quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

BALADA DE NEVE

 Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…


E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.

Augusto Gil


Fotos A.F.F.M.


6 comentários:

  1. Também vi esta neve, viajei com ela, sempre a mesma e evocando o mesmo, sem se parar nem por assim dizer fotografar com receio de não se ser capaz de arrancar de novo na estrada entretanto apenas levemente delineada (só com ela e mais ninguém). Desde a escola de sempre chama-se Augusto Gil, sim. Porém é no terreno que refaz, em clima temperado, pela raridade e então se sente melancolia quase absoluta e salvífica.
    Tudo o que está a mais, quando ela coalha e nos calha, assume um lado muito discreto, não estorva o olhar, sugere que poderia ter sido assim delineado todo o património construído (que todavia oferece a infraestrutura e isso já é bem bom).
    Pouco depois do meio dia, porém, já a sopa de legumes nos fazia quentes na Torre.
    A parte do perigo a acenar que o não é, a imensa branquidão deu-se-me nesta manhã, entre as nove e as dez horas, de Castelo Branco (Mogadouro) até Carviçais (Moncorvo).
    Só em porto já seguro foi possível ouvir (não ver) os pássaros também eles de certo modo admirados, assim se me afiguraram.
    Previsão de neve para amanhã na cota de 400 a 600 metros, era mais ou menos isto que painéis, no IC5, informavam ontem à tarde, mas vá lá a gente acreditar. Se à nossa porta não há neve que nos faça estancar então toca a romper.
    A ciência ajuda mas para que o encanto não se escape por entre os dedos de mão ou pé é por vezes necessário colocá-la entre parêntesis (ou parênteses).
    Este nevão não se cinge às terras altas e, como outros, tem certamente efeito fecundante, bem distribuído por que modulado pelo que havia antes, permanece e vai haver depois, mais ano menos ano, num contentamento de inverno um tanto paradoxal, já que frio é, embora, no momento, não pareça.
    Carlos Sambade

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  2. Laura Araujo escreveu:tenho pena de nao estar aqui.

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  3. Ver cair os farrapos de neve é uma das vivências que se não esquecem. E então, quando cobrem uma cameleira veremelha, fazem logo recordar aquele conto de Fadas em que a rainha desejava ter "uma menina branca como a neve, lábios vermelhos com um grão de romã.". Aqui os lábios da Branca de Neve seriam vermelhos como as camélias.
    Bom, só estou a dizer tolices.
    Apesar do frio, gostava de estar para os nossos lados.

    Obrigada ao Lelo pelas fotos e pela Balada da Neve.

    Júlia

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  4. Addie Morgado escreveu:não sei se tenho saudades da neve, não tenho grande experiência, mas que saudades tenho de quando aprendi este poema...é um dos que nunca me esqueci...e era ainda tão miúda. lindo!

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  5. Ora aí está:de ou da neve.Parece a barracada do decreto para os municípios: de ou da.Claro que filho de não é o mesmo que filho da...
    De, tem a ver com o feitio do dito e da com a dita.Não é?
    Noitibó

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  6. Mais um dia para alindar a minha querida terra do coração. Como eu gostava de te sentir e cheirar moncorvo da minha alma..aqui no sítio onde me encontro também há neve.,só que é mais fria e agreste. Em ti ,tudo é sereno e leve..ate a neve cai mansinha e se mistura no silencio puro das flores da amendoeira que tu tão bem sabes acariciar!!

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