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OPINIÃO
Linha do Douro: interrogações sobre um estudo
Em Maio vão ser retomadas na cidade de Vila Real as
cimeiras ibéricas, cuja agenda contempla "importantes projetos
transfronteiriços". Estaremos perante mais uma oportunidade desperdiçada
para a Linha do Douro?
16 de Abril de 2017, 11:08
Na sua edição de 06/02/2017, o PÚBLICO noticiou as conclusões de um
estudo centrado na Linha do Douro, eixo ferroviário internacional de 269
Km, repartidos entre Estados ibéricos, cabendo 191 Km (Ermesinde-Barca de Alva)
ao território nacional, constituindo o mais curto caminho terrestre existente
entre Madrid, a Área Metropolitana do Porto e o Oceano Atlântico.
Intitulando-se Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro, o
trabalho, sob a égide das Infraestruturas de Portugal, apresenta a Linha do
Douro como o itinerário ferroviário lógico, de integração funcional da Área
Metropolitana do Porto, e de toda região Norte, com a restante Península
Ibérica e Europa além-Pirinéus, validando-o como a "melhor opção",
nas dimensões técnico-operacionais, económicas e estratégicas. Adicionalmente,
o estudo projeta a linha como vetor incontornável para um novo modelo de
desenvolvimento territorial transfronteiriço, volvidas mais de três décadas
após a suspensão de todos os serviços internacionais, na sequência da qual têm
permanecido ao abandono 106 Km de via, entre Pocinho, Barca de Alva/Fregeneda
(fronteira) e Fuente de San Esteban (entroncamento a 56 Km de Salamanca). Este
estudo vem lançar uma série de desafios e interrogações.
Desde logo, desmistifica-se a argumentação absurda sobre uma
alegada "inadequação técnica", no tocante à possibilidade de
circulação de pesadas composições de mercadorias, posicionando-as com os
recursos de tração existentes, diesel ou elétrico, na dimensão
média comum das maiores cargas brutas rebocadas em contexto ibérico. Tal coloca
esta via-férrea como solução natural e incontornável, quer no atendimento das
necessidades dos "hinterlands" de plataformas logísticas como
o Porto de Leixões e Valongo-São Martinho do Campo (SPC), quer no facultar de
uma saída atlântica rápida aos "portos secos" da Rede Logística de
Castilla-y-León (CYLOG) e além. Não é esquecido o papel fulcral da Linha do Douro
(complementada com a reativação parcial em via larga de 30 Km da Linha do Sabor
entre Pocinho e Carvalhal), no escoamento da eventual extração de minério de
ferro de Moncorvo-Reboredo, incluindo a respetiva exportação para clientes
potenciais em Espanha (Astúrias), através da fronteira de Barca de Alva,
reabilitada e reaberta a todos os tráfegos.
A invulgaridade do estudo afigura-se notável, no que
respeita à valência “passageiros”, a qual é enquadrada em estrita articulação
com as atividades económicas das regiões atravessadas. À Linha do Douro é-lhe
atribuído um papel de catalisadora do desenvolvimento regional, do Atlântico a
Salamanca e a Madrid, com passagem por uma Região Turística Património Mundial,
preconizando-se um reforço adicional da oferta em acessibilidades
transfronteiriças, atuando em sinergia com a navegação fluvial, hoje padecendo
de consideráveis constrangimentos técnicos à sua expansão. O estudo aponta,
realizadas simulações de marcha com software adequado, para
tempos de viagem de 2h50m, de Porto-Campanhã à fronteira de Barca de Alva (200
Km), e ainda 4h30m, na viagem até Salamanca (336 Km), onde um enlace facilitado
com a já existente oferta de serviços "Alvia" (Alta Velocidade
Espanhola Regional) permitiria aceder a Madrid em 95 minutos adicionais,
possibilitando Porto-Salamanca ou Madrid-Alto Douro Vinhateiro com regresso no
próprio dia.
Apresentam-se pressupostos técnicos de reabilitação do
itinerário de 269 Km, incluindo os 106 Km transfronteiriços desativados, onde
se contempla o reforço/substituição de tabuleiros metálicos de numerosas obras
de arte, requalificadas de 16 para 22,5 toneladas por eixo. Consideram-se
várias modalidades de investimento, incluindo ou não eletrificação integral a
Leste da Régua (Km 105 a partir de Campanhã), estabelecendo uma orçamentação
entre os 192 e 230 M€, do lado de Portugal, e 87 a 119 M€, na porção em
território de Espanha. Adicionando-se uma variante de traçado opcional
"Almendra/Fregeneda", na zona raiana, orçamentada preliminarmente em
93 M€, e ainda o restabelecimento parcial da Linha do Sabor (de índole
industrial e mineiro), avaliado em 29,5 M€, o montante total a investir
ascenderia a 473 M€. Qualquer cenário de reabilitação da Linha do Douro
quedar-se-ia a uma considerável distância orçamental do montante de 1100 a 1500
M€, estimado como custo de construção de uma linha entre Aveiro e Mangualde,
relativamente à qual Bruxelas declinou atribuir comparticipação no âmbito do
Fundo Connecting Europe Facility (CEF), por inexistência de retorno
socioeconómico.
Em três décadas de integração europeia, Espanha e Portugal
viram ser-lhes atribuídos fundos comunitários, consagrados a regiões
fronteiriças e "de convergência", sucedendo-se protocolos e programas
conjuntos, sem que qualquer deles contemplasse a reabertura ao tráfego
internacional da Linha do Douro. Estaremos perante um mero estudo informativo
ou pretende-se preparar algo de diferente do que até agora Bruxelas, os
Governos centrais dos Estados ibéricos, CCDR-Norte e Castilla-y-León e AECTs
(Agrupamentos Económicos de Cooperação Transfronteiriça) se mostraram
(in)capazes de realizar?
Em Maio do presente ano, vão ser retomadas na cidade de Vila
Real as cimeiras ibéricas, cuja agenda contempla "importantes projetos
transfronteiriços". Estaremos perante mais uma oportunidade desperdiçada
para a Linha do Douro ou haverá disponibilidade institucional para acolher as
recomendações que resultaram do estudo realizado sobre a mesma?
O Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro responde
de forma inequívoca e assertiva ao papel que este eixo ferroviário pode e deve
desempenhar na integração de mercados no Noroeste, Norte e Centro peninsular, a
todos os níveis, assumindo-se como uma verdadeira e inovadora lufada de ar
fresco. Mas até que ponto lhe será permitido eximir-se à reclusão do
arquivamento?
MANUEL MARGARIDO TÃO
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo
Ortográfico
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