terça-feira, 20 de junho de 2017

Amendoeiras em flor, por Júlia Biló


  "Quando a memória se torna peça de museu"
Época das amendoeiras em flor .  Após o esplendor  por vales e ladeiras,  após  os  “Oh!  Ah!”   dos turistas  maravilhados,  o vento agreste da Semana Santa começa o seu trabalho.  As pétalas brancas e leves voam em revoadas…  Em breve,  entre as pequenas folhas verdes brotam os amendrucos.
Eram os raparigos os primeiros a descobri-los e a comê-los.  As mães ralhavam:  “Não comas isso, seu diabo,  que ficas com dor de barriga” .  Qual dor de barriga?  Eram deliciosos :  tenros e frescos !
Mas os amendrucos  endureciam.  Levavam  largos meses a  endurecer:  passavam as cerejas, os pêssegos,  as  laranjas, os figos lampos,  chegavam as malápias e as uvas e os figos vindimos e só então as amêndoas começavam a abrir a primeira casca.  
Depois da apanha e da partição, começava em Moncorvo  um novo ciclo da amêndoa em que eram  figuras principais as “ cobrideiras de amêndoa” .  Para além das suas mãos ágeis,  as suas ferramentas de trabalho eram –  e continuam a ser  - muito simples, até rudimentares:  o enorme “caco” de barro,  quase cheio de cinza com uma cobertura de brasas,  uma grande bacia de  cobre , linda, brilhante,  oito dedais e um banquinho de pau.
Um pequeno monte de amêndoa pelada e torrada está agora no meio da bacia colocada sobre o caco;  ao lado direito,  o recipiente com  o açúcar em ponto de pérola, nem um pouquinho mais, nem um pouquinho menos, ou a cobertura de açúcar não terá a brancura da neve. A cobrideira  senta-se no seu banquito, benze-se e coloca os dedais.  Aos pouquinhos, vai regando a amêndoa com a calda de açúcar e move-a na bacia de cima para baixo , de baixo para cima, em movimentos regulares e ritmados, até os biquinhos aflorarem ou até que a cobrideira  ache  que está  “na conta”.
Era isto que fazia a minha mãe,  grande cobrideira de amêndoa.  Ah,  e ia cantando um fado do velho Marceneiro:  “Ausência tem uma filha / que se chama saudade…”
É com imensa saudade que olho para a velha bacia de cobre, brilhante, lindíssima, que guardo em minha casa, em lugar de destaque.

 Viana do Castelo,  4 de Março, 2012
Júlia Biló
Publicado a 04/03/2012

24 comentários:

  1. Belo texto de homenagem às cobrideiras de amêndoa,em especial à grande cobrideira que foi a sua Mãe.
    Um abraço carinhoso.

    Uma moncorvense

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  2. Parabéns Julinha por mais um belo texto!
    E este, muito especialmente, também me traz muita saudade do passado e das vivências que nos marcaram: pessoais, familiares e tantas outras.Com amizade, abraços,
    Tininha

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  3. Ah, tabém lhe quero dizer que gostei deste texto porque, ao lê-lo, também estou a ver a minha mãe, a cantar, enquanto realiza qualquer tarefa doméstica.
    Não enfeitou de neve pura, as amêndoas, não.Mas enfeitou de branco, de amor, de perfeito cheiro de rosas, todas as recordações que me deixou, e que ainda guardo e guardarei sempre que abro uma gaveta de minha mãe!
    Este texto é um texto de mulheres para mulheres.
    Com muita amizade, Arinda Andrés

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  4. Bela homenagem da Julinha a sua mãe.

    A.G.

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  5. Excelente peça de museu e de amor.

    Um grande beijinho

    Maria Augusta

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  6. Para quando uma homenagem a todas as "cobrideiras"?

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  7. Que grande filha é esta avó.
    Noitibó

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  8. A Dra. Julia tem uma poesia lindíssima dedicada "à mãe e a todas as cobrideiras de amêndoa de Moncorvo." Está no livro "Somos poeira, somos astros". Não sei porquê, raramente ou nunca se fala desse livro de poesias de que eu gosto tanto. Se o Sr. Lelo tem esse livro, faça o favor de escrever aqui esses versos.

    Maria do Carmo

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  9. Joao Manso disse no facebook: boisto chama se brazeira,eu tenho 1 ,compreia ja a muito anos

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  10. Isto não é uma braseira ,é uma bacia para fazer a amêndoa coberta. Passe por Moncorvo e entre nas várias casas onde as "cobrideiras" estão a trabalhar. Uma lista telefónica não é um romance, embora seja feita de papel e impressa. A braseira é mais funda e muitíssimo mais pequena. Ambas são feitas de cobre. Escreve-se com s - braSeira -em bom português. Talvez quisesse dizer :Isto chama-SE braSeira, eu tenho uma, comprei-A Há muitos anos. Não se esqueça que a braseira assenta sobre um estrado de madeira e é ao conjunto que se atribui o nome de braseira.Serve para aquecer nos dias frios de inverno.As melhores brasas são feitas de casca de amêndoa, daí talvez a sua confusão. Hoje vendem-se braseiras eléctricas ,práticas e baratas .Lamento informar, mas ainda não há bacias eléctricas nem a pilhas para produzir amêndoa coberta .

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  11. "Ausência tem uma filha / Que se chama Saudade/
    Eu sustento a mãe e filha/ Bem contra a minha vontade,"

    A minha avó que tem 92 anos canta este fado e vários outros do Alfredo Marceneiro.
    Dei-lhe um CD do fadista neste Natal e ponho-o a tocar quando lá vou ao Domingo. Fica feliz.

    Texto fantástico. Tantas recordações que me trouxe.

    Vítor

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  12. BONITO TEXTO E LINDA FOTO.
    Só não percebi um coisa: O que são amendrucos ?

    Nabo

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  13. Joao Manso comentou a tua ligação.

    Joao escreveu: "bolas eu so perguntei...e fes.... 1 cumentario ,mas a lista telefonica tambem serve parapor na casa de banho ,pesso desculpa por ter cumentado e por o erro que dei lol,,,eu sei bem o que e uma braseira nos 50 nao havia estrados ,ponha se em cima de 1 pedra , como tinha dito tenho 1 em casa ,sim e mais funda e tem 2 asas....."

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  14. Tem direito a um pacote de amêndoas quando vier a Portugal.Um abraço.

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  15. Joao Manso comentou a tua ligação.
    Joao escreveu: "um abraco para si tambem,mas 41 ano fora do pais e 66 anos de idade faz difersnca"

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  16. As doceiras de Moncorvo
    I
    As doceiras de Moncorvo
    Tinham fama em todo o lado
    Nas festas de povo em povo
    Moncorvo estava representado
    II
    Eram as doceiras nas festas
    Uma forte tradição
    Vendendo amêndoas cobertas
    Que compravam como recordação

    III

    Onde houvesse romarias
    Lá lá estavam as doceiras
    Com as suas doçarias
    Para servir as romeiras
    IV
    Bom era o licor de canela
    Bebido pela garrafinha
    Acompanhando com ela
    Uma súplica docinha

    V
    Económicos e rebuçados
    As amêndoas e o licor
    Pelos romeiros eram comprados
    Por ser bom o seu sabor
    VI
    A toalha que cobria a mesa
    Branquinha e bem passada
    Sujava-se na certeza
    Quando a festa estava animada
    VII
    Também tinham o seu pregão
    Que tinha a sua piada
    A tia Antónia Biló então
    De todas era a mais engraçada
    VIII
    Toda a gente se ria com ela
    Como ela também se ria
    Vendendo o seu licor de canela
    E os bons doces que fazia
    IX
    Moncorvo tinha doceiras
    Alegres e divertidas
    Honradas e trabalhadeiras
    Que não podem ser esquecidas

    X

    As doceiras vão acabando
    Nas festas não se vêem mais
    Mas é bom ir recordando
    Coisas que eram boas demais

    Remondes

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  17. Olá minha querida Julinha!

    É, certamente,com muito orgulho que a sua querida e saudosa Mãe olha lá do

    "Alto" a filha maravilhosa que Deus um dia lhe deu.

    Com um enorme beijo de amizade e admiração

    Irene

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  18. Caríssimo Amigo Remondes:

    Muito grata pela poesia em que refere muito especialmente a minha mãe, grande doceira e cobrideira de amêndoa, mãe excepcional e uma mulher espantosa. Apesar de ser "filha de um deus menor", amava a vida e era profundamente generosa. Mas, diga-se em abono da verdade, que ninguém tentasse enganá-la...

    Para terminar, também penso que todas as doceiras e cobrideiras de amêndoa de Moncorvo merecem uma grande homenagem.
    Repare-se: no tempo da emigração para o Brasil, qual a melhor prenda que podia ir de Moncorvo? A amêndoa coberta.

    Um grande abraço
    Júlia Barros Ribeiro - BILÓ

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  19. Muito obrigada a todos os Blogueiros que vão lendo estes "Farrapos de Memória" e deixam as suas opiniões.
    Agradecida a Uma Moncorvense, à Tininha, ao Noitibó, ao João Manso, ao Lelo e a todos os outros pelas suas palavras amigas.
    Alguém perguntou o que são amendrucos. São as "amêndoas ainda em leite" , segundo a definição dada pelas nossas mães e avós. Queria melhor?

    Um abração
    Júlia

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  20. è exactamente na fase de amendruco que se realiza uma operação deveras melindrosa, quiçá lixada pelo risco que envolve. A tarefa agrícola que se efectua nessas altura ,tendo sempre em conta a fase da lua. Nunca em lua cheia. Operação: água limpa de uma ribeira ,açucar amarelo e um seringador manual .Dois Kilos de açúcar por cada 15 litros de água, mexe-se com um arrocho ,primeiro no sentido dos ponteiros do relógio e depois o inverso. Calda pronta ,botas calçadas ,saco de serapilheira nas costa e ala para a cortinha."Sulfatam-se" os amendrucos e obtemos a amêndoa em ponto rebuçado, vai à bacia que assenta sobre um vaso - caco- quentinho, mexe-se com dois garfos de pau de marmeleiro e, já está. Vai pró cartucho e vende-se fresco .Este método inventado, por um comerciante da região, depois de uma viagem de estudo aos gambizinos.
    Noitibó

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  21. Olá, Ireninha:

    Gratíssima pelas suas palavras amigas, que muito me comoveram.(Ponha de lado a admiração, se faz favor).

    Retribuo o beijinho e a amizade.
    Júlia

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  22. Viva, Noitibó:

    O seu comentário é divertidíssimo. A receita dos "amendrucos com calda de açúcar" é um espanto!
    Com o seu jeito para estorinhas cheias de humor, tem de começar a postar aqui no blog. Que diz à ideia?

    Um abraço
    Júlia

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  23. Eu também acho que esse senhor tem sentido de humor..mas, mesmo assim prefiro os textos da menina Júlia e as receitas da sua querida mãe.. Nao sei se em 69.70.71.72.73 Ela ainda cobria amêndoa se assim era eu ainda a conheci..o tabuleiro de cobre é maravilhoso...os de agora ainda são assim?..eu já muito tempo que deixei moncorvo ...um dia destes vou matar saudades ...é que eu amo muito essa querida linda TERRA...MONCRVO

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  24. Este senhor da " receita " do açúcar nos amendrucos nao será o mesmo do texto do dia da mãe?.. Ai o malandro ... Sim senhor!.. Grande sentido de humor..

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