...em Moncorvo.Foto cedida por Paulo Patoleia. |
[Apresentação do livro de Paulo Patoleia, “Rostos
Transmontanos”, em Torre de Moncorvo, no dia 26 de Julho de 2014, pelas 21
horas, na igreja da Misericórdia]
Boas noites!
Bem-hajam por terem vindo.
E sejam bem-vindos à vetusta vila de Torre de Moncorvo, fundada
pelo rei Dinis no já longínquo ano de 1285, mais precisamente a 12 de Abril,
momento em que lhe foi outorgada carta de foro, não obstante a povoação já
existir como aldeia da então sede, hoje a Derruída Santa Cruz da Vilariça.
Saúdo o Presidente da Câmara Municipal, o Alcalde-presidente
da Municipalidade de Morille (Salamanca), o Vice-presidente da Academia de
Letras de Trás-os-Montes, o Provedor da Misericórdia, a Bibliotecária Helena
Pontes, os familiares, os colegas, os conterrâneos, os amigos e amigas.
E uma saudação especial, aos três “rostos” representados
neste livro e nesta sala presentes. Eles são os protagonistas desta cerimónia.
Reunimo-nos aqui para assistir ao lançamento de um livro, um
livro que na verdade é um monumento, um monumento que pretende homenagear a
gente transmontana, gente que herdou um território e que se prepara para no-lo
legar.
É um livro pelas suas características, especial. Especial
pelo conteúdo -fotografias e textos- e pelo cuidado com que foi trabalhado para
poder circular, para poder ser usufruído.
Relativamente às características físicas do livro, saberá o
Editor dizer melhor do que eu.
Mas atentem bem nesta capa! Capa sobre a qual, há dois dias,
o meu amigo Euclides Griné, membro dos Estudos Literários da Universidade de
Coimbra, ao agradecer o convite que lhe enderecei para este encontro (e que
ainda não conhece o livro, apenas a capa), dizia que “a capa é notável: vejo
nela o tempo feito, o coração no meio e a interrogação adiante”.
Nele se apresentam 74 fotografias, sendo que uma delas
representa o Fotógrafo e é de autoria do seu amigo e nosso conterrâneo Leonel
Lopes, e a cuja memória foi o livro dedicado.
Possui 4 textos mais extensos, a minha Apresentação, o
Prefácio da Tradutora / Intérprete Isabel Matos, a Introdução pelo Conservador
/ Restaurador e amante da Fotografia Jorge Abreu, e um Posfácio do Alcalde de
Morille e professor da Universidade de Salamanca Manuel Ambrosio Sánchez.
Todos aqui presentes.
Mas a ele livro se associaram mais 46 amigos que, com a sua
pena, legendaram os retratos, o que perfaz um total de 52 autores.
52 autores! Reparem bem! Só um registo fotográfico com esta
força anímica é capaz de mobilizar tanta gente.
São eles (exceptuando-se os dois Fotógrafos), por ordem
alfabética: A. M. Pires Cabral; Alfredo Cameirão; Amadeu Ferreira; Antero Neto;
António Afonso; Antonio Gómez; António Júlio Andrade; António Luís Pereira; António
Pimenta de Castro; António Sá Gué; António Tiza; Arnaldo Silva; Artur Salgado; Assunção
Anes Morais; Augusto Bordalo Ferreira; Bernardino Henriques; Berta Nunes; Carlos
Carvalheira; Carlos d’Abreu; Carlos Pedro; Carlos Sambade; Chus Sánchez
Villasante e José Ballesteros; Emilio Rivas Calvo; Ernesto Rodrigues; Fernanda
Guimarães; Fernando Mascarenhas; Henrique Pedro; Isabel Mateus; Isabel Matos; J.
Rentes de Carvalho; João Farias; Jorge Abreu; Jorge Cordeiro; Júlia Ribeiro; Lara
de León; Leandro Vale; Leonel Brito; M. Hercília Agarez; Manuel Ambrosio
Sánchez; Maria de São Miguel; Miguel Pires Cabral; Paula Machado; Renato Roque;
Rogério Rodrigues; Rosa Sánchez; Teresa Leonardo Fernandes; Tiago Patrício; Virgínia
do Carmo; e Vitor da Rocha.
O meu bem-haja a todos eles por terem aceitado, sem hesitar,
este desafio. Desafio que, com o Editor António Lopes, tive o prazer de
coordenar.
Editor a quem muito devemos por ter tornado possível este
livro. E eu que o diga!
Quando as fotografias de Paulo Patoleia começaram a ser
mostradas na exposição itinerante, rapidamente alguns de nós percebemos que
mereciam ser reproduzidas em livro para mais gente a elas poder aceder. Isto
ocorreu em 2011. Nesse ano uma editora de fora foi contactada, não por mim. E o
seu responsável aceitou o desafio e chegou com o Fotógrafo a assinar um
contrato, contando ela vir a ser subsidiada através de mercenários que operam
na zona mas, a subvenção falhou e o contrato caducou.
Entrei eu em cena a pedido do amigo Patoleia. Foram
solicitados os textos a três outros autores em Janeiro de 2012.
Fui organizando o material, solicitei a elaboração da
maqueta, pedi alguns orçamentos a gráficas, tudo com vista a candidatar a sua
publicação ao “Programa de Apoio aos Agentes Culturais”, da Direcção Regional
de Cultura do Norte, através da Associação Cultural e Recreativa de Maçores.
A candidatura foi apresentada em Março desse ano e após
vencidas todas as burocracias, da qual ficámos a aguardar o desfecho, desfecho que
se demorou vários meses -muito para além do calendário previsto no regulamento
do referido programa-, findo os quais, recebemos a notícia de que o nosso
projecto não havia sido contemplado.
A verdade é que o programa apoiou na região, nesse ano, 37
outros projectos, no valor de 30.700 €.
Entretanto quis o acaso, cruzar-me com o nosso conterrâneo
Editor António Lopes, a quem dei conhecimento do projecto. De imediato se
propôs reunir connosco para conhecer o trabalho e, após essa reunião, decidiu
apoiar incondicionalmente a publicação. Naturalmente que isto aconteceu, porque
o Escritor António Sá Gué também é transmontano e, a sua condição de Agente
Cultural da região, não previa outra decisão face a material com esta
qualidade, no qual, logo nos comunicou, também se revia.
Mas para não alongar este acto, uma vez que há várias outras
pessoas que deverão intervir, passo directamente à minha leitura da Obra:
Rostos
Transmontanos,
tal é o mote. E que dele ninguém
remoque porque o não permitiremos!
O nosso conterrâneo e amigo Paulo
Patoleia, rebelde na juventude, ainda hoje de espírito irrequieto, após muitas
aventuras, venturas e (algumas) desventuras, descobriu nos últimos anos o gosto
pela Fotografia. Desenvolveu-o e achou a arte que ela encerra. Conseguiu-o
através do género “retrato”. Não o retrato que os nossos antepassados mais
próximos buscavam nos fotógrafos da vila de Moncorvo (que os teve muito bons),
para remeterem aos familiares ausentes nas Áfricas ou nos Brasis. Ou os
exigidos pela Administração, para o Bilhete de Identidade. Não! Estes são
retratos especiais. Muito especiais. As fotografias aqui reproduzidas revelam
primeiro que tudo o olhar do fotógrafo. De seguida, o rosto registado pelo
fotógrafo, o sujeito da fotografia, não a coisa, o objecto, mas a pessoa e o
seu mundo. Depois… Bem, depois o nosso olhar é conduzido a penetrar o olhar do
fotografado. E é a leitura que daí resulta, que nos faz perceber a mestria do
Paulo.
Se neste trabalho o Paulo Patoleia
revela, por um lado, coragem (porque arrisca expor, expondo-se), por outro
mostra-se generoso (porque sabe partilhar). É nesta partilha e só devido a ela,
que podemos perceber que é um criador.
Estes rostos não deixam ninguém
indiferente. São o rosto de uma região inteira. Contêm toda a Geografia
Transmontana, revelada pelos sulcos neles impressos durante a passagem do khrónos. Tempo e telurismo, juntos. Solo
e clima agrestes. Ladeiras, fragas e arroios. Moroiços, socalcos, cepas,
oliveiras e amendoeiras. Janeiros geadeiros e canículas estivais. As leiras.
Afinal daimosos porque dobrados pela vontade inquebrantável de sobreviver no
território que lhes calhou para viverem.
São retratos, são gente, gente que
povoa um território que se despovoa. São metáforas. Mensagens de canseira, de
solidão, de sofrimento, de mágoa, de privações, de sobrevivência, por vezes de
resignação. Mas também os há, de confiança, de grandeza, de fé e até esplendor.
Todos dignos.
E não resultam de um casual
registo do real, antes de uma intenção facilitada pelo facto do retratista
estar também retratado. Pois só quem sente ou pertence verdadeiramente a um
povo, lhe consegue captar a sua essência.
Quando vimos pela primeira vez
este conjunto de retratos, perguntamo-nos se os retratados, quando se deixaram
fotografar, imaginaram que viriam a ser mostrados em público. Nesse momento
chegamos a questionar-nos da licitude do acto, quer dizer, do direito ou não de
expor na àgora, uma pessoa assim, “desnudada”. Se o fotógrafo os informara da
sua intenção. E muito menos que sobre eles viéssemos a escrever. Será que se
alguns deles nos vierem a ler, directamente ou por interposta pessoa, se não
rirão de nós, por pormos ar tão grave em rostos e vidas tão simples? Que
legitimidade temos para registar e sobretudo tentar interpretar a vida alheia?
É esse um exercício necessário? Que contributo damos, uns e outros, para
melhorar a vida deste povo?
A verdade é que este conjunto de
telas é um registo in extremis de um
corpo extenuado, que definha porque o seu sangue embarca todos os dias. Já não
é só o vinho que desce o Douro, é também quem plantou as cepas. E antes que
elas mirrem, contemplemos os multifacetados rostos do Paulo Patoleia!
Carlos d’Abreu
Nota do editor: Vamos publicar, ao longo destes dias, vários textos relacionados com o livro e as várias apresentações que estão a decorrer.
Veja as fotos do evento:
Parabéns ao Paulo Patoleia por este seu livro tão especial : um riquíssimo conjunto de rostos transmontanos que transmitem um milhar de sentimentos e emoções, retratos de vidas laboriosas, porventura retratos de almas e seus sonhos irrealizados.
ResponderEliminarParabéns também ao Sá Gué pelo seu excelente trabalho de edição .
Abraços para ambos e para o prefaciador.
Júlia Ribeiro