quarta-feira, 26 de março de 2014

Malfadados calções A-DI-DAS , por Júlia Guarda Ribeiro

Há uns tempos relatei aqui um roubo, um tanto rocambolesco, de que fui vítima e prometi que depois, quando calhasse, vos falaria das peripécias de um outro. Parece que calha agora.
Era um dia de Agosto e decidi ir a Viana do Castelo ver a filha e as netas. Fui comprar-lhes umas predinhas: dois conjuntinhos de top e calções para a praia, mais dois livros. Para mim comprara também uns calções “adidas”. Eu que nunca vou por marcas, nesse dia deu-me para a adidas. E caros, o raio dos calções. Tudo arrumado no pequeno saco de viagem, lá vou eu para a camionagem. Leiria-Coimbra; Coimbra-Porto, onde tinha cerca de uma hora de espera para a última tirada Porto-Viana.

...ali junto do Jardim de S. Lázaro
Comprei o jornal para me ajudar a passar o tempo. Pus-me a ler tendo o cuidado de conservar sempre a carteira ao ombro. Vi chegar uma antiga colega que não via há anos, pousei o jornal sobre o saco e levantei-me para a cumprimentar. Um grande abraço mas muito apressado, porque ela embarcava de imediato. Fiquei a ver a expresso partir, acenei e fui sentar-me. O jornal estava no banco, mas o saco não. Nem queria acreditar! Perguntei a duas ou três pessoas que por ali estavam, e só um velhote disse que lhe parecera que um moço magro teria pegado nesse saco e acrescentou que costumava estar sempre um polícia por perto da Rodoviária. Estava. Expliquei-lhe o que acontecera e uma senhora que ouviu o meu relato aflito, disse que vira um rapaz novo, magro, ali junto do Jardim de S. Lázaro a tirar roupas de criança de um saco parecidíssimo com o meu e a apregoar as peças  “Para menina, conjuto novinho em folha. Vejam , ainda tem a etiqueta. Só cinco euros” . O polícia telefonou a outro colega que, em dois ou três minutos, chegou de carro. Até me espantei com tal rapidez.
Metemo-nos no carro: os dois polícias à frente, eu atrás. Num repente estávamos junto do Jardim de S.Lázaro. Vimos o ladrão com os ditos conjuntinhos na mão, a apregoar alto e bom som que eram peças novas e baratas, depois fazia os meus calções adidas rodopiar no ar: “A-DI-DAS, calções  novinhos, com a etiqueta e o preço – 30 euros. Vai por 10. Por 10”.
Os polícias sentadinhos no carro a apreciar.  Eu a apressá-los, pois perderia o expresso para Viana. Eles a recomendarem-me calma.  “Ele já não nos escapa. Esteja descansada”.  E o ladrão tirou depois os dois livros, mas pô-los no chão e não os apregoou.  Voltei a pedir aos polícias que o prendessem. E eles continuavam a gozar o espectáculo. Mas o meu receio agora era que o ladrão começasse a tirar as minhas cuecas e soutiens e os apregoasse, enquanto os faria rodopiar no ar como bandeirolas.
Então os polícias lá se resolveram a prender o fulano e eu pude reaver os fatinhos para as netas e os meus malfadados calções A-DI-DAS.
Tive de ir à esquadra assinar os papéis sobre o preso “em flagrante” , perdi o expresso para Viana e a minha filha teve de vir buscar-me ao Porto. E vinha furiosa, porque já era a quinta ou sexta vez que eu me deixava roubar...
 Júlia Barros Ribeiro

5 comentários:

  1. Olá, Julinha:

    É preciso estar sempre com um olho no burro e outro no cigano... Que agora os ciganos já não vendem burros .

    Maria do Carmo

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  2. Já sentia a falta de um momento de descontração neste tempo de desgraça e miséria. Obrigado minha senhora.

    António Silveira

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  3. Os ciganos já não vendem burros e agora os ladrões são outros. Leiam a cronica de Lobo Antunes na Vizão, no passado mês de Abril, não me lembro data ixata, ali com os nomes bem escarrapaxados .......

    João da Torre

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  4. Olá minha querida Julinha!
    Chegou e encantou!Essa dos calções A-Di-Das está das melhores que já lhe li(se falar das Ventas de Julio)É sempre um prazer enorme ler as suas "estórias" sem falar nas suas Histórias...
    Beijinhos da sua amiga
    Ireninha

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  5. Os ciganos que o António Lobo Antunes mencionava na Visão,no passado
    mês de Abril estavam todos nas Nuvens...Eu li a crónica ,pois sou assinante,mas essas são outras "estórias"...
    Leitor

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