"Quando a memória se torna peça de museu" |
Eram os raparigos os primeiros a descobri-los e a comê-los. As mães ralhavam: “Não comas isso, seu diabo, que ficas com dor de barriga” . Qual dor de barriga? Eram deliciosos : tenros e frescos !
Mas os amendrucos endureciam. Levavam largos meses a endurecer: passavam as cerejas, os pêssegos, as laranjas, os figos lampos, chegavam as malápias e as uvas e os figos vindimos e só então as amêndoas começavam a abrir a primeira casca.
Depois da apanha e da partição, começava em Moncorvo um novo ciclo da amêndoa em que eram figuras principais as “ cobrideiras de amêndoa” . Para além das suas mãos ágeis, as suas ferramentas de trabalho eram – e continuam a ser - muito simples, até rudimentares: o enorme “caco” de barro, quase cheio de cinza com uma cobertura de brasas, uma grande bacia de cobre , linda, brilhante, oito dedais e um banquinho de pau.
Um pequeno monte de amêndoa pelada e torrada está agora no meio da bacia colocada sobre o caco; ao lado direito, o recipiente com o açúcar em ponto de pérola, nem um pouquinho mais, nem um pouquinho menos, ou a cobertura de açúcar não terá a brancura da neve. A cobrideira senta-se no seu banquito, benze-se e coloca os dedais. Aos pouquinhos, vai regando a amêndoa com a calda de açúcar e move-a na bacia de cima para baixo , de baixo para cima, em movimentos regulares e ritmados, até os biquinhos aflorarem ou até que a cobrideira ache que está “na conta”.
Era isto que fazia a minha mãe, grande cobrideira de amêndoa. Ah, e ia cantando um fado do velho Marceneiro: “Ausência tem uma filha / que se chama saudade…”
É com imensa saudade que olho para a velha bacia de cobre, brilhante, lindíssima, que guardo em minha casa, em lugar de destaque.
Publicado a 04/03/2012
Belo texto de homenagem às cobrideiras de amêndoa,em especial à grande cobrideira que foi a sua Mãe.
ResponderEliminarUm abraço carinhoso.
Uma moncorvense
Parabéns Julinha por mais um belo texto!
ResponderEliminarE este, muito especialmente, também me traz muita saudade do passado e das vivências que nos marcaram: pessoais, familiares e tantas outras.Com amizade, abraços,
Tininha
Ah, tabém lhe quero dizer que gostei deste texto porque, ao lê-lo, também estou a ver a minha mãe, a cantar, enquanto realiza qualquer tarefa doméstica.
ResponderEliminarNão enfeitou de neve pura, as amêndoas, não.Mas enfeitou de branco, de amor, de perfeito cheiro de rosas, todas as recordações que me deixou, e que ainda guardo e guardarei sempre que abro uma gaveta de minha mãe!
Este texto é um texto de mulheres para mulheres.
Com muita amizade, Arinda Andrés
Bela homenagem da Julinha a sua mãe.
ResponderEliminarA.G.
Excelente peça de museu e de amor.
ResponderEliminarUm grande beijinho
Maria Augusta
Para quando uma homenagem a todas as "cobrideiras"?
ResponderEliminarQue grande filha é esta avó.
ResponderEliminarNoitibó
A Dra. Julia tem uma poesia lindíssima dedicada "à mãe e a todas as cobrideiras de amêndoa de Moncorvo." Está no livro "Somos poeira, somos astros". Não sei porquê, raramente ou nunca se fala desse livro de poesias de que eu gosto tanto. Se o Sr. Lelo tem esse livro, faça o favor de escrever aqui esses versos.
ResponderEliminarMaria do Carmo
Joao Manso disse no facebook: boisto chama se brazeira,eu tenho 1 ,compreia ja a muito anos
ResponderEliminarIsto não é uma braseira ,é uma bacia para fazer a amêndoa coberta. Passe por Moncorvo e entre nas várias casas onde as "cobrideiras" estão a trabalhar. Uma lista telefónica não é um romance, embora seja feita de papel e impressa. A braseira é mais funda e muitíssimo mais pequena. Ambas são feitas de cobre. Escreve-se com s - braSeira -em bom português. Talvez quisesse dizer :Isto chama-SE braSeira, eu tenho uma, comprei-A Há muitos anos. Não se esqueça que a braseira assenta sobre um estrado de madeira e é ao conjunto que se atribui o nome de braseira.Serve para aquecer nos dias frios de inverno.As melhores brasas são feitas de casca de amêndoa, daí talvez a sua confusão. Hoje vendem-se braseiras eléctricas ,práticas e baratas .Lamento informar, mas ainda não há bacias eléctricas nem a pilhas para produzir amêndoa coberta .
ResponderEliminar"Ausência tem uma filha / Que se chama Saudade/
ResponderEliminarEu sustento a mãe e filha/ Bem contra a minha vontade,"
A minha avó que tem 92 anos canta este fado e vários outros do Alfredo Marceneiro.
Dei-lhe um CD do fadista neste Natal e ponho-o a tocar quando lá vou ao Domingo. Fica feliz.
Texto fantástico. Tantas recordações que me trouxe.
Vítor
BONITO TEXTO E LINDA FOTO.
ResponderEliminarSó não percebi um coisa: O que são amendrucos ?
Nabo
Joao Manso comentou a tua ligação.
ResponderEliminarJoao escreveu: "bolas eu so perguntei...e fes.... 1 cumentario ,mas a lista telefonica tambem serve parapor na casa de banho ,pesso desculpa por ter cumentado e por o erro que dei lol,,,eu sei bem o que e uma braseira nos 50 nao havia estrados ,ponha se em cima de 1 pedra , como tinha dito tenho 1 em casa ,sim e mais funda e tem 2 asas....."
Tem direito a um pacote de amêndoas quando vier a Portugal.Um abraço.
ResponderEliminarJoao Manso comentou a tua ligação.
ResponderEliminarJoao escreveu: "um abraco para si tambem,mas 41 ano fora do pais e 66 anos de idade faz difersnca"
As doceiras de Moncorvo
ResponderEliminarI
As doceiras de Moncorvo
Tinham fama em todo o lado
Nas festas de povo em povo
Moncorvo estava representado
II
Eram as doceiras nas festas
Uma forte tradição
Vendendo amêndoas cobertas
Que compravam como recordação
III
Onde houvesse romarias
Lá lá estavam as doceiras
Com as suas doçarias
Para servir as romeiras
IV
Bom era o licor de canela
Bebido pela garrafinha
Acompanhando com ela
Uma súplica docinha
V
Económicos e rebuçados
As amêndoas e o licor
Pelos romeiros eram comprados
Por ser bom o seu sabor
VI
A toalha que cobria a mesa
Branquinha e bem passada
Sujava-se na certeza
Quando a festa estava animada
VII
Também tinham o seu pregão
Que tinha a sua piada
A tia Antónia Biló então
De todas era a mais engraçada
VIII
Toda a gente se ria com ela
Como ela também se ria
Vendendo o seu licor de canela
E os bons doces que fazia
IX
Moncorvo tinha doceiras
Alegres e divertidas
Honradas e trabalhadeiras
Que não podem ser esquecidas
X
As doceiras vão acabando
Nas festas não se vêem mais
Mas é bom ir recordando
Coisas que eram boas demais
Remondes
Olá minha querida Julinha!
ResponderEliminarÉ, certamente,com muito orgulho que a sua querida e saudosa Mãe olha lá do
"Alto" a filha maravilhosa que Deus um dia lhe deu.
Com um enorme beijo de amizade e admiração
Irene
Caríssimo Amigo Remondes:
ResponderEliminarMuito grata pela poesia em que refere muito especialmente a minha mãe, grande doceira e cobrideira de amêndoa, mãe excepcional e uma mulher espantosa. Apesar de ser "filha de um deus menor", amava a vida e era profundamente generosa. Mas, diga-se em abono da verdade, que ninguém tentasse enganá-la...
Para terminar, também penso que todas as doceiras e cobrideiras de amêndoa de Moncorvo merecem uma grande homenagem.
Repare-se: no tempo da emigração para o Brasil, qual a melhor prenda que podia ir de Moncorvo? A amêndoa coberta.
Um grande abraço
Júlia Barros Ribeiro - BILÓ
Muito obrigada a todos os Blogueiros que vão lendo estes "Farrapos de Memória" e deixam as suas opiniões.
ResponderEliminarAgradecida a Uma Moncorvense, à Tininha, ao Noitibó, ao João Manso, ao Lelo e a todos os outros pelas suas palavras amigas.
Alguém perguntou o que são amendrucos. São as "amêndoas ainda em leite" , segundo a definição dada pelas nossas mães e avós. Queria melhor?
Um abração
Júlia
è exactamente na fase de amendruco que se realiza uma operação deveras melindrosa, quiçá lixada pelo risco que envolve. A tarefa agrícola que se efectua nessas altura ,tendo sempre em conta a fase da lua. Nunca em lua cheia. Operação: água limpa de uma ribeira ,açucar amarelo e um seringador manual .Dois Kilos de açúcar por cada 15 litros de água, mexe-se com um arrocho ,primeiro no sentido dos ponteiros do relógio e depois o inverso. Calda pronta ,botas calçadas ,saco de serapilheira nas costa e ala para a cortinha."Sulfatam-se" os amendrucos e obtemos a amêndoa em ponto rebuçado, vai à bacia que assenta sobre um vaso - caco- quentinho, mexe-se com dois garfos de pau de marmeleiro e, já está. Vai pró cartucho e vende-se fresco .Este método inventado, por um comerciante da região, depois de uma viagem de estudo aos gambizinos.
ResponderEliminarNoitibó
Olá, Ireninha:
ResponderEliminarGratíssima pelas suas palavras amigas, que muito me comoveram.(Ponha de lado a admiração, se faz favor).
Retribuo o beijinho e a amizade.
Júlia
Viva, Noitibó:
ResponderEliminarO seu comentário é divertidíssimo. A receita dos "amendrucos com calda de açúcar" é um espanto!
Com o seu jeito para estorinhas cheias de humor, tem de começar a postar aqui no blog. Que diz à ideia?
Um abraço
Júlia
Eu também acho que esse senhor tem sentido de humor..mas, mesmo assim prefiro os textos da menina Júlia e as receitas da sua querida mãe.. Nao sei se em 69.70.71.72.73 Ela ainda cobria amêndoa se assim era eu ainda a conheci..o tabuleiro de cobre é maravilhoso...os de agora ainda são assim?..eu já muito tempo que deixei moncorvo ...um dia destes vou matar saudades ...é que eu amo muito essa querida linda TERRA...MONCRVO
ResponderEliminarEste senhor da " receita " do açúcar nos amendrucos nao será o mesmo do texto do dia da mãe?.. Ai o malandro ... Sim senhor!.. Grande sentido de humor..
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