Nascido e criado
no Nordeste Transmontano. «além do Rio» (Sabor), como diria a Autora, onde
recebi a maior parte dos valores e princípios morais e religiosos que me
enformam, foi com grande satisfação que me confrontei com as agradáveis
«vivências» que este precioso livro contém e que gostosamente acedi a escrever
estas singelas palavras de apresentação. Relembram e mostram todas essas
vivências, contadas em linguagem simples e típica da região, como e
principalmente na primeira metade do século xx, foi grande e quase heróica a
luta pela vida dos homens e mulheres do Nordeste Transmontano, luta e
sofrimento que não são capazes de ajuizar, ou mesmo de aceitar, todos aqueles
que tendo então nascido e vivido em grandes aglomerados populacionais, apenas
conhecem o conforto, a abundância e vêem superfluamente satisfeitas as suas
necessidades primárias. E as vivência que a Autora tão bem nos transmite, em
linguagem clara e simples do povo, fazem ver como a vida era dura, penosa e
sacrificada, nessa tão esquecida e ainda hoje abandonada região. Mas tornam
também evidente como esse povo era tão ingénuo e ao mesmo tem, abundantemente
possuído de elevados sentimentos altruístas e de uma humanidade e bondade a
todos os títulos louvável e exemplar. E se hoje algo mudou, não se sabe se para
melhor se para pior, relembrar e deixar escrito para os vindouros, como eram os
usos e costumes naqueles tempos e como era o modo de ser e viver das gentes
simples daquelas terras, é tarefa digna de todos os encómios e aplauso.
A Autora que
embora ali não tenha nascido, ali viveu quando jovem e ali vai frequentemente,
e ali se apercebeu, memorizou e sentiu, tudo quanto agora perpetua neste seu
encantador livro, o que faz numa linguagem sóbria, incisiva. acima de tudo bem
castiça, utilizando vocábulos conhecidos apenas daqueles que então ali viviam e
ainda vivem, alguns dos quais os autores dos nossos melhores dicionários não
conhecem ou não quiseram conhecer, como sejam pula, lafrau, soto, benairo e
tantos outros, descrevendo momentos e cenas de evidente crueza mas também de
puro lirismo, tendo quantas vezes por cenário a terra fria e agreste dessas
paragens montanhosas. E é também nessa linguagem, usando esses vocábulos tão
únicos e tipicamente transmontanos que nos relembra e permite avaliar como era
duro e que voltas era preciso dar para cozer os folares, apanhar a azeitona,
moer o pão. apanhar, curar e tecer o linho, e como trabalhavam nos seus ofícios
o alfaiate e o sapateiro. E como esquecer e não generalizar a descrição de
personagens tão elucidativas e tão características do nosso bom povo, como
sejam a do Fadista, a Filomena do Curral. a Maria do Pé Leve, a Dama do
Açafate, o ourifeiro e os potriqueiros? E é com sofrida saudade que a Autora
nos refere mais de uma dezena de aldeias ou povoações, de aquém e de além do
rio, desde o Sardão a Carviçais ou desde os Cerejais à Saldonha. E é também com
saudade que nos faz relembrar e como que reviver os alegres e despreocupados
momentos vividos nas festas do Santo Antão da Barca e da Nossa Senhora do
Caminho ou mesmo na feira dos Gorazes em Mogadouro. São, pois, de elevado
sentimento, por vezes de alguma crueza mas sempre de muito e puro lirismo, os
momentos que povoam estas deliciosas páginas, escritas em linguagem sóbria,
castiça e vernácula, muito incisivas e carre-gadas de humanidade. Ficção ou não
estas «vivências», vividas ou não e parece que sim, pelo menos algumas delas,
pela própria Autora, é delas por certo que provém parte do seu cerne de grande
escritora que é. Principalmente todos os que somos transmontanos e em
Trás-os-Montes temos as nossas raízes, é com redobrada emoção quase sofreguidão
que ao ler e sentir estas «vivências», nos sentimos regressados à nossa
meninice e cada vez mais transmontanos.
Parabéns à Autora.
ResponderEliminarJúlia Ribeiro