VISCONDE DE VILLA MAIOR ,NAPOLEÃO E MONCORVO

MONCORVO -1894

É bem de supor que a plebe, e mesmo a ordem equestre de Moncorvo não fosse tão versada na filosofia da historia e tão lida em Herder, em Vico, em Hegel, ou mesmo em Eichhorn, que houvesse de esquecer os maus tratos de Soult ou de Massena  para ver apenas no imperador um silogismo  histórico. Tomavam-no como um tirano, como o ofensor da pátria, como aquele, que se atrevera a fazer do velho e glorioso Portugal uma província obscura do império francês. É assim que se explica esta espécie de triunfo  burlesco, em que o populacho de Moncorvo saiu a terreiro com o decaído conquistador, figurado em um manequim de palha, cavalgando irrisoriamente um jumento a que iam seguindo e apodando com descomposta vozearia, enquanto os sinos da paroquia se associavam com os seus repiques á vingança popular e os foguetes festejavam nos ares a humilhação do antigo dominador. É destas alegrias que se lembra como sua primeira impressão politica, o nosso Pimentel. Quem sabe se ele quando a plebe se acalmou e a praça de Moncorvo volveu á sua solidão habitual, ficaria meditando já teorias de liberdade e lançando as sementes desta briosa indignação, com que depois apenas adolescente assistiu com as tropas liberais aos primeiros combates da nossa emancipação constitucional?

Que Júlio Pimentel tivesse as suas primeiras alegrias com a mais profunda tristeza de Napoleão, podem todos compreender. Mas custa-me a atinar com a explicação de um facto que me foi narrado autenticamente e se refere também ao primeiro imperador. Júlio Pimentel tinha uma criada velha. , a quem chamavam a Rosa Rolha. O nome não era dos mais simpáticos, mas sei que era boa cristã e familiar irrepreensível. A velha cuidava das crianças na família e á hora em que ia aconchegar o pequeno Júlio na sua camasinha, ensinava-lhe como devota, que era, as tenções, por que ele havia de aplicar seus padres nossos e ave manas, das quais o maior numero, como é piedoso costume de católicos, se repartia pelos defuntos da obrigação. Quando Napoleão morreu, a velha acrescentava á lista das almas suas favorecidas, por quem ensinava o menino Júlio a orar a Deus, a do exilado de Santa Helena. Júlio Pimentel nunca poude, segundo me afirmou, compreender a devoção da velha. Nem eu me atrevo a entrar em conjecturas sobre o caso. Seria a velha jacobina? Mas uma jacobina de roupinhas em Moncorvo há quarenta anos parece-me caso difícil de roer.

Da biografia de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (Visconde de Villa Maior), por Latino Coelho