sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

“Quinta da Laranjeira”, por Júlio Augusto Alves

Logo que cheguei à “Quinta da Laranjeira”, fui apresentado a todos que  trabalhavam naquela casa, depois levaram-me à presença do senhor Carvalho e da senhora Teresa.
QUINTA DA LARANJEIRA

  Mandou-me sentar numa cadeira e estivemos a conversar por algum tempo. Disse-me o que tinha a fazer na Quinta e o nome de alguns empregados, dizendo:
-         Espero que te sintas bem na “Quinta da Laranjeira”, depois começas a conhecer todo o pessoal, tens muito com quem conversar. O Ti Alberto e a mulher são os caseiros, são boas pessoas, assim como os pastores e os criados. São conversadores e, quando os conheceres melhor, verás que me darás razão. O empregado mais velho,  que está na Quinta, é o “Ti Nunes.” Já vai em dez anos que está cá, podes perguntar-lhe se está contente connosco. O serviço dele  é só andar a acarretar a água para o gasto de casa. Nós só gastamos água do Rio Sabor, os nascentes no Verão secam. Não é preciso dizer-lhe o que tem a fazer, nem ninguém o manda, é muito diligente. Sei, também, que estiveste em Lisboa a aprender a serralheiro, se tu quiseres, podes ajudar o ferreiro a reparar as  ferramentas e apetrechos da lavoura. Vou mandar chamar o “Ti Nunes”, para tu o conheceres.
Passado pouco tempo, um homem dos seus cinquenta e tais anos, que na Quinta  era tratado pelo velho Nunes, apareceu à porta e disse:
-         O senhor Carvalho mandou-me chamar?
-         Entre, Ti Nunes....  é este o rapaz  de que lhe falei há dias!.. agora vai ficar cá, na Quinta, para o ajudar nos serviços que vocemecê precisar. Quero que lhe vá ensinando como há-de ir à água ao Rio Sabor. Ensine-lhe onde é a fonte e de futuro é ele que vai buscar o leite ao bardo, levar a comida aos criados e segadores.
Depois destas recomendações, foi comigo dar uma volta pela Quinta para a conhecer, conversando sobre diversos assuntos. Aparecendo a  sobrinha do Ti Redondo, senhora Teresa, que tinha ido dar algumas ordens aos criados, e dando as boas tardes, acompanhou-nos no passeio pela Quinta. Era uma mulher alta e forte, aproximadamente dos seus quarenta e dois anos. Verifiquei que todo o pessoal da Quinta lhe tinha respeito, sendo ela que praticamente dirigia todas as tarefas, no que dizia respeito ao amanho das terras e do gado da Quinta.
Com o decorrer do tempo, fui-me familiarizando com todo o pessoal, conhecendo os criados e criadas assim como  todas as  pessoas, das aldeias próximas, que andavam à jeira na Quinta. Umas vezes ajudava o “Ti Nunes” a acarretar água para os gastos de casa, outras, ia buscar o leite ao bardo, local onde as ovelhas dormiam nas terras para estrumar, levando a comida aos criados na arada, aos segadores e muitas vezes guardava as vacas, quando andavam a pastar, junto ao rio. Outras vezes ajudava o ferreiro a consertar as ferramentas da lavoura. Aos domingos acompanhava o senhor Carvalho à vila, permanecendo na vila, até segunda-feira. Era quando eu ia visitar os meus primos, a família do “TI Redondo” , e ia ao cinema.
Ia vivendo no meio de pessoas humildes e rudes, educadas e  respeitadoras, mais parecendo uma família do que pessoas estranhas. O meu melhor amigo era o “velho Nunes”, como era chamado por todos, estava sempre a dar-me bons ensinamentos e bons conselhos, para qualquer local que nós íamos estava sempre a recomendar-me:
-         Júlio...tu ainda és muito novo, não te prendas nesta vida do campo, não há dúvida que é uma vida saudável, mas não te dá futuro nenhum. Eu bem tenho visto que tu não és tolo, tens possibilidades de arranjar outra coisa melhor. Quando vais com o senhor Carvalho à vila, trazes sempre o jornal para leres, tenho reparado que vais ler para debaixo dos eucaliptos e isso é um sinal de quem quer mais alguma coisa. Disseste-me, aqui há dias, que tinhas estado em Lisboa, com uma tua irmã, e que devido a tu teres errado vieste embora, mas eu tenho reparado que a tua educação é diferente destas gentes e como tal dava-te o conselho de lhe escreveres e pedires desculpa por tudo o que fizeste, pode ser que te perdoem e voltes para lá.
-         Eu gosto muito desta vida.... Ti Nunes, embora seja uma vida rude e cheia de sacrifícios, sou muito novo, gosto da vida do campo e de ser independente. Tenho irmãos em Lisboa, mas devido aos meus erros e garotices, como já lhe contei, têm razão em não me aceitarem em casa deles. Eu bem sei, que quando somos novos não pensamos o mal que fazemos, mas depois,  mais tarde, é que vem o arrependimento,  torcemos a orelha mas já não deita sangue.
 
 IN  AS MARCAS DO DESTINO  de  Júlio Augusto Alves

3 comentários:

  1. Maria Fernanda Fernandes escreveu:Nesta Quinta faziamos pic-nics de verão com autorização do Sr.Luis de Carvalho,bem comidos e bem regados e no fim uma boa banhoca no rio Sabor...!!!

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  2. Bonita estória. A senhora Teresa (Teresa Catalão) prima de minha mãe, também Catalão, da corredoura, e naturalmente minha prima também. No início dos anos sessenta a quinta da laranjeira ainda era de referência, em queijo e requeijões, azeite e amêndoa e um bom local de pesca. Ali se cultivava um pouco de tudo. Milho, trigo, centeio e cevada, pardas (lentilhas), feijão pequeno, batata, feijão branco e feijão de vaca e todo o tipo de produtos hortícolas daquela época. A vinha era pequena comparada com o que é hoje. Fui até lá a pé algumas vezes entre os 6 e os 10 anos. Agora ficará alagada quando encher a barragem de juzante assim como o fragão e o alcaide e por ali descansarão submersos "farrapos" da minha infância e juventude os da "memória" ficarão comigo. Tempos de mudança.

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  3. há alguém da família do sr. Luís Carvalho que possa encontrar?

    A Quinta das Laranjeiras foi vendida após a morte do sr. Luís Carvalho, certo?

    Sou família desse senhor, e gostaria muito de encontrar alguém dessa parte da família, de quem se perdeu todo o contacto.

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