segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O ZÉ LEITINHO,por Júlia de Guarda Ribeiro (Júlia Biló)

Representação do Grupo Alma de Ferro.
Foto de António Teixeira
Não sei se alguém em Moncorvo se lembrará ainda do Zé Leitinho, José Leite de seu nome oficial.
Magrinho, de altura mediana, pele macilenta, cabelo preto liso, risco ao meio e empastado de brilhantina para se manter fixo no seu devido lugar. Sempre vestido de fato preto, lustroso de tão coçado, pastinha preta debaixo do braço.
Creio que era funcionário menor da Câmara, talvez cobrador.
Também lhe calhava ir à Corredoura. Então aí, à roda do Zé Leitinho, juntavam-se as meninas da Corredoura que, ao tempo, eram as filhas da Sra. Camila Miranda, da Sra. Rosalina Mesquita, a Menina Alcina, jovem esposa do Sr.Todu, a Menina Gininha Galo (já não muito jovem) , as filhas da Sra. Delmina Terceira, a Menina Natalina, a Menina Idalina e ... não sei se me esqueci de mais alguma. Depois a roda alargava-se com mais algumas mulheres e , obviamente, a canalhada não podia faltar.
Nesta última faixa encontrava-me eu. Furávamos entre as pernas das pessoas (já uma pequena multidão) para chegarmos à frente e não perder pitada.
As filhas da Sra. Rosalina e da Sra. Camila pediam, suplicavam ao Zé Leitinho que lhes cantasse o “Passarinho da Ribeira”. E insistiam : “A sua voz é maravilhosa” , “Canta que nem um rouxinol” . “ Não , não canto. Por favor, não peçam mais” . “Se for preciso, peço-lhe de joelhos” . E uma mais atrevida pôs logo os joelhos em terra e, de mãos postas : “ Por favor, cante. Não nos faça sofrer mais “ .
E o Zé Leitinho atrapalhado - até o cabelo começava a fugir do seu arrumadinho lugar - queria sair dali, mas a roda apertava-se à sua volta.
Finalmente cedia em cantar “Só uma. Só uma e mais nada”. Fazia-se silêncio e o Zé Leitinho esticava o pescoço, pigarreava, olhava para o céu, fechava então os olhos e soltava a sua voz : “Passaaaarinho da Ribeira / Não seeeejas meu inimiiiiigo ... “ Aqui começava uma das Meninas a ficar sem forças, encostando-se a outra e mais outra que começava a desmaiar... e o Zé Leitinho, embebido na canção que existia na sua cabeça e não sabendo que a desafinação era completa, continuava “...Empreeeeesta-me as tuas aaaasas / Deixaaaaa-me ir voaaaaar contiiiigo...” Por esta altura, tinha de abrir os olhos , porque os “ais” das Meninas eram já muitos e os desmaios tantos que algumas iam a correr buscar água para deitar na testa das que haviam desmaiado e estavam nos braços de outras que fingiam chorar .
A aflição estampava-se na cara do Zé Leitinho que, em lágrimas verdadeiras, dizia confuso: “ Eu não queria cantar. Eu sei que a minha voz provoca este efeito nas jovens. Oh, Deus me valha! “ Lá conseguia que lhe abrissem o cerco e, tirando o lencinho branco que espreitava do pequeno bolso do casaco, fugia limpando a testa e a cara.
As Meninas em desmaio recuperavam de imediato e as lágrimas que agora lhes assomavam aos olhos eram das gargalhadas que o Zé Leitinho já não ouvia.
Eu era muito pequenita e até sentia pena do Zé Leitinho . Mas tenho de confessar que nunca ouvi voz tão desafinada. E mais, em alguém que não tinha a mais leve ideia da sua desafinação.
 Por: Júlia de  Guarda Ribeiro (Júlia Biló)


9 comentários:

  1. O Alma De Ferro Grupo fez no passado dia 3 de Setembro, cinco anos de existência e para celebrar tal feito.. tem andado a preparar uma festa de aniversário muito especial!

    Porque a melhor forma de celebrar o aniversário de um grupo de teatro é, sem dúvida, em cima de um palco.. o grupo decidiu ir ao baú das suas memórias e repor vários trabalhos que já foram apresentados e juntá-los todos numa única peça!

    Para além da homenagem que pretendemos fazer à arte do teatro, aos elementos que fizeram e fazem parte deste grupo e ao nosso querido e sempre presente público.. também homenagearemos uma escritora Moncorvense que tem eternizado nos seus contos muitas personagens e realidades de outros tempos que fizeram parte da história de Torre de Moncorvo - Dr.ª Júlia Biló.

    Convidamo-lo a estar presente e a ajudar este grupo a relembrar a sua historia, a cantar os parabéns e a soprar as velas!!!

    Texto do programa do quinto aniversário.

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  2. Muito bom, assisti ao espectáculo que o grupo Alma de Ferro deu para comemorar o seu aniversário e fiquei admirado com o que vi, o grupo de teatro alma de ferro merece todo o nosso apoio, feliz a terra que tem um grupo assim o resto meus amigos é tudo conversa, e da fiada, continuem um abraço amigo

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  3. O Grupo Alma de Ferro ,a dra Júlia Biló o público tudo bem ,tudo no seu lugar.Felizes pelo quinto aniversário estavamos excetuando algum Zé Leitinho,desafinado no tempo, julgando que ir em contra-mão é um erro de todos os outros que vão na direcção certa.Como na homenagem e representação rir é o melhor remédio.
    AH!AH!AH!
    G.V.

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  4. A minha mãe conheceu o Zé Leitinho. Diz que era assim tal e qual.
    A.S.Dias

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  5. Parabéns, Alma de Ferro, Dra.Júlia Biló e Dr. Rogério Rodrigues.

    Fã destes belos Farrapos

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  6. Foi a coisa mais linda que vi na minha terra.Até parecia que os filhos da mãe se tinham transferido para outro planeta.Representação,texto do dr.Rogério Rodrigues e dra.Júlia Guarda Ribeiro,tudo foi perfeito.Que nunca enferrugem são os votos deste vosso admirador.
    Francisco B.

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  7. Em nome do Rogério e no meu, agradeço a todos os que por aqui passam e deixam , ou não, uma palavra amiga..

    Abraço
    Júlia Ribeiro

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  8. Anafado,a tresandar a sardinha é assim o Zé Leiteiro,dono do mais famoso "restaurante"em Armação de Pêra.Não me digam que não conhecem!O Zé Leitinho de Moncorvo que com mestria me é descrito por tão ilutre narradora acabei de conhecer.Voz de barítono,capaz de fazer cair para o lado as meninas mais finas da vila...Gostei muito.PARABÉNS.Com um beijo de sincera amizade da Irene

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  9. Viva, Ireninha:

    De vez em quando vem visitar os amigos, não é? Apareça a sério. Será muito bem-vinda, pois já tenho saudades da minha amiga..
    Obrigada pelas suas amáveis (e excessivas) palavras. Mas eu sei que é a amizade a falar. Por isso lhe agradeço.

    Um abraço muito grande da
    Júlia.

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