Mais uma do Camané:
Nas férias de Verão, os estudantes que não tinham mesadas dos pais e que, diga-se em abono da verdade, nem tinham nada que fazer, aproveitavam esses quase 3 meses de costa ao alto, para arranjar trabalho e ganharem uns cobres .
O Camané conta a sua experiência no verão de 1977 :
- Tinha aí os meus 15 anos e andava por ali aos caídos. Numa tarde, estava eu a dar lustro às calças nos bancos da Praça Francisco Meireles, quando um amigo veio sentar-se junto de mim e disse :
Lamelas |
- Onde é isso?
- Não sei bem; parece que é prós lados do Carvalhal.
- E vais fazer o quê? - Não sei. Vão mais colegas nossos. Rapazes e raparigas também. Não queres ir? Nem chega aos cem paus, mas dão jeito.
- Quero. Quem é o patrão?- A Câmara de Moncorvo.
E o nosso amigo Camané foi ganhar , tal como os outros, oitenta mil reis por dia.
- Oitenta marrecos, não era muito, mas evitava a vergonha de ter de pedir à mãe cinco escudos para uma cerveja.
Éramos cinco rapazes : eu, o meu irmão Luis Ricardo, o José Marrana, o Acácio Queija e o Vítor Moreira e três raparigas. Não me lembro dos nomes delas , mas lembro-me que eram bonitas nas suas T-shirts justinhas e nos calções de ganga bem curtos. Os olhos ficavam-nos presos nas coxas das cachopas e o seu riso claro era música que nos atordoava. Andávamos todos pelos 15, 16 anos. E, se em vez de oitenta, me pagassem quarenta, também aceitava.
O nosso trabalho não era leve: juntar pedra e carregá-la para o valado donde partiam as condutas da água para Moncorvo. Enquanto juntávamos e carregávamos a pedra, procurávamos estar sempre perto das miúdas e lá vinha uma conversa mais ou menos inocente e algumas gargalhadas .
- Ó rapazinho, não te pagam para conversas e risotas. Toca a trabalhar. – Era o chato do capataz.
- Ó rapazinho, onde é a ida? – Outra vez o fona do capataz.
- Vou atrás daquela fraga, ou não posso?
- Sei bem o que vais fazer. Olhaste demais prás nalgas das raparigas. Estás de volta daqui a 3 minutos, ouviste?
Rezina do homem. Até nos fazia corar.
O Camané continua o relato da sua rotina naquele longínquo verão de 1977:
- Às 8 horas da manhã apresentávamo-nos no Depósito da Câmara Municipal de Moncorvo. Era nos baixos do Tribunal. (Este local servia também para albergar um macho que recolhia o lixo da vila).
O camião da Câmara, conduzido pelo fiscal Emilio, estava à nossa espera todos os dias para levar o pessoal ao local de trabalho.
- Ó Sr. Emílio, tem de mandar substituir o Volvo.
- Bem preciso era. Se eu mandasse...
O fiscal Emílio lá levava as 37 pessoas para Lamelas..
- Mas o fiscal Emilio não nos ia buscar. Tínhamos que nos arranjar como pudéssemos. Depois do trabalho, às 3 h da tarde, o capataz dava o sinal para arrumar a ferramenta e então era ver 37 pessoas a correr para a berma da estrada para apanhar boleia de Lamelas para Moncorvo . Nessa altura era uma estrada do ‘lá vai um’.
O capataz, não me recordo do nome - para nós era sempre o avô da Cristina - às 3 horas da tarde, era o primeiro a ir para a estrada e o primeiro a apanhar boleia. E ponto final.
Um dia a boleia dele surgiu pelas duas e meia da tarde. O carro apitou e ele não sabia o que fazer: era muito cedo para largar o trabalho, mas tinha que aproveitar o momento. Colocou o saco da merenda no carro e, depois de entrar, pôs o braço fora da janela e deu o sinal de arrumar a ferramenta.
Foi uma correria para a estrada. E foi um dia de sorte a dobrar porque, pouco depois , apareceu uma camioneta de caixa aberta que parou e lá nos arrumámos os 34 marmanjos, mais as 3 donzelas.
Fonte de Lamelas |
Às 4 horas da tarde, já todos , lavados e frescos, estávamos plantados na Praça Francisco Meireles, para espanto dos residentes dos bancos, dos passeantes da dita praça , dos funcionários da Câmara e do próprio Presidente, que era o S. Marrana.
Só falta dizer que os homens ganhavam 120$00 ( pá e pica) e as raparigas 70$00. Mereciam ganhar, pelo menos, o mesmo que nós, os rapazes, pois trabalhavam mais.
E o Camané concluiu:
Tempos duros: levávamos um farnel e no dia seguinte e no outro e no outro, às 8 h da manhã, lá estávamos nos baixos do tribunal, onde pernoitava o macho que fazia a recolha do lixo da vila ...
O Camané contou; Júlia Ribeiro escreveu.
Leiria 3 de Nov.º de 2011
Ao contrário das parceirias publico-privadas esta parceiria vale a pena. Venham mais estórias pra gente não morrer de tanto apertar o cinto.
ResponderEliminarZé M.ª
Pensamento do dia... que dá para pensar !!!« Concluí que a minha filha desempregada e o meu filho dentista com falta de clientes (ambos divorciados) têm de intentar acções judiciais contra mim, para eu ser CONDENADO a pagar "alimentos" (no sentido legal do termo) aos meus netos. Porque, com uma sentença judicial, eu posso descontar essas despesas no IRS e, se ajudar voluntariamente, não posso.Se encontrar uma saída, transmito-a a todos os avós. » Juiz-Conselheiro (Jubilado) Mário Araújo Ribeiro
ResponderEliminar"Deus fez o Céu e a Terra......o resto é feito na China"
ResponderEliminarMENOS O QUE:
O Camané contou; Júlia Ribeiro escreveu
A maior desgraça de uma nação pobre
ResponderEliminaré que em vez de produzir riqueza,
produz ricos.
Mia Couto
E MONCORVO PRODUZ: O Camané contou; Júlia Ribeiro escreveu
Estes comentários são altamente.
ResponderEliminarO que o Camané contou e a Júlia escreveu também.
Vítor Santos
Eheheheheh ! Com que intão os rapazinhos olhavam pras nalgas das donzelas brincalhonas e depois tinham de ir pra trás das fragas . Ohohohohoh !
ResponderEliminarH.L.
Olá Camané , e no dia seguinte mais meia hora a carregar pedra tá-se mesmo a ver.
ResponderEliminarDra. Júlia, que paciência para aturar este gajo. Mas ele é bom rapaz.
Os homens ganhavam 120$00 ( pá e pica) as raparigas 70$00 e os rapazes 80$00, quando penso nesses valores nem acredito, hoje pedi um café e umas aguas, paguei €1,20 os homens que recebiam 120$00 em 1977 nem acreditavam que 30 anos volvidos teriam que trabalhar 2 dias para degustar um simples café e umas aguas, as coisas eram proporcionais aquilo que se ganhava um simples café e umas aguas custariam 7$50 a vida encareceu de uma forma assustadora dá que pensar, tal como as raparigas ganharem 70$00 e os Rapazes 80$00 a fazerem o mesmo trabalho (suponho), as mulheres sempre foram muito mal tratadas, esta estória da vida contada pelo Camané e escrita pela Julia Ribeiro é um exemplo de vida do que foi esses tempos, não sabia que o macho do lixo dormia onde hoje é a Conservatória de T. Moncorvo devíamos reflectir, obrigado por esta excelente estória "Cinco marmanjos e três donzelas, por Júlia Ribeiro" espero que continue e o Camané que as conte, afinal não é só brincadeiras naquilo que conta, há coisas muito sérias neste individuo, dá que pensar, e como representa no Teatro "Alma de Ferro", um beijinho a todos vós e mais uma vez OBRIGADO
ResponderEliminarUma Admiradora
Em meu nome e no do Camané, obrigada aos Amigos que deixaram o seu comentário, nomeadamente ao(s) Blogueiro(s) que registou/registaram 3 interessantíssimas citações e um obrigada muito especial a "Uma Adiradora" . Concordo plenamente com as suas opiniões.
ResponderEliminarAbração
Júlia
Adorei as histórias e os comentários!Venham outros semelhantes!
ResponderEliminarA.A.