A história da família Isidro, de Torre de Moncorvo, acompanha praticamente toda a história da inquisição portuguesa. Durante mais de 200 anos, desde que a inquisição foi criada, em 1536, até que acabou a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos, em 1773, elementos desta família estiveram presos nos seus cárceres. Ao longo de gerações e gerações, a “herança” marrana foi passando de pais a filhos, como se um destino implacável os conduzisse ao cativeiro.
Dezenas de processos das inquisições de Lisboa e Coimbra se encontram no Arquivo Nacional da Torre do Tombo documentando a aventura desta gente, processos que os autores estudaram e serviram de base a este trabalho.
Mas houve também muitos membros desta família que foram processados pela Inquisição espanhola. Por dificuldades financeiras, estes processos não puderam os autores estudá-los, embora gostassem muito de o fazer. Esperamos que alguém o faça.
E há também uma história fantástica desta família de que se conhecem apenas alguns episódios, mas que merecia ser bem investigada, a qual se desenrolou um pouco por todo o mundo, acompanhando as rotas migratórias, a expansão marítima dos povos europeus e a implantação de colónias e feitorias comerciais à escala mundial. Conhecem-se membros desta família que foram respeitáveis líderes religiosos ou destacados mercadores e banqueiros em comunidades sefarditas do norte da Europa ou das Américas.
Vasco Pires, o do Castelo, nascido nos primeiros anos do século de 500, pertenceu à primeira geração de cristãos-novos, os que foram homens antes de a Inquisição ser instituída em Portugal, a geração dos filhos dos judeus que o rei D. Manuel ordenou que fossem metidos nas igrejas e batizados à força.
No seu processo refletem-se todas as dúvidas religiosas, as angústias morais, os medos e os fantasmas do “tempo em que os cristãos-novos andavam alevantados para se irem deste reino por medo da inquisição”. E mostra as dificuldades de integração na comunidade cristã da gente que, como ele, “era judeu em seu coração” mas que ia às missas “à igreja da sua freguesia, à misericórdia e ao esprital”. Vasco Pires poderia não inspirar confiança em matéria de fé, mas os seus concidadãos e as autoridades religiosas de Torre de Moncorvo confiavam nele pois o elegeram para recebedor e depositário dos dinheiros recolhidos para a construção da Casa da Misericórdia. E aqui está um ponto que merece especial destaque: a importância dos processos da inquisição para o estudo da história local e regional.
A prisão de Vasco Pires foi, no entanto, precedida da de seu filho Gabriel Pires e de sua mulher Francisca Fernandes e esta terá sido a primeira vítima mortal da inquisição, entre os moncorvenses.
Vasco Pires Isidro e seu irmão Manuel Rodrigues Isidro foram netos daquele primeiro Vasco. Com outros seus parentes, eles criaram uma poderosa rede comercial que se estendia de Torre de Moncorvo ao Porto, a Madrid, a Ruão, Amesterdão e Hamburgo. Vasco foi preso em Madrid pela inquisição espanhola e Manuel passou 5 anos nas cadeias da inquisição de Coimbra e foi depois refazer sua vida para a Flandres e para Hamburgo. O seu processo constitui um documento extraordinário para o estudo da vida política e social da comunidade moncorvense do primeiro quartel do século XVII.
Manuel Rodrigues Isidro se chamou também um sobrinho daqueles, ao qual coube liderar a delegação do Porto e manter acesa a chama do marranismo na geração seguinte. Morreu ao fim de um prolongado jejum, ou greve de fome, nas masmorras da inquisição de Lisboa, em 1660. Merece bem o título de mártir do judaísmo em Torre de Moncorvo.
Presa esteve também a sua irmã – Branca Henriques – e seu cunhado – Heitor Mendes – também um mártir do judaísmo, queimado em Coimbra no auto de fé de 20.10.1664. Estes três processos são extremamente importantes para o estudo da sociedade mercantil portuense daquela época e sua participação na restauração da independência do país.
Da geração que se seguiu, temos o processo de Francisco Ferreira
Isidro que se encontrou no combate das Linhas de Elvas com o posto de capitão a comandar duas companhias de ordenanças recrutadas em terras de Riba Coa.
Lamentamos não poder seguir o rumo dos membros da família Isidro que entretanto embarcaram para as Índias de Portugal e de Castela, bem como dos que permaneceram em Espanha.
De um destes – Dom Luís Marques Cardoso – sabemos que esteve preso na inquisição de Toledo em 1663 e, 40 anos depois, tendo regressado a Portugal, foi processado pela inquisição de Lisboa, juntamente com sua filha – D. Maria Marques de Velasco. Estes dois processos são terrivelmente infamantes para o Santo Ofício, com os inquisidores a manobrarem crianças inocentes e a violar o segredo da confissão para delas conseguirem provas que incriminassem a mãe e o avô.
Estamos já no século de 700, altura em que se descobriram minas de ouro no Brasil e, entre os fundadores da vila de Ribeirão do Carmo, a primeira capital da região de Minas Gerais, encontrava-se um outro Francisco Ferreira Isidro, neto do capitão de ordenanças das Linhas de Elvas. Com ele foi ali ter um sobrinho – Luís Vaz de Oliveira – saído de Freixo de Espada à Cinta com menos de 9 anos de idade, para empunhar o cetro dos Isidros em terras brasileiras.
Apresentamos depois o processo de um Francisco Ferreira Sanches Isidro, irmão de Luís Vaz, que aos 15 anos foi de “excursão” a Londres, fazendo várias entradas na sinagoga da City que então começava a ganhar foros de capital mundial do judaísmo, a par de Amesterdão.
E foi de Londres que saiu para os Barbados, uma das pequenas Antilhas da América Central, Abraham Gabay Isidro que ali se distinguiu como chefe espiritual da comunidade sefardita, regressando a Londres para morrer.
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