segunda-feira, 11 de agosto de 2014

MONS - CURVUS,por Visconde de Vila Maior

Na província de Traz os Montes, entre os rios Douro e Sabor, ergue-se em successivos e irregulares degraus a notavel serra do Roboredo. Querem alguns escriptores que os romanos, no tempo da sua dominação, a designassem pelo nome de Mons-curvus, por ser apparente a curvatura do seu dorso. Foi sobre este que elles fizeram passar a via militar que de Merida conduzia a Astorga, e cujos restos ainda se encontram na parte mais elevada d’aquelle monte. Outros porém affirmam que elles a appellidaram Roboretum, por causa da prodigiosa espessura da floresta de carvalhos que n’aquellas eras revestia as encostas da serra. Parece dar-nos ainda hoje testemunho d'esse facto a nativa pertinácia que tão robusta essência florestal oppõe á ferocidade destruidora com que a atormentam os incorregiveis e brutaes lenhadores, e a indesculpável incuria da administração municipal. Entre alguns vestígios de construcções romanas, que se encontram não muito longe d´aquella serra, vê-se n'uma das pedras de granito, com que foi construída uma antiga capella, próximo das ruinas da Villa Rica de Santa Cruz entre o rio Sabor e a ribeira da Villariça uma inscripção sepulchral com o nome de Lelia Roborina. Derivaria o nome d'esta dama romana d'aquelle com que era designada a serra? Seja como for, o nome da serra do Roboredo deve ser contemporâneo da dominação romana.
Das margens do Douro e do Sabor sobe-se por Íngremes e elevadas encostas até attingir a base do Roboredo, onde está assente em um outeiro de amplo desenvolvimento e olhando para o noroeste a antiga villa da Torre de Moncorvo. Villa notavel entre outras da mesma provincia pelas suas condições topographicas, pelas suas riquezas naturaes e pela sua patriotica historia. Cercam-a por toda a parte pomares, hortas, vinhas e principalmente olivedos, os quaes se abrigam de preferencia nos estreitos valles, formados pelas pregas da montanha entre os outeiros que gradualmente vão descendo, de uma parte para o Douro, da outra para o Sabor e para a extensa e fertil veiga da Villariça. Esta veiga, a pertença territorial mais valiosa de Moncorvo, estende-se dilatada para o norte, desde a foz do Sabor até ás abas da serra de S. Bade, que de Moncorvo se vê esbatida de azul pela distancia a que se acha. Fecham a planicie pelo noroeste e oeste as alturas de Villa Flor e as asperrimas serranias graniticas de Cabeço de Mouro, de Cabeça Boa e da Louza, que, fragosas, áridas e severas, nos limitam por aquelles lados o horisonte.
Entre a agglomeração pouco regular das casas que formam a villa de Moncorvo, quando de qualquer lado se divisa, o que sobresáe e captiva a attenção é a escura massa de granito, de que é formada a sua notavel igreja matriz. A extraordinária corpulencia d’este edificio domina e amesquinha todas as casas que a cercam. É quasi uma monstruosidade de pedra; mas o seu aspecto severo infunde respeito. A sua architectura só póde ser classificada como pertencendo ao estylo hybrido que precedeu a renascença. Segundo alguns escriptores a construcção d'esta igreja data do meiado do XIV seculo. Ha menos de cincoenta annos existiam ainda no centro da villa as ruínas de um castello, cuja edificação se aittribuia a D. Diniz, mas que fôra acrescentado ou restaurado no reinado de D. Manuel. Esse castello, cujas espessas e grossas muralhas com suas torres de granito viamos ainda na nossa juventude, já não existe: foi arrazado, e sobre os seus fundamentos encontram-se hoje os modestos edifícios que abrigam as repartições municipaes e administrativas e uma escola primaria, tendo na frente um acanhado passeio arborisado e sobranceiro á praça publica. Gosa-se d'este passeio a vistosa perspectiva da serra do Roboredo em toda a sua extensão. Lá na encosta vemos o antigo convento de S. Francisco e o seu templo convertido em fabrica de sabão; mais acima as capellas de S. Bento e de S. Lourenco, alvejando no cume dos outeiros destacados da montanha; ali a ermida de Santa Thereza, entre arvores frondosas, e algumas casas brancas entre a verdura de soutos e pinhaes.
N’essas poucas matas e devezas se está vendo o vigor da vegetação com que, se houvera mais acerto e previdencia na administração municipal, se podia ter creado e mantido uma frondosa floresta para deleitar a vista, enriquecer a terra e melhorar o clima.
Foi n'outros tempos grande a importância que a villa de Moncorvo teve na organisação judicial e administrativa do paiz, sendo a cabeça da mais extensa comarca do reino. Nas antigas cortes tinha assento no decimo terceiro banco. Era rica e aristocratica; eram numerosas as famílias nobres que a habitavam; gloriosas e patrioticas as tradições com que se honrava e a que lhe davam direito os feitos e proezas dos seus moradores desde os mais remotos tempos da monarchia, e principalmente na acclamação de D. Joio I e na restauração do reino em 1640, e que mais tarde se haviam de renovar no principio d'este seculo, para cooperar heroicamente na libertação da patria contra o dominio francez.

Texto de: Júlio Máximo O. Pimentel ,Visconde de Villa Maior


Foto de: Lelo Brito
Transcrição do texto: Contchi
Ver:
http://lelodemoncorvo.blogspot.com/2011/04/visconde-de-vila-maior.html
http://lelodemoncorvo.blogspot.com/2011/10/douro-ilustrado.html

3 comentários:

  1. (...) fixemos hum pouco os olhos sobre a Torre de Moncorvo.
    Na extremidade mais oriental desta província, hum pouco a baixo de Zamora, o Douro, descendo pelo reino de Leão, vem tocar o terreno de Portugal, e banhando os muros da cidade de Miranda, toma a direcção de nordeste a sudoeste até o confluente do Agueda , defronte do castello d'Alva, formando sempre a divisão dos dois reinos. Aqui se entranha em terras de Portugal, tomando o caminho do noroeste, e forma huma curva, que se aproxi¬ma a hum angulo recto, recebendo successivamente da parte do norte as aguas do Sabor, do Tua, e de ou¬tros rios, que offerecem por toda a parte, principalmente o Douro , margens escarpadas de difficilissimo accesso, e correntes precipitadas, que só dão passagem em algumas barcas. He dentro desta curva, e por entre estes rios, que se estende a comarca da Torre de Moncorvo, paiz muito fertil, e agradavel no interior, e valado no exterior com estas fortes trincheiras, que a natureza lhe concedeo: a cabeça da comarca está situa¬da muito perto da fós do Sabor.
    Na verdade os seus habitantes não forão dos primeiros em soltar os vi¬vas da acclamação; mas o que per¬derão em tempo, elles o ganhárão, na combinação, e acerto das suas providencias, no estabelecimento da sua junta, que principiou por acau-telar abusos, que as outras nunca pudérão evitar. Preparou-se a revolu¬ção nos dias 17, e 18 de junho, apprehendendo-se as barcas do Douro desde a fós do Agueda até ao do Sabor, para se evitar a passagem dos Francezes d'Almeida, se tentassem algum repentino ingresso no paiz- Na barca de Alva houve huna pequena
    opposição, que facilmente venceo hum Capitão de ordenanças á frente de 6o caçadores, mandando passar o rio a dois resolutos nadadores, que na margem opposta a forão aprehender, e metter no fundo. A 19 ficou çonsummada a revolução, pela sancçáo de hum numeroso congresso da câmara, clero, nobreza, e povo. Seguírão-se immediatamente as demonstrações públicas do prazer geral, e disposições para o armamento do povo; taes quaes permittiâo as circumstancias de huma terra, onde os meios eráo muito limitados.
    A 24 se congregárão, as ordenanças, para hum alarde geral; e nesta occasião o Capitão mór aggregado, João Carlos de Oliveira Pimentel, recitou, por ordem da camara, huma proclamação patriotica, que in¬citava os póvos a tomarem as armas em defeza do Soberano, e da pátria, lembrando-lhes, além dos motivos geraes, outros particulares áquel]a villa, deduzidos de antigos feitos, praticados pelos seus habitantes, especialmente nas épocas d'El-Rei D. João I., e d'El-Rei D. João IV.

    in História Geral das Invasões Francesas, Tomo III, de José Acúrsio das Neves.

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  2. Viva o nosso VISCONDE.Na escola com o seu nome conhecem este texto?

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