quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sendin – Tierra de Miranda – Geografia e Toponímia,por Carlos Ferreira

Sinopse
Este é um trabalho de geografia regional que tem como objectivo principal analisar a evolução da paisagem na freguesia de Sendin – Tierrade Miranda. Paralelamente consideramos dois outros que são colaterais: ensaiar um método de abordagem geotoponímica sobre um espaço relativamente restrito, tendo em conta a sua aplicação futura a uma área regional mais vasta; mostrar como uma abordagem geográfica de perspectiva complexa é imperativa para encarar problemas de compreensão e consequente desenvolvimento de regiões com uma carga histórica e de intervenção humana muito fortes, mas economicamente deprimidas por falta de um modelo adequado de desenvolvimento.
Cada topónimo guarda na sua designação o tipo de actividades agrícolas, industriais, de povoamento, de conquistas e reconquistas e outras desenvolvidas pelo homem e pela natureza dentro desse espaço e, quando não temos registos históricos escritos, podemos utilizar as designações de topónimos como verdadeiros documentos, como verdadeiras fontes históricas, que nos podem fornecer informações riquíssimas e da mais variada natureza, e por isso a tese incorpora um anexo sobre a toponímia maior e menor da freguesia.

 Autor
Carlos do Nascimento Ferreira nasceu emSendim, em 1961.
Licenciou-se em Geografia e Planeamento Regional na Universidade Nova de Lisboa, em 1986.
Concluiu o Programa de Doutoramento da Universidade de Salamanca, “El médio ambiente natural y humano en las ciências sociales”, cuja tese de Grado defendida em 2003 agora se publica.
Desde 2009 que é Administrador-Delegado do produto turístico Natureza na Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal.


Foi Vice-Presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano, Vice-Presidente da ADTURN (Agência Regional de Promoção Externa de Turismo do Norte) e representante do Secretário de Estado do Turismo na região Norte de Portugal.
Foi Professor de Geografia e de Língua e Cultura Mirandesa.
É empresário-proprietário do Hotel Rural “La Tenerie”.
Entre 1986-1997 esteve emigrado em França onde trabalhou como Diretor Comercial e Empresário.
Tem várias obras e artigos publicados sobre ambiente, ordenamento do território e geografia, língua e cultura mirandesa, turismo de natureza e turismo sustentável. É conferencista na temática do Turismo Natureza.


Prefácio
Dez anos depois de ter sido apresentado à Universidade de Salamanca, este trabalho mantém toda a sua actualidade pois o seu objecto tem a ver com os fundamentos que nos permitem compreender Sendim inserido na Terra de Miranda, e que apenas no tempo longo e muito longo podem mudar. Na sequência de abordagens geográficas genéricas, como a de Virgílio Taborda, esta é a primeira visão geográfica de pormenor que conhecemos quanto ao Planalto Mirandês e, em especial, relativamente a Sendim e ao seu termo.
A abordagem feita por Carlos Ferreira reveste-se de grande novidade, pois não se limita aos aspectos tradicionalmente abordados pela Geografia física ou humana, mas incorpora e estuda à luz do método geográfico e de outras ciências relevantes, elementos que entre nós têm sido ignorados pelos estudiosos, com particular relevo para a toponímia. Com efeito, esta assume um papel central na economia deste trabalho que, também por isso, se reveste de um pioneirismo que, embora não lhe conheçamos continuadores até agora, se reveste de grande importância para a compreensão dos micro espaços físicos e das micro sociedades humanas a que, desde a Idade Média, damos o nome de aldeias. É óbvio que este estudo carece de um enquadramento mais amplo, de preferência em resultado da síntese de estudos que se debrucem sobre outros micro espaços, sendo esse natural enquadramento o do Planalto Mirandês que ainda aguarda um tratamento de conjunto, devidamente aprofundado e de acordo com métodos rigorosos. A partir deste trabalho, deixou de ser possível uma descrição rigorosa do Planalto Mirandês sem que o tome por referência. Por isso era uma lacuna grave a sua não publicação, que só agora se efectua graças aos esforços do presidente da Junta de Freguesia de Sendim, Aquilino Ginjo.
Na sua investigação, Carlos Ferreira palmilhou todo o terreno de estudo munido de um instrumento que já Orlando Ribeiro considerava essencial, a saber, ele calçou as botas e foi a todo o lado, correndo o território em análise até aos seus capilares, nenhum recanto lhe sendo estranho. Através deste método conseguiu reunir uma imensa informação, muita dela com carácter de novidade, aspecto essencial para que o conhecimento possa avançar. A toponímia também o ajudou nesse primeiro e necessário conhecimento, nomeadamente devido à descrição de cada uma das pequeníssimas parcelas que mereceram ser designadas por um topónimo, algo que até agora nunca tinha sido feito, pelo menos em relação ao Planalto Mirandês. Penso que este método não pode ser abandonado, apesar dos modernos e sofisticados meios de abordagem virtual da realidade, devendo o geógrafo e o interessado em conhecer aprofundadamente a realidade sujar e gastar as suas botas, sentir o cheiro da terra e encher os olhos de horizonte onde se recorte a orografia, a flora, sinta o cantar das águas na primavera e os cortantes ventos de inverno, avalie o mudar sazonal das cores das culturas e nelas adivinhe o fluir da vida e da sobrevivência em sociedade ao longo de muitos séculos. Devido à minúcia e ao rigor da sua descrição, fruto do método seguido, estou certo que este trabalho se transformará num clássico a que será necessário recorrer para conhecer uma realidade que está em transformação tal que, dentro de pouco tempo, ninguém conhecerá em profundidade, em consequência do abandono dos campos e das transformações nos métodos de cultivo, da alteração dos meios de transporte ou das mudanças na apropriação dos solos.
A todos aqueles que gostam de tudo explicar com simplistas generalidades,
incapazes de uma verdadeira profundidade, Carlos Ferreira vem demonstrar como os micro espaços e as micro sociedades que os habitam se revestem de uma tal complexidade que apenas abordagens detalhadas e rigorosas permitem avançar na sua compreensão. Há que partir do estudo das células para o estudo do corpo, são necessárias análises muito detalhadas para que consigamos evoluir para novas sínteses, capazes de uma visão de conjunto equilibrada e que sirva de base ao entendimento da nossa marcha sobre a Terra. Estão em jogo não apenas dados objectivos da geografia física, mas saberes milenares que as comunidades e as concretas pessoas transportaram consigo, essenciais para compreender e escrever a sua história, e para ler adequadamente a paisagem em que se insere.
Tem vindo a ser prática entre alguns autarcas a preocupação com o conhecimento do passado histórico dos concelhos ou das freguesias a cujos destinos presidem, daí tendo saído estudos ou mesmo monografias, prática que é de louvar. Com efeito, conhecer o passado é importante para perceber o presente e programar o futuro, saber de onde vimos é sempre essencial para melhor saber por onde devemos continuar. Porém, essa prática tem enormes limitações, elas próprias resultantes do método histórico, quase exclusivamente assente em documentos escritos e, é bem sabido, são raros os documentos que se referem às nossas pequenas comunidades rurais, e aqueles que existem não têm só por si densidade para escrever uma história coerente, abrangente e continuada no tempo. É necessário proceder a outro tipo de estudos, que se socorram de métodos distintos e que no terreno sejam capazes de avaliar a própria evolução das sociedades humanas e da sua luta pela sobrevivência, e só a geografia, a etnologia e a etnografia, a literatura e a música, a antropologia e a sociologia, entre outras, estão em condições de levar a cabo tal tarefa. Por isso fariam bem os autarcas em levantar os olhos e ver muito para além do que pode resultar do manejo de meia dúzia de documentos, encomendando estudos a outras ciências além da história, pois devem ser os especialistas a abordar essas questões com métodos adequados. Talvez muitos dos nossos jovens pudessem abordar estas matérias nas suas teses universitárias, seguindo o exemplo deste trabalho.
Hoje vamos ouvindo com cada vez maior intensidade o dobre finados pelas nossas aldeias, facto que tem vindo a suscitar os mais desencontrados sentimentos e as mais peregrinas ideias em ordem à sua salvação, sem perceber o que se passa, como quem bate com a cabeça na parede. Com efeito, mais de mil anos após a implantação do actual modelo de povoamento e de economia de subsistência, ele entrou definitiva e irremediavelmente em colapso. As abordagens pelo lado do sentimento romântico e de políticas que preferem meter a cabeça na areia como se nada estivesse a acontecer são do domínio da irracionalidade e correm sérios riscos de nada perceber e de intervir de modo errado em relação ao desenvolvimento destas micro sociedades. Normalmente oscilam entre dois polos extremos, o do abandono e o da manutenção a todo o custo do que já não pode ser mantido, realizando por vezes vultuosos investimentos sem sentido, em vez de proceder a estudos que permitam encontrar a racionalidade de novos modelos, onde possam encaixar muitos dos saberes e outros aspectos do anterior modelo. Assim, o facto de estar esgotado o anterior modelo de subsistência agrícola, não pode significar o abandona da agricultura em si, mas a busca de novos métodos, novas culturas, novos apoios, novas abordagens. Em vez de abandonar as aldeias em demanda das cidades ou das vilas, há que encontrar a racionalidade de um novo modelo de povoamento que poderá, na maioria dos casos, integrar as aldeias, eventualmente com um novo tipo de funcionalidades. Os bens que hoje as pessoas procuram para manter o equilíbrio das suas vidas vão muito do que era exigido, em regra, pelo modelo de vida anterior e era fornecido pelo adequado modelo de povoamento, pouco mais indo além da subsistência. Esses bens têm que ser fornecidos, pois as pessoas tendem a não passar sem eles e o novo modelo de exploração e de povoamento têm de se lhe adaptar. Essa é uma reflexão que está em marcha e que necessita de ser aprofundada pelo método correcto. Estudos como este de Carlos Ferreira, multiplicados a muitos outros locais emblemáticos, e depois alargados a espaços de natureza regional serão essenciais para avançar nos caminhos da transformação que hoje é exigida pela pessoas e o seu bem-estar. O proverbial desprezo dos autarcas pela vertente cultural do desenvolvimento humano e a sua atracção pelo betão e as construções estão a ser pagas por um preço muito elevado e esse efeito tenderá a acentuar-se no futuro. O resultado dessa miopia construtivista apenas poderiam ser equipamentos, muitas vezes de luxo, que ficam às moscas, que a ninguém servem e acabam ao abandono, num desperdício histórico de consequências ainda imprevisíveis.
Não é dos menores méritos deste trabalho de Carlos Ferreira o estudo e valorização que faz da chamada toponímia menor, elencada de acordo com métodos correctos e não apenas com recurso aos nomes constantes dos deturpados registos matriciais. Elencar essa toponímia de modo rigoroso, com recurso ao saber das pessoas que sempre com esses topónimos lidaram, é tarefa de um valor cultural incalculável e que, de uma maneira geral, ainda não está realizada. Eu próprio tenho vindo a efectuar essa recolha em todo o Planalto Mirandês, com recurso a vários apoios, também consciente do valor linguístico, histórico, geográfico, etc. desses topónimos. Mas não basta elencar, exige-se uma tarefa não menos importante que consiste na descrição rigorosa de cada um dos espaços designados por cada topónimo, pois o nome só por si pouco dirá e pode mesmo induzir em erros graves no seu estudo. Embora a inventariação dos topónimos das terras de Miranda esteja praticamente concluída por mim, falta esse trabalho essencial de descrição rigorosa, como faz Carlos Ferreira em relação aos topónimos sendineses. Só após esse duplo trabalho estar completo será possível empreender a imensa tarefa de estudar desses topónimos nas suas várias vertentes. O objectivo deve ser a elaboração de um dicionário toponímico do Planalto Mirandês, daí podendo advir essenciais e insubstituíveis elementos na compreensão da sua língua, da sua história e da vida das suas gentes. Em particular a língua tem muito a ganhar com a análise e compreensão desta toponímia, quer pelo elenco de formas verbais caídas em desuso, quer pelas pegadas deixadas por influências várias que muito importantes podem ser para o conhecimento da evolução e da história da língua. O mesmo se diga da fauna e da flora já hoje desaparecidas e também, em geral, da paisagem do termo de cada aldeia, pois a toponímia é um repositório da memória, por vezes centenária ou até milenária, que a mera lembrança das pessoas já não abarca e de que nenhum documento nos ficou para dar testemunho.
Num trabalho desta natureza é essencial recorrer a uma inventariação, recolha e tratamento de muitos saberes tradicionais, saberes ligado ao fazer e, em geral, ao viver, feita por quem com eles viveu e sobreviveu toda uma vida. Carlos Ferreira recorre de modo sistemático a esse método, trazendo um conjunto agregado de elementos que pertencem à memória colectiva dos sendineses, mas que até agora ninguém tinha tido a capacidade para os reunir e a consciência para os valorizar e estudar adequadamente. Também nesse domínio nos aponta um caminho que está por fazer em muitos outros lados e seria essencial para um grande dicionário dos saberes mirandeses, saberes que as suas gentes foram criando, incorporando, experimentando e conservando ao longo de muitos séculos.
Com as observações anteriores não pretendo deixar a ideia de que este é um trabalho perfeito, pois tal não existe, mas tão só de que se trata de um modelo a valorizar, bem como a seguir e a desenvolver. Temos de voltar constantemente à investigação fundamental e não nos ficarmos num saber sobre livros que em nada pode inovar, porque nenhuma informação nova consegue carrear para a análise em que assenta a investigação. Aquele é um caminho mais difícil e moroso, a exigir maior maturidade e maior capacidade na análise dos dados, mas é também o caminho mais frutuoso.
Deixo aqui os meus parabéns ao autor, lembrando-lhe a promessa que ele próprio faz na sua tese, quando diz que este nada mais é que um estudo introdutório à sua futura tese de doutoramento. É certo que a vida nos leva muitas vezes por outros caminhos, mais prementes e até necessários, mas espero que essa oportunidade não tenha caducado e, mais cedo que tarde, o autor ainda nos possa presentear com tal estudo. Todos ficaremos a ganhar, a começar pela própria Terra de Miranda, ou Planalto Mirandês, que seria o anunciado objecto desse estudo.


Amadeu Ferreira

Dia de São João de 2013

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2 comentários:

  1. Livro obrigatória para quem queira estudar as terras de Miranda.Nasceu um clássico.
    Leitor

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  2. Para os interessados no estudo da toponímia não existe melhor em Portugal: grande obra de referência.
    Leitor

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