No último dia de Fevereiro, a Televisão presenteou-nos com
um "bate-papo" sobre caminhos de ferro. Muitos senhores, engenheiros, economistas,
técnicos, todos apostados em achar soluções para defeitos tantas vezes por eles
mesmos provocados. Destacarei apenas dois tópicos:
(1) Os ramais
ferroviários transmontanos;
(2) A relação entre a navegabilidade do Douro e os minérios
de Moncorvo .
A linha do Tua a Mirandela, primeiro troço, foi há quase 100
anos inaugurado por D. Luís, que ali se deslocou com a Família Real. Houve
festejos, e as boas-vindas foram-lhe apresentadas por um mestre-escola do Amedo.
O monarca abraçou-o, e nesse abraço saudou todos os povos transmontanos. Mais tarde,
o ramal prolongou-se até Bragança. Era pertença da Companhia Nacional de
Caminhos de Ferro que nós apelidávamos só por «A Nacional». Assim, «A
Nacional» explorou sempre a sua linha, servindo, pagando ao seu pessoal, respeitando
os seus accionistas. Mas um dia vem uma infeliz reconversão, passa tudo para a
C. P... e logo aparecem os défices, os
prejuízos que o Estado tem de cobrir. E dá vontade de gritar Aqui-del-Rei!
Não é só roubando que se prejudica o próximo, também se
prejudica com a má gestão da res-pública.E ao contrário do que em todos os tempos se fazia em que os
caminhos de ferro procuravam atrair a freguesia, agora faz-se o contrário,
aborrece-se, desmotiva-se. faz-se que se desinteresse. Desde Macedo até Bragança só em Roças há um funcionário;
em todas as outras paragens não há ninguém que diga se o comboio vem ou não vem (lembra o llega o non llega
dos espanhois), não há telefone nem ninguém que informe: 0 utente aborrece-se,
procura outro meio de transporte. a C. P. corta mais uma composição, caminho que
levará ao corte total,como pretende. E neste «bate-papo» vem-nos dizer que está
em estudo um projecto de não sabemos quê, que obrigará estes povos a suportar o
prejuízo!
Se estivéssemos como
no tempo em que D.Luis inaugurou
a linha, nós berraríamos: Aqui-del-Rei! que naturalmente logo diria: não se dá
dinheiro a quem não é capaz de administrar cabalmente. Seja feita a real
reconversão entregando a linha a quem foi sempre capaz de a explorar. Em 1928,
«A Nacional» tomou conta dos ramais da Régua a Chaves e Pocinho a Lagoaça,
(que depois levou a Duas-Igrejas) ramais estes altamente deficitários, o que
não admira, pois eram do Estado, que directamente os a dministrava. Pois a
partir dessa data, «A Nacional»
serviu a Nação, serviu os povos e não foi preciso as cenas que hoje a C.P. faz... não
serve, e provoca o desinteresse... e os fregueses fogem-lhe; é isso precisamente o
que ela quer. Ora nós queremos justamente o contrário: que a C.P. se vá embora e
deixe o trabalho a quem for mais capaz...tal
como já disso dera o exemplo.
Já há I4 anos se falava no encerramento da linha de Pocinho a Duas
Igrejas, e nessa altura, no semanário «Notícias de Trasosmontes» chamei a atenção para a
construção que se estava a fazer dum silo para trigo, junto à estação de
Mogadouro. Estava previsto o encerramento da linha, assim se fez, e o silo lá
ficou junto a uma estação que já o não é, junto a uma linha que já não existe. É certo que os carris ainda lá
estão, mas como vamos ver, não poderão
servir. Agora, como prémio de consolação (assim o julgam)
acenam-nos com os fins turísticos a que estes caminhos de ferro se podem
prestar. Vou abrir aqui um parêntesis para contar uma anedota
brasileira: um cacique eleiçoeiro trabalhou, trafulhou, e conseguiu fazer
eleger o seu candidato, que logo, de deputado no parlamento,foi a ministro.
Então o cacique apresentou-se para receber a paga, queria um. bom lugar; o novel ministro perguntou-lhe que lugar
pretendia. resposta: - Nomeia-me director das estradas de ferro, por
exemplo. Mas para isso são precisos conhecimentos técnicos que tu não tens, retorquiu o
ministro; mas o outro não desarmou: -Nomeia-me então
director-geral. Muito bem,isso é outra coisa. Nomeado. (Fecho o parêntesis).Para não ser acusado de ignorante, vou colocar-me ao nível
do assentador. (Os assentadores são os trabalhadores que assentam os carris,as
travessas, que montam e trabalham na conservação das linhas). Todos esses
operários sabem que enquanto passarem comboios, os carris, devido à vibração que sofrem, não são grandemente
atacados pela ferrugem, ele é como que sacudida; mas desde que abandonada a
via,sem serem vibrados, logo grandes placas de ferrugem dão, em breve, cabo
deles: a alma (parte vertical do carril ) aparece vasada. A linha sem limpeza, a água empoçada, valetas sem escoar,
logo iguaImente as travessas apodrecem e dá-se o alargamento da via, com o
consequente
descarrilamento. E os «dirigentes» querem com isto fazer comboios
turisticos... ou são
da força do tal da anedota brasileira, o que equivaleria a chamar-
lhes «directores de anedota»
ou julgam que por aqui somos, em todos os sentidos, um povo
subdesenvolvido. Estão enganados.
Se nos for permitido,voltaremos ao assunto.
Agora a navegabilidade do Douro e as minas de ferro. Estão ali, bem calculadas. 600 milhões de toneladas de minério. Há trinta e poucos anos estiveram em exploração. A C.P. fazia uns comboios intermináveis mas não conseguia transportar mais de mil toneladas diárias. Nem tanto. Podia transportar 300 mil por ano. E por este ritmo, seriam precisos mil anos para transportar trezentos milhões. Mas como são seiscentos milhões, seriam precisos dois mil anos para desmontar aquele minério todo.Ora há pouco apareceu por ali um outro director (de anedota?) que declarou termos ali minério para 50 anos!
Agora a navegabilidade do Douro e as minas de ferro. Estão ali, bem calculadas. 600 milhões de toneladas de minério. Há trinta e poucos anos estiveram em exploração. A C.P. fazia uns comboios intermináveis mas não conseguia transportar mais de mil toneladas diárias. Nem tanto. Podia transportar 300 mil por ano. E por este ritmo, seriam precisos mil anos para transportar trezentos milhões. Mas como são seiscentos milhões, seriam precisos dois mil anos para desmontar aquele minério todo.Ora há pouco apareceu por ali um outro director (de anedota?) que declarou termos ali minério para 50 anos!
Pasmoso. Nem na instrução primária. O impulso para a navegabilidade do Douro começou com o ministro Rafael Duque, que em rigoroso
incógnito, visitou as prospeções que se estavam a fazer. E viu que dali ao Douro
era perto, e podia o transporte ser feito em cabo aéreo. O rio,tornado navegável, estava o problema resolvido.
Podiam-se transportar alguns milhares de toneladas por dia, o que tornaria a
exploração rentável. E os subsequentes trabalhos foram ordenados neste ritmo. Mas
como na nossa terra há continuidade, cada novo ministro quer-se sempre
sobressair, outro titular entendeu que o Douro não devia ser tornado navegável. Um não, não se sabe porquê.
Construíram-se as barragens sem se
cuidar da passagem de barcos. Isso não se faria. E não se fizeram
os precisos canais quando a ensecadeira a isso obrigava. Mas vão ser feitos agora, com um
trabalho e despesa infinitamente maior,dado
que com as barragens feitas não se vai lá pôr dinamite. Na altura, com o
nosso esforço,( e em relação á
totalidade das obras não era muito) não se fez o preciso trabalho,
agora é preciso a ajuda dos estrangeiros... e o dinheiro deles... para nossa
sobrevivência. Não merece dizer o nome de tal ministro: é uma vergonha.Estive há anos em
Heidelberg, passei Iá umas breves férias, e aproveitei-as para ver como se fazia a passagem dos barcos. Fui até Neckarmund, a
montante, e jusante até ao Reno, a Worms. Ora o Neckar é um afluente do Reno,
mas represado parece um grande rio e contudo, aquelas barragens dão passagem a
barcos que vêm do Mar do Norte. E um rio pequeno que nem é aproveitado na
produção de energia elétrica, é só para a navegação. E nós temos um rio incomparavelmente maior, que pode produzir
eletricidade e ser navegável,e vêm os técnicos, tal como se viu na televisão,falar
displicentemente da possível navegabilidade ,como se isso e os tais seiscentos
milhões de toneladas de minério de ferro não constituam motivo de interesse. Se um brasileiro
ler estes escritos dirá que tal anedota não é brasileira ,dirá que o caso se passou em
Portugal.
SÁRREA DE BARROS
In "A Tarde"25/03/85
Fotos da responsabilidade do editor:minas de ferro de Moncorvo,rio Douro,linha do Sabor(Carvalhal),linha do Sabor e linha do Tua.
Esclareçam-me, por favor : Sárrea de Barros é o Sr. Barros? o Sr. Barros Dentista?
ResponderEliminarParecem as profecias do Bandarra.Está lá tudo ,só falta o GODINHO,O VARA E o senhor engenheiro socrates.Que corja nos suga .Alguém diz como será daqui a 25 anos?As figuras aqui relatadas ,desmascaradas e expostas pelo senhor Barros ,dentista(que não era DOUTOR)se um dia aparecessem no seu consultório, na rua do Cano, com uma infecção na boca(de tanto chuparem)devia arrancar-lhes os dentes todos pelo rabo!
ResponderEliminarEspoliado
Por que não nos governam homens como o Senhor Barros?É o nosso fado termos,ao longo da História, governantes incompetentes,desonestos,gananciosos,corruptos,ignorantes, arrogantes?!Com algumas (poucas,infelizmente)excepções,claro.
ResponderEliminarCrónica brilhante,em que,mais uma vez,se revela a inteligência, a lucidez e os conhecimentos profundos do Senhor Barros.
Uma moncorvense
Já repararam que faz amanhã 27 anos que o Sr. Barros escreveu este artigo? Ele desanca os políticos todos daquele tempo. Nem dá para acreditar que o gajo era conservador. Imajinem se não fosse?
ResponderEliminarR.Feliciano
Parece impossível os problemas de á 27 anos contihuam a ser os mesmos de hoje. Só que as linhas do Sabor e do Tua estão agora desmanteladas. O Sr. Barros explica muito bem o que se devia fazer para ser o Douro a transportar os minérios do ferro de Moncorvo. Este homem já tinha uma grande visão do futuro. Não era Doutor mas acho que sabia ele mais do assunto do que alguns engenheiros e governantes que estão a dirigir os problemas deste país e que não percebem a ponta de um corno.
ResponderEliminarAníbal Sousa Pereira
Eu queria partilhar isto, mas com este comentário, tão horripilante, brrrr! E logo no dentista!nã! coitados, não lhes batam mais!brbrbr!!!!!!
ResponderEliminarParece que o Sr Anónimo é o Sr Barros. Ou alguém a mando. Com tantos elogios. Se não é, pelo menos parece.
ResponderEliminarOk. Tudo bem.
ResponderEliminarÓ sr. Ranger D , nunca ouviu dizer que depois de morto, até o maior malandro passa a ser muito honrado e cheio só de virtudes?
ResponderEliminarEu não sei quem o sr. é, tal como você não sabe quem eu sou, mesmo que eu escreva o meu nome (não sei fazer de outra maneira) e você escreva o tal de Ranger D , continuamos a ser anónimos um para o outro e anónimos para quem aqui escreve e lê.
Mas conheci o Sr.Barros dentista e posso garantir-lhe que ele era boa pessoa. Bastava não levar dinheiro aos pobres que tratava. O Sr. Ranger D também procede assim?
Maria do Carmo Figueira
Oh Homem o senhor Barros já faleceu e este texto sim está vivo e bem vivo.Assusta-o os elogios? pois fique a saber que são poucos.Senhor Ranger o D é de Diminuido,Deformado,daldrabão,Despistado?Deve estar todo feliz por estarem a falar de si.
ResponderEliminarR.D.