus sonhos de ganância e riqueza fácil.Era depois o grande traficante de Luanda (indivíduo com grande poder económico,ligado a Lisboa e à Bélgica,os circuitos habituais) que comprava o “produto”
    Como acima referi, muitas estórias se contavam de ganância,mas também de ignorância, acerca do branco acabado de chegar da Metrópole que comprava ao preto as primeiras pedras que lhe trazia.Constava-se que um deles tinha oferecido dinheiro por uma rolha de galheteiro em vidro,convencido de ter em seu poder o maior diamante de Angola.
    Uma moncorvense

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