quinta-feira, 21 de novembro de 2013

DUAS CARTAS INÉDITAS DE TRINDADE COELHO E CAMPOS MONTEIRO

Por:António Pimenta de Castro

Nas minhas investigações sobre Trindade Coelho e Campos Monteiro para a elaboração de futuros trabalhos sobre estes escritores transmontanos, tenho deparado com muitas coisas interessantes, algumas delas inéditas, outras pouco conhecidas. Na verdade estou a recolher dados para a elaboração de algumas publicações sobre estes meus «dois amores» e a cada passo (felizmente) encontro coisas novas e interessantes que, na devida altura, terei todo o prazer de partilhar consigo. Foi o que aconteceu com estas duas cartas que agora vou partilhar com o leitor.
            Estas duas cartas fui descobri-las, posso bem dizer que, ainda praticamente inéditas. A primeira carta é de Trindade Coelho para Camilo Castelo Branco a Segunda de Campos Monteiro para Trindade Coelho.
            Vamos à primeira que, como referi, é de Trindade Coelho para o seu venerado Camilo. Para se perceber bem esta carta tem de se saber o contexto em que foi escrita. Trindade Coelho, findo o curso de Direito, concorreu para o cargo de Delegado régio do Ministério Público e com a ajuda de Camilo Castelo Branco foi colocado no Sabugal e pouco depois em Portalegre. Portanto, Trindade Coelho para além da admiração pelo escritor Camilo Castelo Branco devia-lhe esse favor que jamais esqueceu. Eis a carta:

                             “Ilustríssimo e excelentíssimo Senhor e
meu Grande e Querido Mestre:

            Hoje tem sido para mim um dia alegre...a ler nos jornais a simpatia afectuosa e o sincero entusiasmo com que todos recebem a sua visita a Lisboa.
            Eu também queria ir aí, mas o Tesoureiro- pagador não me deixa...Brindou-me hoje com o ordenado do mês que passou há 22 dias. E deu-me a fabulosa quantia de 16 mil reis com 625tostões(?) (1) Em compensação ainda não há 12 horas que promovi em 84 processos crimes! A sinceridade do meu desejo exige a sinceridade desta desculpa...De resto sou eu o primeiro...a não me conformar por elas. Mas enfim, é poderosa.
            Já gritei contra isto no Diário Ilustrado, analisando a última reforma judicial, mandaram-me calar, - sob pena de “me ser tolhido o futuro”.
Calei-me, quando não, tinha mais a dizer. Mas agora dão-me ganas de desferir nova carga, vendo-me privado de o ir visitar, em virtude de “gravidade das circunstâncias”. Daqui lhe envio porém as minhas afectuosas boas-saúdes, desejando vivamente que a visita à sua terra natal marque na saúde de V. Ex.a um período de vigor.
Se a doença fosse coisa que se pudesse repartir, eu oferecia-me para lhe ficar com metade. E não ficaria amortizada a minha enorme dívida de gratidão.
Palavra de honra!
Os meus respeitos a seu Ex.mo Filho cuja mão já uma vez apertei em Coimbra no quarto do Eduardo Carvalho, meu companheiro de casa.
Sempre, sempre às ordens de V Ex.a, como
                                     Discípulo, Amigo e criado
                                      Muito grato

                                        Trindade Coelho

                                  Portalegre, 22 de Setembro de 1887

Esta carta foi passada «a limpo» creio que por sua nora Maria Cristina Trindade Coelho, conservando-se apenas a última folha original, escrita pelo próprio punho de Trindade Coelho. Nesta interessante carta pode ver-se não só a profunda amizade, veneração e gratidão que Trindade Coelho tinha para com o grande Camilo Castelo Branco como também as dificuldades económicas que o nosso Trindade estava a passar apesar de ser Delegado régio do Ministério Público em Portalegre.
A Segunda carta é de Campos Monteiro para Trindade Coelho escrita em 27/11/1907 ou seja no ano anterior ao do suicídio do escritor mogadourense (Trindade Coelho suicidou-se a 9 de Agosto de 1908) (2). Sempre me interroguei se os dois escritores transmontanos se haviam conhecido, esta carta esclareceu esta minha dúvida. Esta carta é um pedido de desculpa de Campos Monteiro a Trindade Coelho. Porquê este pedido de desculpa? Vejamos o contexto em que foi escrita. Trindade Coelho era magistrado num tribunal que aplicava as leis do governo de João Franco e a mais odiada das leis: a lei de censura à imprensa. Trindade Coelho como magistrado aplicava a lei do governo franquista (Trindade Coelho era, como ele próprio dizia, um escravo da lei), como escritor condenava-a tendo mesmo escrito vários artigos contra ela. Este dilema levou-o a pedir a demissão do cargo, único sustento seu e da sua família, e essa demissão acompanhada da hipocrisia dos políticos que lhe prometeram reintegrarem-no no seu lugar logo que o governo despótico caísse (promessa que não cumpriram), foi uma das causas da sua morte.
Campos Monteiro deve ter escrito um artigo no jornal “ Voz Pública” contra essa lei e contra quem a aplicava, ou seja Trindade Coelho. Trindade Coelho, homem de uma grande sensibilidade, ficou magoado com o escritor moncorvense e este por sua vez apercebeu-se da tremenda injustiça que fez ao grande homem e intelectual que era o nosso Trindade, daí esta carta que revela uma grande dignidade e nos mostra dois verdadeiros cavalheiros. Vejamos a carta:

“ Ex. mo Senhor:

Em Agosto passado, a propósito de uma questão ventilada na “Voz Pública” fui eu roubar o espaço de uma coluna àquele jornal, para, a respeito de V. Ex.a, bondar umas considerações tendentes a mostrar a incoerências em que V. Ex.a me parecia laborar, verberando como escritor um certo número de leis que era forçado a aplicar como agente do Ministério Público.
Não houve em todo aquele insípido arrazoado – permita-me V. Ex. a franqueza – palavra alguma que não fosse escrita com sinceridade, desde o justos elogios ao artista até ás talvez exageradamente censuras ao magistrado.
              As razões do meu modo de sentir, expu-las aí nesse artigo, com a rudeza sincera que eu suponho constituir o substrato anímico de todo o transmontano. Não vale a pena volver a elas, sobretudo agora que V. Ex. acaba de abandonar o seu cargo, comprando assim bravamente o direito de fazer esta coisa, já hoje tão rara em Portugal: - caminhar de fronte erguida.
E é precisamente o conhecimento dessa resolução que me leva a escrever a V. Ex.ªfugindo evidentemente às praxes da boa cortesia, que nos intima a não nos dirigirmos a qualquer cavalheiro sem prévia apresentação.
Simplesmente, acima das praxes sociais coloco eu os ditames da minha consciência, a qual neste momento me ordena que, sem perder um minuto, venha perante V. Ex. a fazer amende(?) honorables, estendendo-lhe a mão, esta rude mão de proletário e um pouco confrade em Letras, que V. Ex.ª, honesto e digno como é, se não negará a aceitar.
Evidentemente, não basta esta simples carta. Pois que o agravo foi em público, em público e no mesmo lugar do delito deve ele ser sanado. Nesta data escrevo uma carta à “Voz Pública”, curta e anódina como convém sob o regime que esmaga a imprensa, mas, ainda assim, bastante explícita para dela se inferir quanto eu folgo em fazer justiça a quem se acaba de se revelar – um Homem!
V. Ex.ª terá a bondade de perdoar os minutos que venho de roubar-lhe, com a exposição de sentimentos que mediocremente o deverão interessar. Eu, porém, é que não poderia passar mais uma noite de sono tranquilo, sem fornecer à minha consciência este desafogo, que ela imperiosamente exigia.
De V. Ex.ª criado e admirador

                                        Campos Monteiro

S. Mamede de Infesta (Porto)
27 – XI –07”
Espero que tenha gostado de ler estas duas belas cartas e assim ficar a conhecer melhor estes dois grandes escritores transmontanos.

 NOTAS

(1)       – Na sua carta Trindade Coelho á frente de 625 escreveu apenas uma inicial ( que se lê muito mal) e que me parece indicar a palavra tostões.

(2)       – Há muitos escritores que apontam outra data para o suicídio de Trindade Coelho mas foi dia 9 de Agosto, entre as quatro horas e as cinco da tarde, que Trindade Coelho apontou ao coração o fatal revólver, na sua casa da rua larga de S. Roque, N.º 20, 4º andar, em Lisboa. Tenho em meu poder o assento de óbito de Trindade Coelho e li muitos jornais do dia seguinte (de que tenho fotocópia) em que atestam a veracidade desta data. Também a lápide de mármore afixada no dia 14 de Maio de 1911 na casa onde nasceu Trindade Coelho, em Mogadouro, diz o seguinte:

CASA ONDE NASCEU,
A 18 DE JUNHO DE 1861,
O GRANDE ESCRIPTOR E MAGISTRADO
JOSÉ FRANCISCO TRINDADE COELHO
FALECIDO EM LISBOA
 A
9-8-1908

1 comentário:

  1. Obrigada ao blogue por nos brindar com testemunhos desta raridade.
    São sempre interessantes estes documentos que nos informam sobre tanta coisa.
    E vejam como as relações sociais e até literárias se estabeleciam.

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