Há uns meses estive no Lar Francisco Meireles em Moncorvo e ouvi as senhoras de idade tratarem-se todas por: Dona Maria, Dona Joaquina, Dona Francisca. No dia anterior havia estado na Corredoura e as pessoas mais velhas ainda eram tratadas por Tia Maria, Tia Amélia, Tia Ana. Eu continuei a ser Julinha na Corredoura, mas “Menina” no Lar Francisco Meireles. E algumas das perguntas estavam totalmente deslocadas naquele enorme salão de pessoas idosas, algumas não muito mais velhas do que eu. Exemplifico: “Atão, Menina , quantos netos tem?“.
Daí que hoje, uma tarde de Sábado, cinzenta, fria e chuvosa, tivesse regressado aos meus tempos de menina e moça e resolvesse dedicar uma horinha a pensar no tema em epígrafe.
Naquela vintena de anos, não só a sociedade estava ainda rigidamente estruturada, melhor dizendo, estratificada, como as formas de tratamento, principalmente as das mulheres, espelhavam essa rigidez.
1ª Assim, uma jovem camponesa, filha e neta de camponeses, era sempre tratada pelo nome próprio e por “tu”. Era tratada assim pelos mais velhos e pelos mais novos. Nem aspirava a mais. 2ª Uma jovem, filha de proprietários abastados e que, portanto, não estava destinada a trabalhar no campo, por exemplo, as filhas da Senhora Camila Miranda ou da Senhora Rosalina Mesquita, eram tratadas pelo nome próprio precedido de “Menina” e por “senhor”.
Exemplificando: “Menina Vitalina, precisa de mais alguma coisa?” ; “ Menina Lininha, queria falar comigo?” etc., etc. Era tratada desta forma por mais novos e por mais velhos.
3ª Havia um estrato intermédio : uma jovem, filha de pequenos proprietários, mas que não trabalhava no campo e andava a aprender costura (os pais ainda não mandavam os filhos – muito menos as filhas - a estudar), também era tratada por “Menina” e por “senhor” . Porém, só os mais novos a tratavam assim. Os mais velhos tratavam-na pelo nome próprio e por “tu” .
Ex.: “Menina Maria Idalina, pode fazer-me uma blusa?” seria a minha pergunta para a (futura) mãe do Quim e do João Morais; mas a minha mãe faria a pergunta de outra forma: “Maria Idalina, podes fazer uma blusa pr’á minha filha?”, pois era mais velha do que a então jovem Maria Idalina, a qual tratava a minha mãe por “Tia” Antoninha. (1)
4ª Depois de casadas, depois de terem filhos, as jovens na primeira situação continuavam a ser tratadas de igual forma pelos mais velhos: “Ó Maria Augusta, anda cá” ; mas passavam a ser tratadas por “senhor” pelos mais novos e, neste caso, o nome próprio era precedido de “Tia”: “Ó Tia Maria Augusta, venha cá” .
Quanto às situações referidas em 2. e 3. , mesmo depois de casadas e mesmo depois de terem filhos, quer fossem jovens ainda ou menos jovens, continuavam a ser “Meninas”.
Exemplifico: “Menina Alcina, tem aqui o queijo que me encomendou” . (A “Menina” Alcina era casada com o Sr. Todu e mãe de duas filhas). A “Menina” Gininha Galo, funcionária dos Correios, foi “Menina” até morrer velhinha.
Parece-me que ouço alguém perguntar: “Então, não havia o tratamento de “Senhora” e de “Dona” ? Havia, pois. Já dei dois exemplos : a Senhora Rosalina Mesquita e a Senhora Camila Miranda. Até final da década de cinquenta e início da década de sessenta, não me lembro de mais ninguém com tratamento de “Senhora” na Corredoura.
Corredoura |
Era assim na Corredoura da minha infância e juventude.
Quais são hoje as formas de tratamento das mulheres da Corredoura? Alguém quer ir até lá, ouvi-las, falar com elas e contar-nos depois? Era capaz de ser interessante fazer a comparação.
(1) (Mais tarde, recordo que os filhos da Dona Idalina já não tratavam a minha mãe por “Tia” Antoninha, mas sim por “Senhora” Antoninha. Seria porque os tempos começavam a ser outros, ou por ela ser mãe de alguém com curso superior? Nunca tinha pensado no caso).
Também o vestuário era diferente consoante a idade da mulher e o seu estrato social. Outro tema interessante para analisar.
Leiria,12 de Novºde 2011
Júlia Ribeiro
Nota do editor:texto publicado em Novembro de 2011
Nota do editor:texto publicado em Novembro de 2011
Realmente, isto é mesmo interessante. Parecendo que aquilo de chamar Tia ou chamar Sra. era à balda, tinha as suas regras.
ResponderEliminarMaria da Querdoira
Que curioso. Nunca tinha pensado no assunto. Se calhar era a mesma coisa no Cabo, no Montezinho, no Prado.
ResponderEliminarAtão não gosta que lhe chamem Menina,ó Avozinha?
ResponderEliminarÉ,de facto, um tema muito interessante,em boa hora lembrado pela Julinha, e que merece continuação.
Uma moncorvense
Nascido em Moncorvo, criado no Porto, quando em raparigo ia a Moncorvo (pelo Natal frio pra burro e nas festas de Agosto quente pra matcho ) ficava muito espantado por ter tantas tias .
ResponderEliminarZé Gaio
Isto de tratamento por sra. , por tia , por menina , por dona , tem a sua piada. Como é que é hoje?
ResponderEliminarUma das meninas / senhoras que andam em mestrados mão quer pegar na ideia?
Uma Leitora
Apoio totalmente as sugestões de uma Moncorvense e de Uma Leitora.
ResponderEliminarOlá, Moncorvense: Eu até gosto que aquelas velhotas amigas ( que me tratavam por tu) me chamem Menina. Mas quando a conversa vai parar aos netos e me perguntam "E a Menina quantos netos tem?" acho que "Menina" está fora do contexto.
Um abraço a todas e todos os comentadores e visitantes.
Júlia
Segunda parte del ingenioso caballero Don Quijote de la Mancha
ResponderEliminarCapítulo XIII
Y ¿qué edad tiene esa señora que se cría para condesa? -preguntó el del Bosque.
-Quince años, dos más a menos -respondió Sancho-, pero es tan grande como una lanza, y tan fresca como una mañana de abril, y tiene una fuerza de un ganapán.
-Partes son ésas -respondió el del Bosque- no sólo para ser condesa, sino para ser ninfa del verde bosque. ¡Oh hideputa, puta, y qué rejo debe de tener la bellaca!
A lo que respondió Sancho, algo mohíno:
-Ni ella es puta, ni lo fue su madre, ni lo será ninguna de las dos, Dios quiriendo, mientras yo viviere. Y háblese más comedidamente, que, para haberse criado vuesa merced entre caballeros andantes, que son la mesma cortesía, no me parecen muy concertadas esas palabras.
-¡Oh, qué mal se le entiende a vuesa merced -replicó el del Bosque- de achaque de alabanzas, señor escudero! ¿Cómo y no sabe que cuando algún caballero da una buena lanzada al toro en la plaza, o cuando alguna persona hace alguna cosa bien hecha, suele decir el vulgo: «¡Oh hideputa, puto, y qué bien que lo ha hecho!?» Y aquello que parece vituperio, en aquel término, es alabanza notable; y renegad vos, señor, de los hijos o hijas que no hacen obras que merezcan se les den a sus padres loores semejantes.
Aí está , tudo depende do contexto.
ResponderEliminarAté : "Oh , hideputa" pode ser um elogio.
De Don Quijote tiramos sempre lições, e que lições. Senão ouçamo-lo novamente: "Y aquello que parece vituperio, en aquel término, es alabanza notable..."
Abraço
Júlia
Sendo eu uma "nativa" da Corredoura, mais propriamente do Carrascal, poderei afirmar que a forma de tratamento das Mulheres, pouco mudou. Talvez as posições sociais não estejam hoje tão presentes. Eu continuo a chamar a "tia" Luz (do Zé da Regina) e a tia Elvira(duas: a Gata e a Resende) e ouço também outros falar da tia Amparo.Digo outros porque eu trato-a por Senhora Amparo. Talvez sejam tias,as mais velhas, a quem nos habituámos, desde pequenas, assim chamar-lhes. As mais novas, dos seus 60 ou 70 anos, já são senhoras ou Donas. Eu, para as "minhas tias" sou a menina e tratam-me por senhor ou por tu como eu faço questão. Para as senhoras e as donas sou a Nela e tratam-me de igual forma, as que nunca residiram fora tratam-me por tu, já que me viram crescer, as que por qualquer motivo sairam deste "paraíso" de Moncorvo, tratam-me por senhor. No entanto, penso que estas tias estão em vias de extinção.
ResponderEliminarCom muito orgulho uma "índia" da Corredoura.
As formas de tratamento eram,e continuam a ser,diferentes,para os dois sexos.Lembro-me que,no meu tempo, havia duas farmácias em Moncorvo : a do dr.Leite e a da dona Carmen.Embora farmacêutica,portanto licenciada,nunca a "dona" Carmen foi tratada por doutora.Mas ao seu colega,ninguém chamava senhor Leite.
ResponderEliminarUma moncorvense
Olá, grande "índia" da Corredoura. Eu também fui "índia" e de pleno direito a partir do momento em que bati no Zeca, filho de um guarda republicano e de uma mãe, má como as cobras. Pergunte às pessoas mais velhas se não se lembram do "Arreia, Zeca, que o teu pai é guarda". A cena passou-e em 1946 ou 47. Já a contei aqui no Blog.
ResponderEliminarO guarda e a família não chegaram a aquecer o lugar na Corredoura. Foram corridos. Moraram na casa entre o Cabanal e a casa das Vitelas.
Um abraço grande de uma índia para outra índia.
Júlia
graças a Deus que esses tempos acabaram...o tempo em umas eram meninas e as outras não.e no fundo eram tanto ou mais que as outras .ainda bem que eu fiquei fora desse tempo de exploração,pobraza,caciquismo....de vassalagem.quando eu regressei de áfrica pela mão da minha mãe pensaram que eu era menos que as outras.Mas nao.era,fui e sou mais...tudo.Lamento,mas nao consigo achar beleza ao servilismo que dominou o nordeste transmontano...ainda olho para as aldeias e consigo ver sinais desses tempos...foi a Historia vfoi a vida ...mas nao posso olhar sempre com saudosismo para o que fazia mal aos homens e mulheres do país onde cresci.Gracias capitães de abril.
ResponderEliminargraças a Deus que esses tempos acabaram...o tempo em umas eram meninas e as outras não.e no fundo eram tanto ou mais que as outras .ainda bem que eu fiquei fora desse tempo de exploração,pobraza,caciquismo....de vassalagem.quando eu regressei de áfrica pela mão da minha mãe pensaram que eu era menos que as outras.Mas nao.era,fui e sou mais...tudo.Lamento,mas nao consigo achar beleza ao servilismo que dominou o nordeste transmontano...ainda olho para as aldeias e consigo ver sinais desses tempos...foi a Historia vfoi a vida ...mas nao posso olhar sempre com saudosismo para o que fazia mal aos homens e mulheres do país onde cresci.Gracias capitães de abril.
ResponderEliminarEram tanto ou mais que as outras, mas tiravam a fome muitas vezes a essas "outras"!
ResponderEliminarEsse tempo passou... Eu vivi alguns anos em moncorvo, alias os mais doces da minha vida .. Tinha TUDO.. E lembro me que aquelas mulheres que viviam na rua nova e por ali naqueles lados, velhas e novas , se tratavam e eram tratadas por ..."menina Isto, menina aquilo.." eu achava muito engraçado porque na minha terra que era outro concelho era.. Tia isto, tia aquilo e as ricas ,as professoras e as mulheres dos doutores eram as donas.. Hoje esta tudo muito banalizado ..e tudo quer ser tratado por doutor..
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