1975
O
ALEPH NORDESTINO
1975 de Tiago Patrício é uma espécie de Aleph nordestino. O autor
concentra numa aldeia do nordeste (que, enquanto leitor localizo algures entre
Carviçais de Moncorvo e uma qualquer aldeia raiana de Freixo de Espada à Cinta)
todo o mundo político, social e religioso do Portugal pós-revolucionário.
Histórias várias, reais, imaginadas, importadas, engraçadas, dramáticas,
caricatas, extraordinárias, entusiasmantes e que têm o condão de nos prender ao
enredo, desde a primeira à última letra do romance, num moisaco muito lusitano,
muito datado. É gratificante reviver esses tempos heróicos e dramáticos,
sobretudo para quem viveu essa época no auge da juventude, precisamente, a
partir deste recanto transmontano onde toda a ação se desenrola. Verdadeiramente,
o centro do furacão estava em Lisboa, onde tudo aconteceu. O autor transporta-o
para Trás-os-Montes com a viagem “inaugural” de Horácio, o espectador priviligiado
desta aventura múltipla, recheada de transmontaneidade, sobretudo nos usos e
costumes. Com algumas curiosas caraterísticas.
A primeira poderia entitular-se de “a direita que começa à
esquerda”. É uma curiosidade que
gostaria de um dia ver esclarecida pelo autor por estar certo que não se trata de
uma mera coincidência. São demasiadas as ocorrências para que tivessem
acontecido por acaso. Refiro-me aos nomes próprios dos principais protagonistas
que, politicamente, se situam na ala direita da política. Começam todos pela
primeira letra do alfabeto que, na geografia gráfica da nossa escrita situamos,
invariavelmente à esquerda: Amadeu, Augusto, Alexandre, Abílio, Adriano,
Alfredo, Alfaiate, Adelina...
A segunda tem a ver com a componente temporal. Tal como no Aleph há
uma substancial concentração do tempo. Nesta aldeia nordestina concentra-se
todo o enredo revolucionário e todo o tempo revolucionário é concentrado no
período limitado da ação do romance. Uma leitura atenta facilmente verá no
fervor revolucionário da época duas dimensões distintas que só anos mais tarde
serão visíveis na sociedade portuguesa pós-PREC. Na romanceada organização
revolucionária local debatem-se, desde cedo, duas correntes que, no tempo real,
farão o seu caminho e percursos diversos
e divergentes, com o correr dos anos. Lado a lado com a corrente idealista que
serve a causa pela causa e que continuará fiel aos seus princípios mantendo-se
no espaço político mesmo que com adaptação ao tempo e à realidade aparece desde
cedo a outra em que o fervor revolucionário, não se opondo á prossecução do bem
comum, se move essencialmente pelos interesses pessoais e materiais dos
respetivos atores. Tudo fica esclarecido, no romance, nesse ano mágico e
fabuloso. No país, tal evolução aconteceu ao longo de vários anos. Passado o
tempo necessário e suficiente, encontrámos, vários antigos revolucionários, do
outro lado da barricada, felizes e contentes, acomodados em confortáveis
lugares proporcionados por organizações partidárias que, nessa altura,
combatiam feroz e “heroicamente”.
A componente etnográfica e a recuperação de hábitos e costumes antigos
e muito nossos é um (agradável) bónus para o leitor!
José Mário Leite
Terezinha Fatima Martins · Amigo/a de Eliane Ayres:
ResponderEliminarInstigante a citação: "Histórias várias, reais, imaginadas, importadas, engraçadas, dramáticas, caricatas, extraordinárias, entusiasmantes e que têm o condão de nos prender ao enredo, desde a primeira à última letra do romance, num moisaco muito lusitano, muito datado. É gratificante reviver esses tempos heróicos e dramáticos, sobretudo para quem viveu essa época no auge da juventude, precisamente, a partir deste recanto transmontano onde toda a ação se desenrola.
Terezinha Fatima Martins · Amigo/a de Eliane Ayres:
ResponderEliminarMuito obrigada pela indicação, Eliane! Vou verificar aqui na Livraria próxima! Beijos