Durante a escolaridade primária
tive a sorte de me calhar uma professora excelente: a D. Luzia Areosa
Pinto. Já há tempo aqui falei dela e não
me vou alongar agora.
Escola Primária da Corredoura (1974).Foto A.F.F.M. |
A D. Luzia era casada com um
professor: o Sr. Pinto, que teve a pouca sorte de ser vítima de doença
cancerosa .
Isso aconteceu quando eu
frequentava a 4ª classe. A D. Luzia não comunicou oficialmente a doença do
marido, pois receavam ambos que a vinda de um professor substituto os
desalojasse da casa em que viviam e que ficava entre as salas de aula da Escola
Primária da Corredoura. Por isso, nos
últimos dois ou três meses de vida do professor Pinto, ela levou as suas alunas
da escola atrás da Igreja e deu-nos aulas juntamente com os rapazes, alunos do
seu marido, na escola da Corredoura. Era
um mar de canalhada, mas talvez devido à situação (ouvíamos os gritos de dor do
Sr. Pinto que faziam a esposa correr escadas acima, dúzias de vezes, para
acarinhar o marido, que outra coisa não havia a fazer), mantínhamos um silêncio respeitoso e até os
mais irrequietos deixaram de ter bicho carpinteiro.
Na sala ao lado, a professora D.
Isabel também tinha a 4ª classe e, tal como a D.Luzia, também preparava 5 ou 6
alunos para o exame de admissão aos Liceus.
Pelas 3 horas e meia ou 4 da
tarde saíam todos os outros raparigos e só ficavam os dois grupinhos de rapazes e de meninas que
iriam a Bragança fazer o dito exame de admissão. Éramos aí uns 13 ou 14 no
total e juntávamo-nos então na sala da D. Isabel.
A D. Luzia podia, finalmente, ir
para junto do marido. Mas, para não sobrecarregar a colega, preparava numa
folha (hoje dir-se-ia “ficha de trabalho”) os problemas que deveríamos resolver
e o tema da redacção a escrever e que tínhamos de apresentar-lhe no dia
seguinte. Devo acrescentar que, quanto à redacção, a D. Luzia não se limitava a
dar o tema, assim a seco, mas acrescentava alguns tópicos como ponteiros
orientadores. Por exemplo, as estações do ano eram sempre acompanhadas dos
nomes dos trabalhos que, nessa altura, se faziam nos campos: “O Verão – as segadas, as malhadas... “ “O Inverno – a apanha da azeitona , a
lagaragem do azeite“, e por aí fora. Deste modo, as garotitas da Corredoura,
quase todas filhas de camponeses, até sobressaíam, pois sabiam do que estavam a
falar.
Desculpe o leitor, pois só agora
vou justificar o título do minha crónica.
Uma tarde, em que o tema da redacção
era a “Primavera”, o 1º tópico dado pela D. Luzia era “a monda” e só depois vinham “o verde dos campos” , “o
sol que começa a aquecer”, etc. A D. Isabel lia a folhinha da D. Luzia e
acrescentava sempre qualquer coisa, talvez para nós nos darmos conta de que ela
também era professora.
Foto cedida por Ana Rodrigues |
Nesse dia, a D. Isabel falou ainda das flores e dos passarinhos, do
céu azul, dias bonitos e da temperatura amena e que, por tudo isso, a monda era
um trabalho mais leve do que a ceifa ou a
apanha da azeitona. Terminou com uma frase que então achei muito bonita: “A
monda é um trabalho suave e até pode considerar-se um trabalho de senhoras”. E eu, zás, terminei com esta frase, tal e
qual.
A minha mãe que era analfabeta mas
que gostava muito de ouvir ler e de ouvir-me ler as minhas redacções, quando cheguei ao fim da primavera e da monda,
exclamou :
- Quem é que disse que a monda é
um trabalho de senhoras?
- Foi a professora D.Isabel.
- Rásparta o ensino da professora
D. Isabel. Bem se vê que ela nunca foi à monda. Atão, andar todo o santo dia
derreada, apanhar zarabanadas de água nos lombos, quando não é uma grainçada
... ele há dias em que o grainço cai que nem pedras, e a gente anda de pés e mãos enterrados na terra
lamacenta que até as socas lá ficam presas... por uma jeira de 4 mil reis ... isso
é trabalho de senhoras? Diz à professora
que eu disse “ rásparta tal ensino “.
Júlia Ribeiro
A mãe da D.Júlia era uma mulher d´´armas .
ResponderEliminarGostei.
Uma leitora
Dra Julia: A minha mãe chama-lhe Julinha e diz que conheceu muito bem a sua mãe, a Antónia Biló, e que era uma grande mulher.
ResponderEliminarPelo historias que conta, a menina Júlia e a senhora sua mãe deviam ser muito cúmplices ..e, duas mulheres de armas.
ResponderEliminarPor casa de tal ensino, e por que tive de tomar conta de dois irmãos mais piquenos e depois comecei a trabalhar no duro, não aprendi a ler. Como não era obrigatorio até fugia da escola. Por isso tudo, foi já quando tinha 50 e tal que aprendi a ler. Mas já nunca é a mesma coisa. Se sobesse ler quando era moça, a minha vida teria sido otra. Vou lendo este belog que gosto munto, mas a minha filha é que escreve. Não parem com os Farrapos da nossa memoria da nossa terra.
ResponderEliminarUma Maria da terra
Olá, Amigos:
ResponderEliminarObrigada pelas vossas palavras.
A minha mãe era, de facto, uma mulher d'armas.
Vós todos sabeis: daquela fibra que nasce e enrija lá para trás dos montes.
Abraço
Júlia Biló
E dizia a minha avó:
ResponderEliminarNão há maior humilhação do que limpar com as mãos o que os pés sujam.
Trabalho de Senhoras!
Bem, quanto à monda,esse era só para grandes Senhoras.Luvas(meias de algodão feitas com cinco agulhas enfiadas até aos cotovelos ,como as Senhoras usam em dias de festa)para dessa maneira se protegerem das urtigas e outras ervas daninhas.Bem alembrado D. Isabel!
Como diria a Sra.D.Antónia Biló:
Rasparta tal ensino.
Com amizade e admiração.
I. G.