A generosidade é para mim uma das
características mais vincadas dos Trasmontanos. Talvez esteja relacionado com a
vida dura aquém dos montes. E por toda a parte onde os Trasmontanos chegam,
eles estabelecem relações de boa vizinhança, baseadas naquela generosidade.
Porém, a generosidade que temos
com estranhos e deles nos faz próximos falta muitas vezes nas relações entre
nós e dos nossos nos afasta. Até parece que de generosos passamos a mesquinhos,
no trato comunitário.
Cortiços -Foto de Luís Coelho |
E isto acontece também quando
lidamos com a história. Há Trasmontanos que foram grandes e são considerados em
todo o mundo, mas completamente desprezados por nós, ignorados pelos que entre
nós escrevem a nossa história e pelos que nos governam e têm obrigação de
defender e valorizar o nosso património. Sim, este património, o património
humano é bem mais importante que o património arqueológico, arquitectónico e
etnográfico.
Exemplar, a este respeito, é o
que se passa com os Trasmontanos Sefarditas e Marranos. Alguns deles ganharam
relevo a nível mundial e têm os seus nomes inscritos em enciclopédias de âmbito
mundial mas são esquecidos dos nossos dicionaristas e afastados da toponímia
das nossas terras. Vou apresentar alguns exemplos:
Manuel Cortiços. Tendo embora nascido em Madrid, em 1603, os seus
pais eram Trasmontanos fugidos da inquisição. A sociedade e a família
perpetuariam no sobrenome, que ainda hoje conservam descendentes seus, a terra
de sua origem - Cortiços - no actual concelho de Macedo de Cavaleiros. Manuel
Cortiços foi um dos grandes banqueiros do seu tempo, possivelmente o maior em
toda a península ibérica à data da sua morte em 1650. Mas o seu nome não consta
em nenhum dicionário de ilustres Trasmontanos, onde até eu, pequeno escriba, já
tomei lugar, por mão alheia.
José Cortiços. Nascido em Antuérpia em 1656 e falecido em Londres
em 1742, foi outro dos membros da mesma família fugida de Trás-os-Montes.
Virado para o abastecimento das tropas, durante a Guerra da Sucessão de
Espanha, eles colocou-se do lado do Arquiduque Carlos, futuro imperador da
Alemanha. Depois da guerra, a viver já em Londres,, José Cortiços queixar-se-ia
de que a Inglaterra lhe ficou devendo 25 000 libras (de géneros fornecidos aos
militares estacionados em Gibraltar) e Portugal 70 000, de provimentos ao exército
do Marquês das Minas. Também o seu nome não consta das listas publicadas de
notáveis Trasmontanos e nenhuma lembrança tem na terra de seus ascendentes
Trasmontanos.
António Júlio Andrade
Nota do Editor:
Reedição dos posts publicados no blog :
http://marranosemtrasosmontes.blogspot.pt/
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