Sinopse
Este é um trabalho de geografia regional que tem
como objectivo principal analisar a evolução da paisagem na freguesia de Sendin – Tierrade Miranda. Paralelamente
consideramos dois outros que são colaterais: ensaiar um método de abordagem
geotoponímica sobre um espaço relativamente restrito, tendo em conta a sua
aplicação futura a uma área regional mais vasta; mostrar como uma abordagem
geográfica de perspectiva complexa é imperativa para encarar problemas de
compreensão e consequente desenvolvimento de regiões com uma carga histórica e
de intervenção humana muito fortes, mas economicamente deprimidas por falta de
um modelo adequado de desenvolvimento.
Cada topónimo guarda na sua designação o tipo de
actividades agrícolas, industriais, de povoamento, de conquistas e reconquistas
e outras desenvolvidas pelo homem e pela natureza dentro desse espaço e, quando
não temos registos históricos escritos, podemos utilizar as designações de topónimos
como verdadeiros documentos, como verdadeiras fontes históricas, que nos podem
fornecer informações riquíssimas e da mais variada natureza, e por isso a tese
incorpora um anexo sobre a toponímia maior e menor da freguesia.
Carlos do Nascimento Ferreira nasceu emSendim, em
1961.
Licenciou-se em Geografia e Planeamento Regional na
Universidade Nova de Lisboa, em 1986.
Concluiu o Programa de Doutoramento da Universidade
de Salamanca, “El médio ambiente natural y humano en las ciências sociales”,
cuja tese de Grado defendida em 2003 agora se publica.
Desde 2009 que é Administrador-Delegado do produto
turístico Natureza na Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de
Portugal.
Foi Vice-Presidente da Região de Turismo do
Nordeste Transmontano, Vice-Presidente da ADTURN (Agência Regional de Promoção Externa
de Turismo do Norte) e representante do Secretário de Estado do Turismo na
região Norte de Portugal.
Foi Professor de Geografia e de Língua e Cultura
Mirandesa.
É empresário-proprietário do Hotel Rural “La
Tenerie”.
Entre 1986-1997 esteve emigrado em França onde trabalhou
como Diretor Comercial e Empresário.
Tem várias obras e artigos publicados sobre ambiente,
ordenamento do território e geografia, língua e cultura mirandesa, turismo de natureza
e turismo sustentável. É conferencista na temática do Turismo Natureza.
Prefácio
Dez anos depois de ter sido apresentado à
Universidade de Salamanca, este trabalho mantém toda a sua actualidade pois o
seu objecto tem a ver com os fundamentos que nos permitem compreender Sendim
inserido na Terra de Miranda, e que apenas no tempo longo e muito longo podem
mudar. Na sequência de abordagens geográficas genéricas, como a de Virgílio
Taborda, esta é a primeira visão geográfica de pormenor que conhecemos quanto
ao Planalto Mirandês e, em especial, relativamente a Sendim e ao seu termo.
A abordagem feita por Carlos Ferreira reveste-se de
grande novidade, pois não se limita aos aspectos tradicionalmente abordados
pela Geografia física ou humana, mas incorpora e estuda à luz do método
geográfico e de outras ciências relevantes, elementos que entre nós têm sido
ignorados pelos estudiosos, com particular relevo para a toponímia. Com efeito,
esta assume um papel central na economia deste trabalho que, também por isso,
se reveste de um pioneirismo que, embora não lhe conheçamos continuadores até
agora, se reveste de grande importância para a compreensão dos micro espaços
físicos e das micro sociedades humanas a que, desde a Idade Média, damos o nome
de aldeias. É óbvio que este estudo carece de um enquadramento mais amplo, de
preferência em resultado da síntese de estudos que se debrucem sobre outros
micro espaços, sendo esse natural enquadramento o do Planalto Mirandês que ainda
aguarda um tratamento de conjunto, devidamente aprofundado e de acordo com
métodos rigorosos. A partir deste trabalho, deixou de ser possível uma
descrição rigorosa do Planalto Mirandês sem que o tome por referência. Por isso
era uma lacuna grave a sua não publicação, que só agora se efectua graças aos
esforços do presidente da Junta de Freguesia de Sendim, Aquilino Ginjo.
Na sua investigação, Carlos Ferreira palmilhou todo
o terreno de estudo munido de um instrumento que já Orlando Ribeiro considerava
essencial, a saber, ele calçou as botas e foi a todo o lado, correndo o
território em análise até aos seus capilares, nenhum recanto lhe sendo
estranho. Através deste método conseguiu reunir uma imensa informação, muita
dela com carácter de novidade, aspecto essencial para que o conhecimento possa
avançar. A toponímia também o ajudou nesse primeiro e necessário conhecimento,
nomeadamente devido à descrição de cada uma das pequeníssimas parcelas que
mereceram ser designadas por um topónimo, algo que até agora nunca tinha sido
feito, pelo menos em relação ao Planalto Mirandês. Penso que este método não
pode ser abandonado, apesar dos modernos e sofisticados meios de abordagem
virtual da realidade, devendo o geógrafo e o interessado em conhecer
aprofundadamente a realidade sujar e gastar as suas botas, sentir o cheiro da
terra e encher os olhos de horizonte onde se recorte a orografia, a flora,
sinta o cantar das águas na primavera e os cortantes ventos de inverno, avalie
o mudar sazonal das cores das culturas e nelas adivinhe o fluir da vida e da
sobrevivência em sociedade ao longo de muitos séculos. Devido à minúcia e ao
rigor da sua descrição, fruto do método seguido, estou certo que este trabalho
se transformará num clássico a que será necessário recorrer para conhecer uma
realidade que está em transformação tal que, dentro de pouco tempo, ninguém
conhecerá em profundidade, em consequência do abandono dos campos e das
transformações nos métodos de cultivo, da alteração dos meios de transporte ou
das mudanças na apropriação dos solos.
A todos aqueles que gostam de tudo explicar com
simplistas generalidades,
incapazes de uma verdadeira profundidade, Carlos
Ferreira vem demonstrar como os micro espaços e as micro sociedades que os
habitam se revestem de uma tal complexidade que apenas abordagens detalhadas e
rigorosas permitem avançar na sua compreensão. Há que partir do estudo das
células para o estudo do corpo, são necessárias análises muito detalhadas para
que consigamos evoluir para novas sínteses, capazes de uma visão de conjunto
equilibrada e que sirva de base ao entendimento da nossa marcha sobre a Terra.
Estão em jogo não apenas dados objectivos da geografia física, mas saberes
milenares que as comunidades e as concretas pessoas transportaram consigo,
essenciais para compreender e escrever a sua história, e para ler adequadamente
a paisagem em que se insere.
Tem vindo a ser prática entre alguns autarcas a
preocupação com o conhecimento do passado histórico dos concelhos ou das
freguesias a cujos destinos presidem, daí tendo saído estudos ou mesmo monografias,
prática que é de louvar. Com efeito, conhecer o passado é importante para
perceber o presente e programar o futuro, saber de onde vimos é sempre
essencial para melhor saber por onde devemos continuar. Porém, essa prática tem
enormes limitações, elas próprias resultantes do método histórico, quase
exclusivamente assente em documentos escritos e, é bem sabido, são raros os
documentos que se referem às nossas pequenas comunidades rurais, e aqueles que
existem não têm só por si densidade para escrever uma história coerente,
abrangente e continuada no tempo. É necessário proceder a outro tipo de
estudos, que se socorram de métodos distintos e que no terreno sejam capazes de
avaliar a própria evolução das sociedades humanas e da sua luta pela sobrevivência,
e só a geografia, a etnologia e a etnografia, a literatura e a música, a
antropologia e a sociologia, entre outras, estão em condições de levar a cabo
tal tarefa. Por isso fariam bem os autarcas em levantar os olhos e ver muito
para além do que pode resultar do manejo de meia dúzia de documentos,
encomendando estudos a outras ciências além da história, pois devem ser os
especialistas a abordar essas questões com métodos adequados. Talvez muitos dos
nossos jovens pudessem abordar estas matérias nas suas teses universitárias,
seguindo o exemplo deste trabalho.
Hoje vamos ouvindo com cada vez maior intensidade o
dobre finados pelas nossas aldeias, facto que tem vindo a suscitar os mais
desencontrados sentimentos e as mais peregrinas ideias em ordem à sua salvação,
sem perceber o que se passa, como quem bate com a cabeça na parede. Com efeito,
mais de mil anos após a implantação do actual modelo de povoamento e de
economia de subsistência, ele entrou definitiva e irremediavelmente em colapso.
As abordagens pelo lado do sentimento romântico e de políticas que preferem
meter a cabeça na areia como se nada estivesse a acontecer são do domínio da
irracionalidade e correm sérios riscos de nada perceber e de intervir de modo
errado em relação ao desenvolvimento destas micro sociedades. Normalmente
oscilam entre dois polos extremos, o do abandono e o da manutenção a todo o
custo do que já não pode ser mantido, realizando por vezes vultuosos
investimentos sem sentido, em vez de proceder a estudos que permitam encontrar
a racionalidade de novos modelos, onde possam encaixar muitos dos saberes e
outros aspectos do anterior modelo. Assim, o facto de estar esgotado o anterior
modelo de subsistência agrícola, não pode significar o abandona da agricultura
em si, mas a busca de novos métodos, novas culturas, novos apoios, novas abordagens.
Em vez de abandonar as aldeias em demanda das cidades ou das vilas, há que
encontrar a racionalidade de um novo modelo de povoamento que poderá, na
maioria dos casos, integrar as aldeias, eventualmente com um novo tipo de
funcionalidades. Os bens que hoje as pessoas procuram para manter o equilíbrio
das suas vidas vão muito do que era exigido, em regra, pelo modelo de vida
anterior e era fornecido pelo adequado modelo de povoamento, pouco mais indo
além da subsistência. Esses bens têm que ser fornecidos, pois as pessoas tendem
a não passar sem eles e o novo modelo de exploração e de povoamento têm de se
lhe adaptar. Essa é uma reflexão que está em marcha e que necessita de ser
aprofundada pelo método correcto. Estudos como este de Carlos Ferreira, multiplicados
a muitos outros locais emblemáticos, e depois alargados a espaços de natureza
regional serão essenciais para avançar nos caminhos da transformação que hoje é
exigida pela pessoas e o seu bem-estar. O proverbial desprezo dos autarcas pela
vertente cultural do desenvolvimento humano e a sua atracção pelo betão e as
construções estão a ser pagas por um preço muito elevado e esse efeito tenderá
a acentuar-se no futuro. O resultado dessa miopia construtivista apenas
poderiam ser equipamentos, muitas vezes de luxo, que ficam às moscas, que a
ninguém servem e acabam ao abandono, num desperdício histórico de consequências
ainda imprevisíveis.
Não é dos menores méritos deste trabalho de Carlos
Ferreira o estudo e valorização que faz da chamada toponímia menor, elencada de
acordo com métodos correctos e não apenas com recurso aos nomes constantes dos
deturpados registos matriciais. Elencar essa toponímia de modo rigoroso, com
recurso ao saber das pessoas que sempre com esses topónimos lidaram, é tarefa de
um valor cultural incalculável e que, de uma maneira geral, ainda não está
realizada. Eu próprio tenho vindo a efectuar essa recolha em todo o Planalto
Mirandês, com recurso a vários apoios, também consciente do valor linguístico,
histórico, geográfico, etc. desses topónimos. Mas não basta elencar, exige-se
uma tarefa não menos importante que consiste na descrição rigorosa de cada um
dos espaços designados por cada topónimo, pois o nome só por si pouco dirá e
pode mesmo induzir em erros graves no seu estudo. Embora a inventariação dos
topónimos das terras de Miranda esteja praticamente concluída por mim, falta
esse trabalho essencial de descrição rigorosa, como faz Carlos Ferreira em
relação aos topónimos sendineses. Só após esse duplo trabalho estar completo
será possível empreender a imensa tarefa de estudar desses topónimos nas
suas várias vertentes. O objectivo deve ser a elaboração de um dicionário
toponímico do Planalto Mirandês, daí podendo advir essenciais e insubstituíveis
elementos na compreensão da sua língua, da sua história e da vida das suas
gentes. Em particular a língua tem muito a ganhar com a análise e compreensão
desta toponímia, quer pelo elenco de formas verbais caídas em desuso, quer
pelas pegadas deixadas por influências várias que muito importantes podem ser
para o conhecimento da evolução e da história da língua. O mesmo se diga da
fauna e da flora já hoje desaparecidas e também, em geral, da paisagem do termo
de cada aldeia, pois a toponímia é um repositório da memória, por vezes centenária
ou até milenária, que a mera lembrança das pessoas já não abarca e de que
nenhum documento nos ficou para dar testemunho.
Num trabalho desta natureza é essencial recorrer a
uma inventariação, recolha e tratamento de muitos saberes tradicionais, saberes
ligado ao fazer e, em geral, ao viver, feita por quem com eles viveu e
sobreviveu toda uma vida. Carlos Ferreira recorre de modo sistemático a esse
método, trazendo um conjunto agregado de elementos que pertencem à memória
colectiva dos sendineses, mas que até agora ninguém tinha tido a capacidade
para os reunir e a consciência para os valorizar e estudar adequadamente.
Também nesse domínio nos aponta um caminho que está por fazer em muitos outros
lados e seria essencial para um grande dicionário dos saberes mirandeses,
saberes que as suas gentes foram criando, incorporando, experimentando e
conservando ao longo de muitos séculos.
Com as observações anteriores não pretendo deixar a
ideia de que este é um trabalho perfeito, pois tal não existe, mas tão só de
que se trata de um modelo a valorizar, bem como a seguir e a desenvolver. Temos
de voltar constantemente à investigação fundamental e não nos ficarmos num
saber sobre livros que em nada pode inovar, porque nenhuma informação nova
consegue carrear para a análise em que assenta a investigação. Aquele é um
caminho mais difícil e moroso, a exigir maior maturidade e maior capacidade na
análise dos dados, mas é também o caminho mais frutuoso.
Deixo aqui os meus parabéns ao autor, lembrando-lhe
a promessa que ele próprio faz na sua tese, quando diz que este nada mais é que
um estudo introdutório à sua futura tese de doutoramento. É certo que a vida
nos leva muitas vezes por outros caminhos, mais prementes e até necessários,
mas espero que essa oportunidade não tenha caducado e, mais cedo que tarde, o
autor ainda nos possa presentear com tal estudo. Todos ficaremos a ganhar, a
começar pela própria Terra de Miranda, ou Planalto Mirandês, que seria o
anunciado objecto desse estudo.
Amadeu Ferreira
Nota do editor do blogue:os livros estão à venda em todo o país, tanto em lojas de grandes grupos (Fnac, Bertrand, Bulhosa, El Corte Inglés, Leya, etc.) como em livrarias tradicionais. Mesmo quando não estão imediatamente disponíveis, é possível encomendar em todas as livrarias clientes da Âncora Editora.
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- Tel.: 213 951 221
Livro obrigatória para quem queira estudar as terras de Miranda.Nasceu um clássico.
ResponderEliminarLeitor
Para os interessados no estudo da toponímia não existe melhor em Portugal: grande obra de referência.
ResponderEliminarLeitor