"Ainda era noite, um espesso nevoeiro cobria toda a Francónia,
especialmente Nuremberga. Acendiam-se as primeiras luzes das casas e não
passava muito das quatro. A temperatura exterior rondava os quatro graus
negativos, acompanhados por uma humidade que a transformava em pelo menos,
outros tantos.Este era um clima bem diferente do que Videira estava habituado. A
temperatura baixa não era novidade, mas com esta humidade… e o pior é que se
mantinha um frio de rachar ao longo de todo dia.Videira olhava o teto do quarto da pensão. Entre o candeeiro e a segunda
racha, encontravam-se duas aranhas tecendo vagarosamente as suas teias. Lá fora
ouviam-se os primeiros operários a partir para as fábricas. Dos ecos das botas
a bater na calçada vinha o sinal de alerta que estava na hora. Às seis horas em
ponto teria que estar na fábrica a iniciar o turno da manhã.
No estômago sentia ainda o peso do trigo da última Weissbier. As
duas que tinha bebido, em conjunto com o excesso de sal do Brezel,
tinham-lhe trazido uma insónia como não há memória. Mas Videira desconfiava que
não era só isso.
Mas que raio, aquele era um dia diferente, não conseguia livrar-se do
pensamento que o tinha assaltado toda a noite.
Levantou-se, vagarosamente dirigiu-se à casa de banho. Tropeçou nas calças
estendidas no chão, bateu com o ombro esquerdo na ombreira da porta e foi neste
estado que abriu a torneira do lavatório. O contacto com água fria, fê-lo
encarar a realidade de uma forma mais decidida. Ia voltar e seria ainda hoje.
Dirigiu-se ao quarto do lado, nem foi preciso bater à porta. Izet, o seu
colega de turno, turco, ia a sair apressadamente para a fábrica.
- Não vou, disse-lhe Videira num alemão praticamente impercetível.
- Como, perguntou Izet, lembrando-se dos cinquenta marcos que Videira lhe
devia e lhe prometeu pagar no fim do mês."
Excerto do início de Na Demanda do Ideal



































