quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Romaria secular - Santo Antão da Barca ,por Virgínia do Carmo (Álbum de Memórias)


O eremita Santo Antão é o santo da devoção dos milhares de pessoas que todos os anos, em Setembro, acorrem ao santuário localizado num vale profundo, junto ao rio Sabor, ladeado por margens íngremes, território de três concelhos diferentes.
Uma romaria que traz a memória de lendas e milagres relatados pelos fiéis.
Nenhuma pessoa viva pode precisar quando começou a devoção a Santo Antão da Barca, cujo santuário é ainda hoje palco de uma romaria que junta num vale profundo, dividido pelo rio Sabor, a seis quilómetros de Parada, freguesia do concelho de Alfândega da Fé a que pertence a capela, milhares de pessoas todos os anos, no primeiro fim-de-semana de Setembro.
Para lá vão dois caminhos, um que parte do lugar de Sardão, no concelho de Alfândega da Fé, e outro de Meirinhos, no concelho de Mogadouro, fazendo ainda fronteira com a ermida as freguesias de Carviçais e Felgar, do concelho de Torre de Moncorvo.
Os crentes, esses vinham outrora de todas as aldeias circundantes num raio de distância significativo, e hoje talvez mais reduzido, desde Carviçais a Castro Vicente, de Mogadouro a Vila Nova de Foz Côa.
Hoje em dia, os carros descem ao vale, através de um caminho íngreme mas possível até para os veículos sem tracção, e o regresso, por isso, acontece mais cedo. Mas em tempos, era a pé ou de macho que o percurso de cerca de sete quilómetros a partir do lugar de Sardão era feito. E o regresso, esse só acontecia ao romper da aurora do dia seguinte, como recorda a senhora Guilhermina, de 76 anos, uma das poucas que ainda habita no lugar de Sardão. "Havia dois caminhos", recorda, "um para os machos e outro para as pessoas". "Vínhamos por volta do meio-dia", prossegue, e quando lhe perguntamos se era uma boa oportunidade para "engendrar" namoricos, responde prontamente que sim. Afinal, tratava-se de uma oportunidade rara de convivência um pouco mais prolongada entre rapazes e raparigas. Por todos os cantos se viam "a conversar", diz a D. Guilhermina.
Os preparativos para a romaria começavam a ser providenciados com uma semana de antecedência.
 O tempo, depois da missa e da procissão, que já há muitos anos segue por um arruamento aberto exclusivamente para o efeito, era passado a dançar e a cantar quadras, algumas delas feitas para a ocasião, mas que a D. Guilhermina já não consegue repetir na íntegra. Os homens jogavam "ao ferro", lembra, e havia ainda animação musical. Bandas, diz, chegavam a ser "três ou quatro". À noite, ninguém dormia, a não ser as crianças, que acabavam por não resistir ao cansaço e eram então deitadas em mantas, ao relento.(Continua nos comentários)

12 comentários:

  1. CONTINUAÇÃO:
    A história e as lendas
    A capela foi mandada construir pelos Távoras, família proprietária de grandes herdades naquela região, há mais de 200 anos, no local conhecido como Poço da Barca, pois nesse local o rio era atravessado de uma margem para outra por uma barca que transportava pessoas e mercadorias diversas, como relata António dos Santos Lopes, numa pequena compilação de dados que reuniu num livro sobre a ermida. Segundo este autor, a última barca terá desaparecido no ano de 1953. Mas esta capela terá, segundo a lenda, substituído uma outra mais antiga, erguida já em honra de Santo Antão, eremita egípcio que terá vivido nos séculos III e IV, até aos 105 anos de idade, adoptado, então, pelas gentes da região como padroeiro da barca.

    Os populares nem sempre relatam esta versão da história do santo padroeiro. A maioria das pessoas, especialmente as mais velhas, contam outra, embora as duas não sejam necessariamente incompatíveis. Dizem que este santo terá dado todos os seus bens aos pobres, dedicando-se depois à humilde tarefa de guardar porcos. Isto explica a imagem do santo, que tem aos pés a figura de um porco, e numa das mãos a campainha para chamar os animais quando se dispersavam.

    São também os populares que relatam alguns dos milagres alegadamente alcançados por intercessão do santo, muitos deles têm a ver com barcas que se afundavam, sem que no entanto ninguém perdesse a vida. Um dos mais importantes, e que os populares puseram em verso, terá acontecido num dia de Natal. Transportava a barca doze pessoas e "cinco bestas", quando se afundou no rio, causando grande agitação nos que da margem viam o desastre. Todos recorreram então a Santo Antão, e todos acabaram por se salvar, incluindo os "cinco jumentos carregados" sem qualquer "prejuízo".

    Um outro milagre que os populares relatam tem a ver com outro objecto da devoção das gentes locais: o Divino Senhor da Barca. Reza a lenda que, em tempos, as gentes da aldeia de Meirinhos quiseram roubar a imagem para a sua igreja, o que chegaram a fazer. Mas quando se deslocavam na barca para a outra margem, a imagem ia-se tornando mais pesada e começava a estalar, pelo que os forasteiros se viram obrigados a regressar e a deixar a imagem na capela onde hoje permanece.
    Romaria secular - Santo Antão da Barca
    por Virgínia do Carmo

    ResponderEliminar
  2. Olá, Virgínia do Carmo:

    Nunca fui à festa de Santo Antão da Barca, mas é como se já tivesse ido, tivesse palmilhado o caminho "para pessoas", tivesse lavado os olhos no Sabor que corre nesse vale profundo e tivesse lavado a alma ao entrar na capela. É que a sua descrição é viva. Gostei muito.

    Um abraço
    Júlia

    ResponderEliminar
  3. Não foi e não vai,acabou-se.Fica este texto/reportagem e mais alguns...ainda bem que o publicaram e parabéns à autora.

    ResponderEliminar
  4. Virginia do Carmo e Antero Neto vieram enriquecer a equipa deste blog.É preciso "contratar"mais colaboradores,Macedo ,Mogadouro,faltam de Freixo,Miranda...todo Nordeste.
    Vou enviar por mail uma lista de potenciais colaboradores.
    Porterrasdonordeste

    ResponderEliminar
  5. http://lenteoculta.fotosblogue.com/15496/Capela-Santo-Antao-da-Barca/
    http://www.acorianooriental.pt/noticias/view/207959
    by googleman

    ResponderEliminar
  6. Da excelente jornalista e poeta Virgínia do Carmo esperamos mais colaboração pois, como foi dito acima,só vem enriquecer este blogue.

    Uma moncorvense

    ResponderEliminar
  7. José Sobral :Já lá fui muito feliz, mas vai desaparecer para a construção da Barragem do Sabor.

    ResponderEliminar
  8. João Martinho: No minimo vergonhoso amigo Sobral

    ResponderEliminar
  9. Este belo texto de Virgínia do Carmo foi aqui publicado em 04/02/2011.Amanhã,primeiro sábado de Setembro(01/09/2012),será a última vez em que se realiza a secular romaria neste local.As novas instalações estão em adiantado estado de construção.

    ResponderEliminar
  10. Passei muitas vxs de barca para ir á festa do Stº Antão e dormi muitas noites ao relento à espera do romper d'aurora para poder regressar a Carviçais minha terra natal. Desses tempos embora dificies guardo boas recordações. A paisagem era maravilhosa e o convivio era saudável. Em nome do progresso tudo vai sendo alterado ou modificado até, a mente das pessoas vai ficando mais preversa.
    Antónia Lopes

    ResponderEliminar
  11. ".... A TERRA era um lugar paradisiaco,com cheiros, cores, sons e sabores como não existiam em qualquer outra parte do mundo.Falava-lhe de estevas, urzes, arçãs,papoilas, alecrim; de andorinhas, melros,calhandras,cotovias, poupas, cucos , gaios.Descrevia as encostas do Rio, no fim do Inverno,com amendoeiras em flor, como parecendo véus de noiva , em Junho com os seus tons de castanho,amarelo, verde e roxo, e em Outubro com os tons dados pelas folhasl secas das árvores e das vinhas lembrando telas dos melhores pintores.Falava-lhe das oliveiras no Inverno,geladas,como lembrando árvores de prata, dos pingarelhos de gelo caindo dos beirais como lembrando peças de cristal.FALAVA-LHE também da capelinha de Santo ..., lá junto ao rio, que corria preguiçoso nos dias cálidos de Verão e tumultuoso nos dias de Invernia, como que ciumento das encostas que o ladeavam...."Estórias com sabor a Nordeste de Regina Gouveia

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.