Uma romaria que traz a memória de lendas e milagres relatados pelos fiéis.
Nenhuma pessoa viva pode precisar quando começou a devoção a Santo Antão da Barca, cujo santuário é ainda hoje palco de uma romaria que junta num vale profundo, dividido pelo rio Sabor, a seis quilómetros de Parada, freguesia do concelho de Alfândega da Fé a que pertence a capela, milhares de pessoas todos os anos, no primeiro fim-de-semana de Setembro.
Para lá vão dois caminhos, um que parte do lugar de Sardão, no concelho de Alfândega da Fé, e outro de Meirinhos, no concelho de Mogadouro, fazendo ainda fronteira com a ermida as freguesias de Carviçais e Felgar, do concelho de Torre de Moncorvo.
Os crentes, esses vinham outrora de todas as aldeias circundantes num raio de distância significativo, e hoje talvez mais reduzido, desde Carviçais a Castro Vicente, de Mogadouro a Vila Nova de Foz Côa.
Hoje em dia, os carros descem ao vale, através de um caminho íngreme mas possível até para os veículos sem tracção, e o regresso, por isso, acontece mais cedo. Mas em tempos, era a pé ou de macho que o percurso de cerca de sete quilómetros a partir do lugar de Sardão era feito. E o regresso, esse só acontecia ao romper da aurora do dia seguinte, como recorda a senhora Guilhermina, de 76 anos, uma das poucas que ainda habita no lugar de Sardão. "Havia dois caminhos", recorda, "um para os machos e outro para as pessoas". "Vínhamos por volta do meio-dia", prossegue, e quando lhe perguntamos se era uma boa oportunidade para "engendrar" namoricos, responde prontamente que sim. Afinal, tratava-se de uma oportunidade rara de convivência um pouco mais prolongada entre rapazes e raparigas. Por todos os cantos se viam "a conversar", diz a D. Guilhermina.
O tempo, depois da missa e da procissão, que já há muitos anos segue por um arruamento aberto exclusivamente para o efeito, era passado a dançar e a cantar quadras, algumas delas feitas para a ocasião, mas que a D. Guilhermina já não consegue repetir na íntegra. Os homens jogavam "ao ferro", lembra, e havia ainda animação musical. Bandas, diz, chegavam a ser "três ou quatro". À noite, ninguém dormia, a não ser as crianças, que acabavam por não resistir ao cansaço e eram então deitadas em mantas, ao relento.(Continua nos comentários)
CONTINUAÇÃO:
ResponderEliminarA história e as lendas
A capela foi mandada construir pelos Távoras, família proprietária de grandes herdades naquela região, há mais de 200 anos, no local conhecido como Poço da Barca, pois nesse local o rio era atravessado de uma margem para outra por uma barca que transportava pessoas e mercadorias diversas, como relata António dos Santos Lopes, numa pequena compilação de dados que reuniu num livro sobre a ermida. Segundo este autor, a última barca terá desaparecido no ano de 1953. Mas esta capela terá, segundo a lenda, substituído uma outra mais antiga, erguida já em honra de Santo Antão, eremita egípcio que terá vivido nos séculos III e IV, até aos 105 anos de idade, adoptado, então, pelas gentes da região como padroeiro da barca.
Os populares nem sempre relatam esta versão da história do santo padroeiro. A maioria das pessoas, especialmente as mais velhas, contam outra, embora as duas não sejam necessariamente incompatíveis. Dizem que este santo terá dado todos os seus bens aos pobres, dedicando-se depois à humilde tarefa de guardar porcos. Isto explica a imagem do santo, que tem aos pés a figura de um porco, e numa das mãos a campainha para chamar os animais quando se dispersavam.
São também os populares que relatam alguns dos milagres alegadamente alcançados por intercessão do santo, muitos deles têm a ver com barcas que se afundavam, sem que no entanto ninguém perdesse a vida. Um dos mais importantes, e que os populares puseram em verso, terá acontecido num dia de Natal. Transportava a barca doze pessoas e "cinco bestas", quando se afundou no rio, causando grande agitação nos que da margem viam o desastre. Todos recorreram então a Santo Antão, e todos acabaram por se salvar, incluindo os "cinco jumentos carregados" sem qualquer "prejuízo".
Um outro milagre que os populares relatam tem a ver com outro objecto da devoção das gentes locais: o Divino Senhor da Barca. Reza a lenda que, em tempos, as gentes da aldeia de Meirinhos quiseram roubar a imagem para a sua igreja, o que chegaram a fazer. Mas quando se deslocavam na barca para a outra margem, a imagem ia-se tornando mais pesada e começava a estalar, pelo que os forasteiros se viram obrigados a regressar e a deixar a imagem na capela onde hoje permanece.
Romaria secular - Santo Antão da Barca
por Virgínia do Carmo
Olá, Virgínia do Carmo:
ResponderEliminarNunca fui à festa de Santo Antão da Barca, mas é como se já tivesse ido, tivesse palmilhado o caminho "para pessoas", tivesse lavado os olhos no Sabor que corre nesse vale profundo e tivesse lavado a alma ao entrar na capela. É que a sua descrição é viva. Gostei muito.
Um abraço
Júlia
Não foi e não vai,acabou-se.Fica este texto/reportagem e mais alguns...ainda bem que o publicaram e parabéns à autora.
ResponderEliminarVirginia do Carmo e Antero Neto vieram enriquecer a equipa deste blog.É preciso "contratar"mais colaboradores,Macedo ,Mogadouro,faltam de Freixo,Miranda...todo Nordeste.
ResponderEliminarVou enviar por mail uma lista de potenciais colaboradores.
Porterrasdonordeste
http://lenteoculta.fotosblogue.com/15496/Capela-Santo-Antao-da-Barca/
ResponderEliminarhttp://www.acorianooriental.pt/noticias/view/207959
by googleman
Da excelente jornalista e poeta Virgínia do Carmo esperamos mais colaboração pois, como foi dito acima,só vem enriquecer este blogue.
ResponderEliminarUma moncorvense
Obrigada a todos; um abraço! :)
ResponderEliminarJosé Sobral :Já lá fui muito feliz, mas vai desaparecer para a construção da Barragem do Sabor.
ResponderEliminarJoão Martinho: No minimo vergonhoso amigo Sobral
ResponderEliminarEste belo texto de Virgínia do Carmo foi aqui publicado em 04/02/2011.Amanhã,primeiro sábado de Setembro(01/09/2012),será a última vez em que se realiza a secular romaria neste local.As novas instalações estão em adiantado estado de construção.
ResponderEliminarPassei muitas vxs de barca para ir á festa do Stº Antão e dormi muitas noites ao relento à espera do romper d'aurora para poder regressar a Carviçais minha terra natal. Desses tempos embora dificies guardo boas recordações. A paisagem era maravilhosa e o convivio era saudável. Em nome do progresso tudo vai sendo alterado ou modificado até, a mente das pessoas vai ficando mais preversa.
ResponderEliminarAntónia Lopes
".... A TERRA era um lugar paradisiaco,com cheiros, cores, sons e sabores como não existiam em qualquer outra parte do mundo.Falava-lhe de estevas, urzes, arçãs,papoilas, alecrim; de andorinhas, melros,calhandras,cotovias, poupas, cucos , gaios.Descrevia as encostas do Rio, no fim do Inverno,com amendoeiras em flor, como parecendo véus de noiva , em Junho com os seus tons de castanho,amarelo, verde e roxo, e em Outubro com os tons dados pelas folhasl secas das árvores e das vinhas lembrando telas dos melhores pintores.Falava-lhe das oliveiras no Inverno,geladas,como lembrando árvores de prata, dos pingarelhos de gelo caindo dos beirais como lembrando peças de cristal.FALAVA-LHE também da capelinha de Santo ..., lá junto ao rio, que corria preguiçoso nos dias cálidos de Verão e tumultuoso nos dias de Invernia, como que ciumento das encostas que o ladeavam...."Estórias com sabor a Nordeste de Regina Gouveia
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